Paixão e desilusão marcam relação de jornalistas 'gringos' com o Brasil
Todo jornalista gringo que viaja ao Brasil chega apaixonado. A exuberância e exoticismo do país encantam o estrangeiro ao chegar. Mas logo as coisas começam a mudar, e o imigrante começa a perceber os enormes problemas do cotidiano brasileiro, que se escondem por trás do encantamento inicial. Daí vem um forte estado de desilusão e melancolia.
Este é o "Brazilian Blues", sentimento tradicional entre os estrangeiros descrito no livro "Palavra de Gringo – Um olhar Estrangeiro sobre o Brasil" (Ed. Língua Geral), que reúne uma dezena de crônicas desses correspondentes internacionais no país.
"O Brasil é um lugar de emoção. É muito fácil alguém chegar e se apaixonar completamente pela exuberância, pelo exoticismo, pelas pessoas e pelo estilo de vida. Mas, passado algum tempo, a imersão do dia-a-dia faz perceber que, por trás da imagem idealizada, da paixão inicial, os problemas do país começam a desbotar a foto inicial. Isso gera uma certa tristeza e desilusão. Os jornalistas estrangeiros passam por essa fase", explicou Hugo Gonçalves, jornalista, escritor, documentarista e editor português, autor do projeto do livro.
Depois de trabalhar como jornalista em Nova, York, Madrid e Londres, Gonçalves viveu por quatro anos no Rio, onde continuou atuando como correspondente, além de escrever crônicas sobre a vida na cidade brasileira mais famosa do mundo. Desse contato de "gringo", percebeu que tinha um olhar diferente sobre o país, e que reunir visões assim poderia ajudar a retratar uma imagem diferente do Brasil, explicou, em entrevista ao Blog Brasilianismo.
"Sempre me interessei muito pelo funcionamento das cidades. Escrevia sobre o Rio, mas apesar de tentar ser imparcial, sempre era a visão de um português. Achei que seria interessante reunir as visões de estrangeiros de várias nacionalidades, da Argentina à Suécia, falando sobre diferentes temas. Isso tudo em um momento decisivo da história do Brasil, quando a narrativa de sucesso dos últimos anos começou a entrar em colapso. Seria interessante fazer essa reflexão a partir de cabeças tão diferentes", disse.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista
Brasilianismo – Apesar de reunir olhares de origens diferentes, o livro dá a impressão de uma visão uniforme do país. Por que isso acontece?
Hugo Gonçalves – Há uma coisa comum, pois todos chegaram ao país apaixonados pelo Brasil. Eles foram ao país porque quiseram, escreveram intensamente sobre diversos assuntos, e buscam ter uma visão aprofundada sobre as complexidades do Brasil.
Há também a presença do "Brazilian blues". O Brasil é um lugar de emoção. É muito fácil alguém chegar e se apaixonar completamente pela exuberancia, pelo exoticismo, pelas pessoas e pelo estilo de vida. Mas passado algum tempo, a imersão do dia a dia faz perceber que por trás da imagem idealizada, da paixão inicial, os problemas do país começam a desbotar a foto inicial. Isso gera uma certa tristeza e desilusão. Os jornalistas estrangeiros passam por essa fase.
Brasilianismo – Como os brasileiros lidam com este olhar estrangeiro? Críticas são aceitas, ou geram reação?
Gonçalves – Sempre fui recebido com carinho no Brasil. Claro que um par de vezes houve pessoas desagradáveis, que não aceitam o olhar crítico de estrangeiros, mas há gente idiota em todos os lugares, não é um problema só do Brasil.
As pessoas com quem convivia com maior frequência eram igualmente críticas e sabiam que uma observação minha não existia por eu ser português, mas por haver coisas que estavam mal. Minha capacidade crítica não tem a ver com o lugar de onde venho.
Sempre me senti muito livre para fazer minhas críticas. Quando fazia críticas, não era por ser mesquinho ou ter algo contra o Brasil. Pelo contrário, é porque me preocupo e não seria honesto comigo mesmo se fosse fazer o que "O Globo" faz, que é ficar parecendo uma agência de viagens do Rio e fingir que está tudo bem. Precisamos ser críticos, mesmo que aceitemos que as coisas estão melhores de que 30 anos atrás. É preciso pensar no futuro, não apenas olhar para o passado. Eu gosto do Rio e acho que tinha que trabalhar em função daquela cidade.
Minha posição sempre foi honesta, nunca com complexo de superioridade que outros gringos têm. Sempre tentei entender a razão das coisas no Brasil, em vez de criticar sem conhecer. Sempre tive a preocupação de ser justo.
Brasilianismo – O estrangeiro tem uma objetividade diferente da dos brasileiros?
Gonçalves – Não acho que seja mais objetivo, e jornalistas brasileiros fazem um trabalho incrível, mas o fato de vir de outro lugar me ajuda a olhar para as coisas de outra forma, com uma certa distância. Além disso, não estou tão contaminado pela vida do dia-a-dia.
Morando no Rio, às vezes eu chegava no trabalho e reclamava de algo que achava grave, e as pessoas que trabalhavam comigo às vezes não tinham o mesmo tipo de revolta, porque estavam acostumados a ver que sempre era assim.
A forma como funcionam os ônibus no Rio, por exemplo, não é normal. Controlado por máfias, sendo dirigidos de forma assassina, além de histórias de ônibus queimados, isso não é normal. Só com a distância conseguimos ver o quanto isso é inadmissível. Enquanto quando se faz parte dessa engrenagem, não temos energia para nos indignarmos mais com isso que é tão comum.
Brasilianismo – O livro começa com a admissão de que o correspondente estrangeiro não cobre o Brasil, cobre o apenas o Rio e um pouco de São Paulo e Brasília. Que outros aspectos do Brasil aparecem no resto do mundo?
Gonçalves – O ciclo noticioso realmente está restrito ao carnaval, ao futebol, um ou outro evento de grandes proporções e histórias de violência. Nos últimos anos o interesse pelo Brasil cresceu muito e há mais correspondentes, que muitas vezes lutam contra seus editores para levar outros tipos de notícias e histórias, conseguindo mostrar mais do resto do país.
No geral, o estereótipo ainda é forte, mas essa mudança se faz passo a passo, e o fato de haver mais jornalistas no Brasil e de o país despertar mais interesse no resto do mundo é o caminho para que mais pessoas saibam que o Brasil não é apenas a imagem da mulata e do cartão postal de Copacabana.
Os editores estrangeiros têm muita culpa em reforçar os estereótipos, mas os correspondentes têm trabalhado para mudar isso.
Brasilianismo – Qual a relevância do trabalho do correspondente estrangeiro no Brasil para a imagem internacional do país?
Gonçalves – O trabalho do correspondente é essencial. Ele ajuda a quebrar um pouco os estereótipos, que ainda são fortes, mas em alguns pontos já começam a mudar. O correspondente ajuda a passar uma imagem mais real do país.
Além disso, ele tem influência no próprio Brasil. Para o bem e para o mal, esse trabalho é importante para denunciar algumas coisas que só são resolvidas com pressão internacional. Um exemplo disso é o trabalho que Jenny Barchfield está fazendo sobre a poluição das águas do Rio na Associated Press. Isso tem causado alguma pressão para tentar resolver esse problema antes da Olimpíada.
O trabalho dos correspondentes estrangeiros reunido no livro, por exemplo, também ajuda as pessoas, mesmo no Brasil, a olharem para o país de uma forma nova. Isso é muito interessante.
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