Como um indígena isolado simboliza a imagem do Brasil como país exótico
A divulgação de um vídeo pela Funai (Fundação Nacional do Índio) mostrando imagens inéditas de um índio que vive isolado na Terra Indígena Tanaru, em Rondônia, foi um dos temas mais populares relacionados ao Brasil na imprensa internacional ao longo da semana. A notícia foi publicada tanto nos veículos estrangeiros mais sérios, como o "New York Times" e o "Guardian", quanto em sites de curiosidades.
Segundo o "NYT", o sobrevivente se tornou um símbolo da resiliência de mais de cem comunidades que ainda vivem isoladas em partes remotas do Brasil e sob pressão de fazendeiros, mineiros e madeireiros, que as empurram para dentro da floresta.
Sob um ponto de vista atento à percepção internacional do Brasil, pode-se pensar que o indígena isolado também é um símbolo de uma característica da imagem do país no resto do mundo. Ele representa o exotismo que há cinco séculos está preso à forma como o Brasil é pensado a partir de uma perspectiva externa. A Amazônia como uma terra desconhecida e misteriosa ainda é muito associada à ideia de Brasil, e atrai muito a atenção global –e notícias como a da última semana costumam alcançar grande público no resto do mundo.
Algumas das principais pesquisas acadêmicas a respeito da percepção internacional do Brasil indicam que isso pode estar ligado ao fato de o país ter imagem de exótico, de diferente, "esquisito, excêntrico, extravagante", como diz o dicionário Houaiss.
O tema é explorado de forma aprofundada por dois importantes livros que tratam da projeção da imagem internacional do Brasil nos dias de hoje. Em "A Imagem do Brasil no Turismo: Construção, Desafios e Vantagem Competitiva", de Rosana Bignami, e "O Brasil dos Gringos: Imagens no Cinema", de Tunico Amâncio, a construção da imagem exótica é analisada mais detalhadamente.
Bignami faz um excelente tratado sobre a forma como se construiu no resto do mundo a percepção a respeito do Brasil. Publicado em 2002, o livro continua muito atual no debate sobre reputação no país no exterior e traz esta interessante análise sobre a responsabilidade dos próprios brasileiros na formação dessa imagem de exotismo.
"A imagem do Brasil irá gradualmente passar do simples paraíso-inferno ao país cada vez mais relacionado com o lugar do exótico na cidade e na cultura, da floresta e das paisagens naturais também urbanas, do bom selvagem, da fertilidade e fecundidade (natureza e população), da beleza e alegria, lugar de palmeiras, bananas, serpentes e vegetais, uma especie de paraíso ou éden pitoresco, reino dos vegetais e animais exóticos (incluem-se homens), misturado à cultura da corte", explica Bignami.
Amâncio, por outro lado, discute como o cinema internacional ajudou a formar e consolidar a imagem do Brasil no resto do mundo, fortalecendo também ideias do país exótico. Segundo ele, o exotismo se afirma em torno da ideia de regiões distantes, onde a vida é diferente, onde existe um novo mundo. Tudo isso continua presente na forma como o Brasil é pensado de fora.
"O Brasil sempre abrigou o olhar do estranho, do estrangeiro, do exótico", avalia. "Indubitavelmente, o Brasil sempre esteve incluído na categoria dos países exóticos, seja pelo seu caráter periférico frente aos centros impulsionadores da economia capitalista ocidental ou pela sua extensão geográfica que abriga uma enorme variedade de gentes, de cenários, de histórias, melhor dizendo, de possantes virtualidades imaginárias."
A popularidade do vídeo que mostra o sobrevivente conhecido como o "índio do buraco", acompanhado por técnicos há 22 anos no meio da floresta Amazônica, revela o quanto ainda há de interesse por este elemento exótico em públicos internacionais.
Por mais que isso possa ser uma imagem que incomoda muitos brasileiros, uma das principais linhas de estudo do tema indicam que essa representação é alimentada pelos próprios brasileiros. Pesquisadores que avaliam este tipo de percepção do Brasil costumam comentar que a imagem de exótico não é uma imposição externa ao país.
"O exótico é assumido como categoria da nossa identidade", diz Amâncio.
Segundo Bignami, "o olhar exótico é, antes de mais nada, aceito como representação nacional. (…) O exótico não é para o brasileiro um elemento externo. O exótico participa da identidade nacional como elemento de composição e exportação, incorporado aos discursos da própria nação que também se promove por intermédio dessas imagens", diz.
"A formação da identidade nacional está intimamente ligada à projeção da imagem do Brasil no exterior e à aceitação do elemento exótico como parte da própria auto-imagem", explica Bignami.
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