Sem poder real, Brasil tem atuação de ‘zelador’ no mundo multipolar
No debate entre os que dizem que o Brasil perdeu relevância internacional nos últimos anos, por conta da crise, e os que argumentam que o país nunca interrompeu a construção da sua influência global, talvez os dois estejam certos.
Em um mundo cada vez mais multipolar, o Brasil está presente e tem voz nas relações internacionais, apesar de não ter força suficiente para tomar decisão prática. É como se o país fosse um "zelador" na ONU, um ator presente, importante e influente, mas sem poder real.
Este debate tem sido frequente entre a academia e a diplomacia. Foi o ponto mais importante de um painel organizado pelo Instituto Brasil do King's College de Londres para discutir a ascensão, ou declínio, do país no cenário global. No meio da controvérsia e de argumentos de discordância, entretanto, o que se desenhava era um Brasil com relevância internacional, ainda que limitada à falta de força.
De um lado, o embaixador brasileiro Antonio Patriota, ex-ministro das Relações Exteriores do governo Dilma Rousseff, defendia a importância do Brasil no mundo. "O Brasil é um país influente", argumentou.
Do outro, o pesquisador Andrès Malamud, da Universidade de Lisboa, autor de um artigo em que aponta a retração do Brasil na política internacional. "Falo em declínio, não em ascensão do Brasil", disse.
Para o primeiro, o mundo está deixando de viver sob a influência de uma única potência global (os EUA), e uma nova realidade multipolar abre espaço para uma atuação ainda maior do Brasil. Assim, o fato de o Brasil estar presente no mundo, com embaixadas em mais de 140 países, e de participar dos principais fóruns internacionais de forma ativa, mostra que o país tem importância. Segundo ele, a relevância do Brasil no mundo já foi reconhecida pela ex-secretária de Estado americana Condoleezza Rice e pelo ex-presidente Barack Obama, além da própria ONU.
Na visão do segundo, nada disso comprova relevância real, e os argumentos não provam que o Brasil de fato tenha poder. "Só há três formas de fazer alguém agir da forma que se quer: o porrete, a cenoura ou a persuasão. Poder militar, poder econômico ou soft power", e o Brasil de hoje não tem nenhum dos três, argumentou. Para ele, o soft power já foi importante para o Brasil sob Fernando Henrique Cardoso e Lula, mas agora o país não tem mais a presença e a capacidade de convencimento que tinha no passado, então o país perdeu relevância global.
No fundo, apesar do tom de contradição, os dois parecem estar certos.
O Brasil de fato tem influência no cenário da diplomacia global em um mundo cada vez menos preso à unipolaridade americana. Participa de eventos, fóruns e debates multilaterais, e tem até mesmo atuação em missões de paz, como a Minustah, recém-encerrada no Haiti. É um dos países mais lembrados do mundo e tem uma boa reputação entre elites das relações internacionais. Mas, de fato, isso não significa que o Brasil tenha poder real.
É como se o país fosse o "zelador" dessa nova ordem multipolar do mundo.
Como o zelador de um prédio, ele está sempre presente, conhece e é reconhecido por todos os moradores, é importante para a organização dos eventos, é procurado para ajudar a resolver impasses, é fundamental para o funcionamento e a manutenção do prédio. Mas, como um zelador, ele pode até influenciar, mas não tem poder de decisão.
Com uma equipe extremamente profissional no Itamaraty, o Brasil está bem representado em todo o mundo. Organizou e sediou eventos importantes, como a Rio+20. É importante signatário da Campanha Internacional para a Abolição das Armas Nucleares, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz. Mas, na hora das grandes decisões, o país continua fora do Conselho de Segurança da ONU, instância mais alta dos poderes globais.
E já que o ponto central do debate é influência. Se o Brasil não tem poder militar ou econômico, depende muito do seu poder de persuasão, o soft power. Aqui, mais uma vez, a alegoria do zelador pode funcionar.
Sem poder de decisão, a influência de um zelador de prédio depende do seu "soft power", sua capacidade de negociar interesses, ser diplomata e persuadir os verdadeiros donos do poder a seguir o caminho que acha preferencial.
Se as chances de conquistar poder militar ou econômico no curto prazo não são tão grandes, o Brasil precisa ampliar ou ao menos manter o seu "poder suave", ou "poder brando". Pode não ser tão importante quanto a força real para que o Brasil alcance seu objetivo de ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, mas ao menos vai tornar o trabalho de "zelador" mais eficiente.
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