Topo

Blog do Brasilianismo

Sem poder real, Brasil tem atuação de ‘zelador’ no mundo multipolar

Daniel Buarque

12/10/2017 05h51

Michel Temer discursa na ONU

No debate entre os que dizem que o Brasil perdeu relevância internacional nos últimos anos, por conta da crise, e os que argumentam que o país nunca interrompeu a construção da sua influência global, talvez os dois estejam certos.

Em um mundo cada vez mais multipolar, o Brasil está presente e tem voz nas relações internacionais, apesar de não ter força suficiente para tomar decisão prática. É como se o país fosse um "zelador" na ONU, um ator presente, importante e influente, mas sem poder real.

Este debate tem sido frequente entre a academia e a diplomacia. Foi o ponto mais importante de um painel organizado pelo Instituto Brasil do King's College de Londres para discutir a ascensão, ou declínio, do país no cenário global. No meio da controvérsia e de argumentos de discordância, entretanto, o que se desenhava era um Brasil com relevância internacional, ainda que limitada à falta de força.

De um lado, o embaixador brasileiro Antonio Patriota, ex-ministro das Relações Exteriores do governo Dilma Rousseff, defendia a importância do Brasil no mundo. "O Brasil é um país influente", argumentou.

Do outro, o pesquisador Andrès Malamud, da Universidade de Lisboa, autor de um artigo em que aponta a retração do Brasil na política internacional. "Falo em declínio, não em ascensão do Brasil", disse.

Para o primeiro, o mundo está deixando de viver sob a influência de uma única potência global (os EUA), e uma nova realidade multipolar abre espaço para uma atuação ainda maior do Brasil. Assim, o fato de o Brasil estar presente no mundo, com embaixadas em mais de 140 países, e de participar dos principais fóruns internacionais de forma ativa, mostra que o país tem importância. Segundo ele, a relevância do Brasil no mundo já foi reconhecida pela ex-secretária de Estado americana Condoleezza Rice e pelo ex-presidente Barack Obama, além da própria ONU.

Na visão do segundo, nada disso comprova relevância real, e os argumentos não provam que o Brasil de fato tenha poder. "Só há três formas de fazer alguém agir da forma que se quer: o porrete, a cenoura ou a persuasão. Poder militar, poder econômico ou soft power", e o Brasil de hoje não tem nenhum dos três, argumentou. Para ele, o soft power já foi importante para o Brasil sob Fernando Henrique Cardoso e Lula, mas agora o país não tem mais a presença e a capacidade de convencimento que tinha no passado, então o país perdeu relevância global.

Painel sobre a influência global do Brasil, organizado pelo Brazil Institute do King's College de Londres

No fundo, apesar do tom de contradição, os dois parecem estar certos.

O Brasil de fato tem influência no cenário da diplomacia global em um mundo cada vez menos preso à unipolaridade americana. Participa de eventos, fóruns e debates multilaterais, e tem até mesmo atuação em missões de paz, como a Minustah, recém-encerrada no Haiti. É um dos países mais lembrados do mundo e tem uma boa reputação entre elites das relações internacionais. Mas, de fato, isso não significa que o Brasil tenha poder real.

É como se o país fosse o "zelador" dessa nova ordem multipolar do mundo.

Como o zelador de um prédio, ele está sempre presente, conhece e é reconhecido por todos os moradores, é importante para a organização dos eventos, é procurado para ajudar a resolver impasses, é fundamental para o funcionamento e a manutenção do prédio. Mas, como um zelador, ele pode até influenciar, mas não tem poder de decisão.

Com uma equipe extremamente profissional no Itamaraty, o Brasil está bem representado em todo o mundo. Organizou e sediou eventos importantes, como a Rio+20. É importante signatário da Campanha Internacional para a Abolição das Armas Nucleares, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz. Mas, na hora das grandes decisões, o país continua fora do Conselho de Segurança da ONU, instância mais alta dos poderes globais.

E já que o ponto central do debate é influência. Se o Brasil não tem poder militar ou econômico, depende muito do seu poder de persuasão, o soft power. Aqui, mais uma vez, a alegoria do zelador pode funcionar.

Sem poder de decisão, a influência de um zelador de prédio depende do seu "soft power", sua capacidade de negociar interesses, ser diplomata e persuadir os verdadeiros donos do poder a seguir o caminho que acha preferencial.

Se as chances de conquistar poder militar ou econômico no curto prazo não são tão grandes, o Brasil precisa ampliar ou ao menos manter o seu "poder suave", ou "poder brando". Pode não ser tão importante quanto a força real para que o Brasil alcance seu objetivo de ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, mas ao menos vai tornar o trabalho de "zelador" mais eficiente.

Siga o blog Brasilianismo no Facebook para acompanhar as notícias sobre a imagem internacional do Brasil

Sobre o Autor

Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.

Sobre o Blog

O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.

Blog Brasilianismo