Voto 'contra todos' tem potencial de criar futuro turbulento para o Brasil
O sentimento antipolítico, "contra tudo o que está aí", cresceu de forma surpreendente no Brasil desde 2013 e tem o potencial de ser um fator decisivo nas eleições deste domingo, criando um caminho (no mínimo) turbulento para o país.
O resultado da disputa polarizada, em que a moderação foi escanteada do debate, deve levar a uma transformação do sistema político construído no país desde o fim da ditadura, e no curto prazo vai ser difícil alcançar a estabilidade necessária para o país tentar ser levado a sério no resto do mundo.
Durante um painel entre acadêmicos que analisam o Brasil com a perspectiva internacional, em Oxford, na véspera da eleição, a percepção em geral era de que Jair Bolsonaro tem grandes chances de ser eleito presidente — levado não apenas pelo tradicional antipetismo, mas em grande parte por ele simbolizar este sentimento "contra todos".
Por conta de declarações do candidato, o cenário leva a preocupação com a democracia do país. E mesmo que o Brasil não se torne uma ditadura declarada é preciso estar atento para proteger direitos e garantias para o país.
"Podemos ter esperança de que as instituições vão resistir a um caminho turbulento", avaliou o cientista político Timothy Power, diretor do programa de estudos brasileiros da Universidade de Oxford. O comentário fez parte de uma mesa redonda no encerramento da 7ª conferência Oxbridge de estudos brasileiros.
Segundo Power, a política brasileira parece estar se "americanizando" com uma polarização dos eleitores, o que acabou enfraquecendo alternativas "de centro", como a candidatura de Geraldo Alckmin. O PSDB, diz, paga o preço de ter apoiado o governo de Michel Temer. "Alckmin é a Hillary Clinton do Brasil, um candidato muito ligado ao establishment em uma eleição contra o establishment", disse.
Neste contexto, Bolsonaro conseguiu se colocar do lado das duas forças decisivas nas eleições deste ano: o voto contra o PT e o voto contra todos. "O PSDB achou que ia herdar o sentimento antipetista, mas foi Bolsonaro que conseguiu isso", disse Power. "O vento sopra a favor dele", completou, e ele tem grandes chances de chegar ao poder.
O debate sobre eleições encerrou a conferência multidisciplinar que contou com apresentações de pesquisas importantes conduzidas em algumas da principais universidades do mundo a respeito do Brasil. A atenção com a questão das eleições esteve presente durante todo o dia, entretanto, refletindo parte da atenção internacional dada à escolha do próximo presidente do país.
A maior parte da cobertura da imprensa internacional e das análises de estrangeiros a respeito da eleição destaca a ascensão de Bolsonaro, seu perfil e declarações antidemocráticos, e os riscos disso para o país. Editoriais de importantes publicações, como a revista "The Economist", o jornal "The Guardian" e a capa de vários jornais franceses alertam para o que é visto como um "flerte com o fascismo".
O "New York Times" descreve a eleição como sendo marcada pela "raiva e frustração" dos eleitores. O jornal o chama de candidato de "extrema-direita", provocador e populista, que foi capaz de canalizar o ressentimento com a política tradicional no país. O "Guardian" fala em medo da volta da ditadura no Brasil.
Apesar do tom de preocupação com esta radicalização, a análise externa da política brasileira indica que a fragmentação do sistema, com um Congresso também formado por este sentimento antipolítico, e a necessidade de conseguir apoios para ter governabilidade geram a necessidade de que um eventual governo de Bolsonaro tenha que apelar ao "centrão", o que pode exigir moderação da postura antidemocrática.
A erosão da democracia no Brasil preocupa analistas, entretanto, mesmo que a perspectiva não seja de transformação do país em uma ditadura.
Segundo Malu Gatto, pesquisadora do pós-doutorado em ciência política da Universidade de Zurique que também participou do debate em Oxford sobre eleições e democracia no país, a candidatura de Bolsonaro legitimou o discurso do ódio no país, o que é muito perigoso. "Podemos assistir a um enfraquecimento das instituições, uma deterioração da democracia", disse.
Esta também foi a avaliação Andreza A. de Souza Santos, professora do Centro Latino-Americano de Oxford. "A democracia pode sofrer mesmo sem uma ditadura declarada", disse.
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