Crise na Amazônia é um problema de imagem para o Brasil e para Bolsonaro
Em meio a uma grande pressão internacional contra a atuação do governo brasileiro em relação aos incêndios da Amazônia, o presidente Jair Bolsonaro, seus apoiadores e o Ministério das Relações Exteriores se apressaram em tentar minimizar as críticas externas.
Em um dos argumentos principais, alegam que as queimadas atuais não são tão piores do que as do passado, e falam de exagero dos estrangeiros e interesses contrários à soberania brasileira na Amazônia.
A agência de notícias Reuters noticiou que o governo distribuiu uma circular de 12 páginas instruindo embaixadas do Brasil a defender a posição do governo na crise atual.
A Embaixada do Brasil em Londres, por exemplo, publicou no Facebook um gráfico mostrando que a média de queimadas neste ano está abaixo do registrado por duas décadas.
Em entrevista a um programa na TV francesa France 24, o embaixador do Brasil na França, Luís Fernando Serra, afirmou que no mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva houve incêndios muito mais graves na Amazônia, mas que isso não foi divulgado.
Este discurso oficial em defesa do governo ignora dois pontos centrais que podem ajudar a entender a imensa dimensão tomada pela crise atual –e a explicar por que o argumento não funciona.
Por um lado, o mundo vive um contexto ambiental diferente, em que governos estrangeiros estão sendo cada vez mais pressionados a terem uma postura mais sustentável –o que incentiva a retórica de governantes estrangeiros contra o Brasil. É ligado a isso que a mídia estrangeira fala em "tipping point", ponto de virada irreversível da destruição da Amazônia, após o qual pode ser tarde demais para se preocupar com as mudanças climáticas no mundo.
Por outro lado, os incêndios ocorrem na esteira de uma deterioração da imagem internacional do país por conta da postura pública do presidente Jair Bolsonaro —criticado no exterior desde a eleição do ano passado, e apontado como responsável pela deterioração da reputação do Brasil.
Sem diminuir a preocupação real com o ambiente que existe em todo o mundo por conta das queimadas, o problema não é só o fogo na floresta. O problema é que o fogo na floresta ocorre menos de um ano depois da eleição de um presidente que é visto no mundo como alguém que deu inúmeras declarações indicando seu desprezo pelo ambiente e que agiu em linha com esta postura. Um presidente que, em uma de suas primeiras decisões no governo, determinou a retirada da candidatura do Brasil a ser sede da COP-25, a conferência anual da ONU para negociar a implementação do Acordo de Paris, e que chegou até mesmo a ameaçar abandonar o acordo totalmente.
Grande parte da imprensa e dos analistas internacionais se apressaram em apontar a culpa de Bolsonaro nos incêndios atuais. Não que ninguém ache que o presidente foi até a floresta dar início ao fogo, mas a imagem construída é a de um governante sem nenhum compromisso com a proteção da floresta. Essa imagem foi construída desde antes de Bolsonaro tomar posse como presidente, e vem dominando o noticiário internacional.
Para muitos analistas internacionais, Bolsonaro se coloca há meses como alguém que permite a livre destruição da Amazônia. Bolsonaro é visto como um presidente que nega os dados de desmatamento, que demite cientistas engajados em monitorar a floresta, que reduz as medidas de proteção da floresta, que rejeita ciência, que defende a exploração mais intensa do território da floresta, que protege quem desmata, que critica ONGs preocupadas com o ambiente e até as acusa de serem responsáveis pelos incêndios, que propaga teorias da conspiração, que desdenha de apoio financeiro de países estrangeiros para proteger a floresta, que ataca gratuitamente outros países que se mostram preocupados com a Amazônia.
Bolsonaro é visto no mundo como alguém que atuou diretamente no esvaziamento de agências que trabalhavam com a proteção das florestas e ao mesmo tempo incentivou a exploração econômica das áreas de florestas. A combinação levou ao aumento das queimadas, que são vistas agora como fora de controle e "crise global". Daí ele ser visto como responsável pelo fogo. Daí a situação atual ser tão diferente da vivida por outros presidentes que enfrentaram queimadas grandes na Amazônia no passado.
O problema, em resumo, não é só o fogo, mas a imagem construída pelo presidente antes e durante os incêndios. Isso é diferente do que houve em governos anteriores. Não fosse essa imagem de um presidente que permite a destruição da floresta, talvez a reação do resto do mundo não fosse tão ampla.
Não adianta o governo agora dizer que os incêndios não são tão ruins assim. Não adianta Bolsonaro agora dizer que se preocupa com o ambiente. A imagem construída pelo presidente para o seu governo e para o país administrado por ele é de um Brasil que não se preocupa com a Amazônia. É a isso que o mundo todo está reagindo.
A crise atual é um caso muito interessante para estudos a respeito de reputação e diplomacia (como a pesquisa que venho desenvolvendo em meu doutorado no King's College London). Governos como o da França e de outros países da Europa estão tomando atitudes políticas com base nessa imagem construída pelo governante brasileiro para o país.
A imagem nem sempre é reflexo preciso da realidade. Muitas vezes vem como fotografias que não representam o que acontece no país, e se apega muito a metáforas equivocadas como a Amazônia como "pulmão do mundo". Ainda assim, é uma imagem que tem um motivo para existir, e que tem efeitos reais sobre a diplomacia, a política e a economia do Brasil.
A questão ambiental é fundamental e vem ganhando relevância, mas, na situação atual, a percepção externa sobre a postura, as declarações e as ações do presidente tem extrema importância para a definição de relações diplomáticas –e tentar mudar isso agora pode ser tarde.
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