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Reforma da CLT cria insegurança sem garantir mais empregos, diz acadêmica

Daniel Buarque

22/07/2017 09h09

A forte oposição e os protestos contra a reforma trabalhista aprovada pelo governo de Michel Temer surpreenderam observadores internacionais menos familiarizados com o contexto brasileiro. Apesar de haver motivo para ceticismo quanto à flexibilização aprovada na mudança da lei, para a pesquisadora Marieke Riethof, da Universidade de Liverpool, a atual polarização política no país e a interpretação de que o presidente não tem legitimidade fortaleceram esta reação negativa.

"Idealmente, todos os trabalhadores devem receber uma melhor proteção, mas a realidade é que a maioria dos países está se movendo para contratos de trabalho flexíveis", disse Riethof, em entrevista ao blog Brasilianismo.

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A pesquisadora Marieke Riethof, da Universidade de Liverpool

Doutora em ciência política e relações internacionais pela Universidade de Amsterdam, Riethof fez sua pesquisa acadêmica sobre as estratégias dos movimentos trabalhistas no Brasil em um contexto regional, bem como a trajetória histórica desses movimentos.

Segundo ela, reforma trabalhista do Brasil flexibiliza os direitos e aumenta a insegurança dos empregados sem haver nenhuma garantia de que aumentará o número de empregos.

Em sua avaliação, as tendências recentes mostram que o crescimento econômico tem mais relação com a redução do desemprego do que as leis trabalhistas

Na entrevista, ela explica que apesar de haver esta tendência internacional rumo à flexibilização, combinar reformas com uma deterioração dos direitos trabalhistas significa que os eventuais efeitos positivos podem ser cancelados pelos efeitos negativos.

Brasilianismo – A reforma trabalhista brasileira foi aprovada enquanto as antigas leis trabalhistas eram criticadas pelo governo como sendo desatualizadas e superprotetoras. Enquanto isso, defensores da reforma argumentam que mudar a CLT ajudará a combater o desemprego. O que você acha disso? As reformas eram realmente necessárias?

Marieke Riethof – O nível de proteção para os trabalhadores brasileiros no setor formal era tradicionalmente alto, com proteções que tornavam mais difícil a demissão de pessoas. Ao mesmo tempo, também é sabido que muitos brasileiros que trabalham fora do setor formal não se beneficiaram dessa proteção ou representação sindical. Idealmente, as reformas trabalhistas ampliariam esses direitos trabalhistas e a representação sindical a esses grupos, mas o objetivo do governo atual é claramente tornar a regulamentação do trabalho mais flexível da perspectiva dos empregadores, para que eles possam lidar com a crise econômica.

As atuais reformas flexibilizam os direitos trabalhistas, facilitando a terceirização e aumentando o limite de horas trabalhadas, entre outras medidas. A desvantagem é, naturalmente, que a flexibilidade para os empregadores significa que a insegurança no emprego aumenta no contexto de uma profunda e prolongada recessão.

As tendências recentes no mercado de trabalho brasileiro desde o início dos anos 2000 mostram que os altos níveis de crescimento econômico entre meados e finais dos anos 2000 desempenharam um papel muito importante no aumento do emprego. Por mais que as reformas trabalhistas possam facilitar aos empregadores a demitir e ajustar a força de trabalho, não é certo se essas medidas aumentarão o número de empregos disponíveis para os brasileiros.

Brasilianismo – A oposição ao governo, por outro lado, está lutando contra a reforma e argumentou que ela tira direitos dos trabalhadores. Você acha que esta reforma pode ser favorável aos empregadores? Os trabalhadores têm algo a ganhar com isso?

Marieke Riethof – Os sindicatos têm razão em ser muito céticos sobre essas reformas e, para entender sua abordagem atual, é importante avaliar as atitudes sindicais em relação ao CLT no passado. Devido à recessão econômica na década de 1990 e consequentes perdas de empregos, os sindicatos estavam na defensiva, o que enfraqueceu sua capacidade de desafiar essas mudanças.

Na minha pesquisa sobre as estratégias políticas dos sindicatos no Brasil, descobri que os sindicatos foram fortemente divididos desde o final da década de 1970 sobre a necessidade de reformar as leis sindicais, particularmente sobre a contribuição sindical, a adesão voluntária e a permissão para que vários sindicatos representem trabalhadores. Para os sindicatos que apoiam uma reforma das leis sindicais, a abolição do imposto sindical pode ser benéfica. Esta questão também foi fundamental para as propostas infrutíferas de reforma trabalhista sob o segundo governo de Lula, que eram igualmente questionadas. No entanto, combinar reformas sindicais com uma deterioração dos direitos trabalhistas significa que os eventuais efeitos positivos de tornar voluntária a associação são cancelados pelos efeitos negativos.

