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Blog do Brasilianismo

Encolhimento da cobertura estrangeira não significa ausência de interesse

Daniel Buarque

26/04/2017 10h28

A revista "Piauí" publicou nesta semana em seu site uma interessante reportagem sobre a "debandada dos correspondentes estrangeiros do Brasil", indicando que o país se tornou menos atraente para o resto do mundo nos últimos meses por conta da série de crises e do fim dos Jogos Olímpicos, e assim passou a ter menos jornalistas de outros países em suas cidades.

É verdade que há um aparente movimento de encolhimento do espaço destinado ao Brasil no resto do mundo, mas ainda faltam dados e estudos que comprovem a tese, e soa errado interpretar o encolhimento da cobertura como "desinteresse" internacional no país, como diz o título da reportagem: "Não interessa mais". A interpretar pela intensa cobertura que a imprensa estrangeira faz das reformas propostas por Temer, da crise política, da possível retomada econômica, das investigações da Lava Jato e de episódios como a Operação Carne Fraca, o interesse em temas relacionados ao Brasil continua existindo, sim, e não é pouco.

O ponto central da discussão é entender que 2016 foi um ponto muito fora da curva na cobertura internacional sobre o Brasil. Com Jogos Olímpicos, epidemia de zika, microcefalia, desastre em Mariana e o impeachment de Dilma Rousseff, o país esteve nos holofotes do resto do mundo como nunca antes –daí que seja natural perceber uma redução na atenção após algum tempo.

Segundo o I See Brazil, principal estudo a contabilizar o volume e o tom da cobertura da imprensa internacional sobre o Brasil, o volume de reportagens sobre o país no resto do mundo subiu 75,68% em 2016, passando de 1.908 menções ao país em 2015 para 3.352 textos no ano passado (considerando uma amostra dos principais veículos impressos do planeta). Partir desse volume imenso de cobertura em 2016 para interpretar o interesse internacional seria, portanto, um erro.

É natural que este índice indique uma volta do país a índices semelhantes aos de 2015, ou até menores, visto que antes havia ainda uma onda de interesse externo inciada em 2014, com a Copa do Mundo. O movimento de correspondentes estrangeiros e "debandada" de muitos deles é normal em um cenário assim, e é claramente perceptível no Rio de Janeiro, cidade que centralizou a atenção naquele ano, como diz a "Piauí". Considerando que muitos desses correspondentes internacionais se conheciam e conviviam durante o tempo morando na mesma cidade, a percepção de que havia uma debandada era clara entre muitos deles, daí o relato anedotário sobre este êxodo e a redução percebida pela Associação dos Correspondentes da Imprensa Estrangeira no Brasil.

Além disso, o êxodo retratado pela revista tem uma série de casos que talvez não possam ser entendidos como "debandada". A reportagem começa falando do "New York Times", que está simplesmente mudando de correspondente. Fala também do fechamento da BBC o Rio, sem indicar que a mesma BBC está com sete vagas abertas em São Paulo, além de outras quatro abertas no serviço brasileiro em Londres, em um movimento que indica a ampliação do interesse no Brasil.

Outra questão importante é tratar sobre como essa imprensa internacional cobre o Brasil. O país se tornou claramente mais visível no resto do mundo ao longo da última década, e com isso passou a atrair mais jornalistas estrangeiros. Durante este período, entretanto, muitos passaram a conhecer bem o país, a ter fontes entre políticos e no mercado, e voltaram para seus países de origem, mesmo que continuem cobrindo a situação do Brasil.

Em entrevista recente ao blog Brasilianismo, Brian Winter, editor-chefe da "Americas Quarterly" explicou que este era seu caso. Depois de morar muitos anos em São Paulo, ele voltou para os EUA, mas continua de olho no Brasil. "Ouço a CBN no metrô de Nova York", contou. É um caso parecido com o site da revista "Forbes", que publica reportagens regularmente sobre o Brasil sem ter um correspondente fixo no país. Aconteceu ainda com Alex Cuadros, que veio ao Brasil cobrir os bilionários do país pela Bloomberg, acabou deixando o país, mas escreve com certa regularidade sobre temas locais em vários veículos da mídia americana.

