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Esquerda deve aceitar derrota política no impeachment, diz Sean Burges

Daniel Buarque

08/02/2017 07h17

Esquerda do Brasil deve aceitar derrota na luta política, diz Sean Burges

Esquerda do Brasil deve aceitar derrota na luta política, diz Sean Burges

O pesquisador canadense Sean Burges, vice-diretor do Centro de Estudos Latino-Americanos da universidade Australian National, acha "fantasiosa" a ideia de que houve influência internacional no processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

"O impeachment foi moralmente errado, mas legalmente correto. Trata-se sempre um processo político. A esquerda perdeu a batalha política, e precisa aceitar isso", disse, em entrevista ao blog Brasilianismo.

Burges é pesquisador sênior do Council on Hemispheric Affairs, think tank tradicionalmente voltado a defender temas da esquerda política no hemisfério. Ainda assim, segundo ele, a ideia de que a CIA planejou um golpe no Brasil não faz sentido.

Em livro, pesquisador descreve 'jeito brasileiro' de fazer diplomacia

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O pesquisador acaba de lançar o livro "Brazil in the World: The International Relations of a South American Giant" ("Brasil no Mundo: As Relações Internacionais de um Gigante Sul-Americano), editado em inglês pela Manchester University Press, em que aborda o "jeito brasileiro" de fazer diplomacia.

Esta é a segunda parte da entrevista do Blog Brasilianismo com Burges, em que ele fala sobre o impeachment de Dilma e o que mudou (ou não mudou) na diplomacia brasileira após a troca de governo. Clique aqui para ler a primeira parte da entrevista, em que ele trata sas relações entre o Brasil e os EUA após o impeachment de Dilma e a eleição de Donald Trump

Brasilianismo – Mais cedo nesta entrevista, você mencionou que os EUA se interessam pelo petróleo da Venezuela. Há setores da esquerda brasileira que acusam os EUA de terem influenciado no impeachment de Dilma a fim de ter acesso ao petróleo do pré-sal. Independentemente desta acusação, o fato de o Brasil ter reservas de petróleo no pré-sal é algo que pode atrair a atenção de Trump para o Brasil?

Sean Burges – A ideia de influência internacional no impeachment é uma fantasia. O Brasil tem um sistema legal em funcionamento. O impeachment foi moralmente errado, mas legalmente correto. Trata-se sempre um processo político. A esquerda perdeu a batalha política, e precisa aceitar isso.

Não é segredo que os EUA e outros países têm interesse em uma política mais liberal do Brasil em relação ao pré-sal, mas os EUA não vão pressionar mais do que a Austrália ou qualquer outro país que também tenha interesses. Com Dilma no poder, já havia espaço para negociação, para investir.

A ideia de que a CIA está planejando um golpe no Brasil não faz sentido. Vocês não precisam de atores estrangeiros para levar adiante este tipo de mudança política no país.

Brasilianismo – José Serra assumiu o Ministério das Relações Exteriores dizendo que ia fazer política externa 'sem partidarismo' e prometendo focar em comércio exterior. Acha que a agenda de política internacional do Brasil mudou após o impeachment?

Sean Burges – Acho que não. Serra propôs dez pontos de mudança, mas ali não há mudanças reais. Ele fala em rever muitas coisas, mas isso não significa mudar nada na prática. Ele fala em tirar a ideologia, mas o Brasil não tem muita opção. Dizer que Lula e Dilma criaram uma diplomacia ideológica é ignorar o que há de mais importante. Por mais que pareça que Lula estava agindo para ajudar Evo Morales e Hugo Chávez, o Brasil agiu de forma calma para defender seus interesses. Quando se fala da desapropriação da petrobras na Bolívia, por exemplo, houve muito barulho, mas na prática quase nada mudou para o Brasil. Lula e Dilma tinham uma abordagem regional agressiva nos bastidores.

A mudança no discurso reflete uma realidade com a qual Serra e Temer vão ter que lidar. Lula lidava diretamente com líderes internacionais, como Chávez, para garantir a defesa dos interesses do Brasil, e pagamento para empresas brasileiras atuando nesses países. Temer e Serra não vão ter este tipo de acesso. Então não faria sentido fingir que há interesses ideológicos sobre a mesa, já que líderes como Morales e Correa não vão ter interesse em manter as aparências. Os dois vão ser hostis no discurso, mas pragmáticos nas negociações. Se o governo do Brasil não vai conseguir manter a mesma relação, não adianta tentar continuar, por isso este discurso de tirar a ideologia. Na prática, nada muda, mas a apresentação é diferente.

Brasilianismo – O governo Dilma foi muito criticado por ter encolhido a presença internacional do Brasil. Acha que isso aconteceu de fato?

Sean Burges – Sim, é verdade. O investimento pessoal do presidente tem relevância nas relações internacionais do país. Dilma tinha uma grande preocupação com a mudança econômica e social no país, mas se preocupava apenas com questões que tinham relação com isso. O Itamaraty falhou em explicar para ela como as relações internacionais podiam se relacionar com o que ela se interessava. Lula trabalhou de forma tremenda por oito anos para construir acesso e ganhar presença na África, que vai ser um grande mercado emergente, com grandes possibilidades para o Brasil. E dilma cortou essa relação, tirando dinheiro das embaixadas. Ela perdeu as conexões e isso cria um problema fundamental, que pode afetar a recuperação econômica do Brasil, pois o país precisa exportar, e a África poderia ser uma saída.

Brasilianismo – Como acha que o MRE vai agir sob Temer até 2018?

Sean Burges – Passei dez dias no Itamaraty em novembro do ano passado. As pessoas pareciam mais felizes do que nos últimos anos. Elas acham que o atual ministro tem uma voz política. Serra quer ser presidente, o que significa que vai mobilizar o Itamaraty para valorizar seu capital político.

O problema de temer é que ele tem muitos problemas internos, e precisa lutar pela sobrevivência política. Isso requer muita energia. A política doméstica roupa atenção da política externa no Brasil atual.

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Sobre o Autor

Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.

Sobre o Blog

O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.

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