Talvez se possa questionar a qualidade dessa cobertura feita à distância (ainda que seja por profissionais extremamente competentes), mas é preciso entender que a saída de correspondentes não representa necessariamente nem mesmo o encolhimento da atenção dada ao país.

O mais importante da reportagem da "Piauí" não é o êxodo de correspondentes, mas a clara inversão da onda de euforia estrangeira sobre o Brasil. Desde 2014 que a cobertura internacional, ainda que grande, mudou de tom, e tem focado muito mais os problemas do país, em um clima evidente de depressão, comprovado por pesquisas e dados sobre a imagem do país.

A imagem do Brasil na mídia estrangeira alternou do seu ponto mais positivo ao mais negativo em apenas sete anos, segundo o I See Brazil, levantamento realizado desde 2009 pela agência de comunicação Imagem Corporativa (IC). Depois de atingir o patamar de 81,1% de notícias de teor positivo nos principais veículos da imprensa internacional no fim da década passada, em 2016 o Brasil apareceu com enfoque negativo em 85,5% nas reportagens estrangeiras que citam o país.

Este noticiário negativo derrubou o Brasil no principal ranking internacional que mede a imagem das nações no mundo. O Brasil aparece em 23º lugar na edição mais recente, de 2016, do Anholt-GfK Nation Brands Index (NBI), a sua pior classificação na história do índice.

Aí está também o ponto central da edição atualizada e digital do livro "Brazil, um País do Presente", publicada em 2015.

"A imagem internacional do Brasil mudou de forma surpreendentemente rápida e radical ao longo da última década. Em 2010, a palavra 'euforia' era a que melhor representava a forma como o mundo via o país em seu momento 'bola da vez'. Hoje, tudo mudou, e a desconfiança tomou conta das interpretações estrangeiras sobre o país. Depois da euforia, veio a depressão", dizia.

Além de um novo capítulo e de um posfácio sobre euforia e depressão, esta nova edição digital trazia ainda um novo prefácio, escrito pelo diretor do Brazil Institute do King's College London, Anthony Pereira. No texto, o pesquisador argumenta que apesar da oscilação entre cobertura positiva e negativa, "o mundo está cada vez mais interessado no Brasil, e o Estado brasileiro está mais presente em assuntos internacionais do que jamais esteve antes".

Para este blog Brasilianismo, que acompanha regularmente há mais de dois anos toda a cobertura da imprensa estrangeira sobre o país, a questão mais relevante é entender que existe esta oscilação da imagem, mas que a ascensão da imagem do Brasil no resto do mundo na década passada consolidou-o como um "país presente".

No pósfacio, a edição atualizada do livro argumentava:

"Dizem que escritores costumam ter depressão pós-parto, e ficam se lamentando não poder fazer mudanças no texto de sua obra já publicada. Assim que este "Brazil, um País do Presente" foi lançado, em 2013, pensei que talvez fizesse mais sentido tê-lo dado o título de 'Brazil, um País Presente'. Além do jogo de palavras com o 'país do futuro' vaticinado por Stefan Zweig, umas das ideias centrais que defendia era de que o Brasil e sua imagem haviam se tornado figuras presentes definitivamente no cenário internacional. No século XXI, o país passava a ser mais reconhecido como relevante, e não era mais ignorado pelo resto do mundo – fale bem ou mal, mas o mundo todo fala mais sobre o Brasil.

Esta questão da presença do Brasil vai além das ideias de euforia e depressão relacionadas à sua imagem. De fato, desde o começo do século XXI mais pessoas sabem mais sobre o Brasil no resto do mundo, e a incorporação do país ao imaginário global parece ser permanente. A imagem do Brasil é a de um país presente, mesmo que a impressão causada seja mais positiva em alguns momentos e mais negativa em outros."

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Sobre o Autor

Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.

Sobre o Blog

O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.

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