Há ecos das reformas trabalhistas dos anos 90 introduzidas na proposta de Michel Temer, que em grande medida aprofunda as reformas anteriores. Reformas significativas já aconteceram na década de 1990 sob Fernando Henrique Cardoso, cujas reformas tornaram flexíveis os contratos de trabalho, horários variáveis ​​e simplificação de formas de pagamento. A terceirização também se tornou prática mais fácil e comum em empresas que buscavam reduzir custos trabalhistas através de uma força de trabalho mais flexível. As reformas foram parcialmente baseadas em práticas que já estavam acontecendo em vários setores econômicos e empresas em que os sindicatos conseguiram negociar flexibilidade em troca de proteção ao trabalho. O contexto econômico das reformas trabalhistas deste ano é semelhante no sentido de que o Brasil está sofrendo uma profunda recessão, mas em termos políticos esse governo é muito mais fraco e os protestos dos movimentos sociais e dos sindicatos contra as reformas trabalhistas foram muito mais fortes nos últimos anos. Outra dimensão do debate é que esses manifestantes não consideram o governo legítimo, incluindo as reformas trabalhistas, sociais e ambientais atualmente em discussão.

Brasilianismo – Quando comparados a países como EUA e Reino Unido, as leis trabalhistas brasileiras realmente estão mais focadas em proteger os trabalhadores. A França, por outro lado, também tem muita proteção para os trabalhadores e também está discutindo reformas. Mudanças como essas são necessárias no mundo contemporâneo?

Marieke Riethof – Idealmente, todos os trabalhadores devem receber uma melhor proteção, mas a realidade é que a maioria dos países está se movendo para contratos de trabalho flexíveis. No Reino Unido, o debate centrou-se na chamada "economia gig" promovida por empresas como Uber. As pessoas que trabalham para a Uber são autônomas e não têm os mesmos benefícios que os funcionários, como a seguridade social, a licença por doença e a representação sindical. Em 2016, os motoristas da Uber na Inglaterra e no País de Gales ganharam na justiça e agora são considerados empregados, o que significa que eles se qualificam para o salário mínimo e outros benefícios. No entanto, com o mercado de trabalho com uma pressão severa, as pessoas provavelmente buscarão esses empregos para ganhar renda, mesmo que isso seja difícil de alcançar. Grande parte do debate depende, portanto, de saber se os trabalhadores independentes podem alcançar melhores direitos, mas também que os direitos dos funcionários não sejam prejudicados pela terceirização.

Brasilianismo – Qual a situação do Brasil neste debate de trabalho global?

Marieke Riethof – Esses debates têm fortes ecos no caso brasileiro, onde você pode ver divisões similares no mercado de trabalho e tentativas de criar empregos formais menos protegidos. Os protestos contra reformas trabalhistas são mais intensos no Brasil do que em outros lugares. No Reino Unido, por exemplo, não houve manifestações em massa e os protestos geralmente ocorrem em setores particulares. O que provavelmente é surpreendente para muitos observadores que não estão familiarizados com o contexto brasileiro é o quão forte é a oposição às propostas de reforma do trabalho. Minha impressão é que essa oposição não se concentrou apenas nas reformas trabalhistas, mas também no contexto político, que fortaleceu os protestos em relação aos anos 90 e 2000.

Brasilianismo – A Organização Internacional do Trabalho criticou a reforma argumentando que ela violava as convenções internacionais. A proposta é criticada por não dar voz aos movimentos sociais e trabalhistas.

Marieke Riethof – Os sindicatos brasileiros –e a CUT em particular– tiveram fortes conexões com a OIT desde a década de 1980. A natureza da OIT como uma organização que une sindicatos, governos e empregadores significa que promove a consulta de sindicatos em propostas de reforma. Apesar dos problemas encontrados nas reformas trabalhistas no âmbito do segundo governo Lula, o esforço generalizado de consulta foi considerado essencial para a criação de apoio e consenso sobre as reformas. Neste caso, o movimento social e a oposição trabalhista ao governo de Temer tornariam essa consulta quase impossível.

Brasilianismo – Os movimentos trabalhistas do Brasil perdem relevância política?

Marieke Riethof – Não há dúvida de que seu papel mudou consideravelmente desde o final da década de 1970 e 1980 até hoje. Particularmente sob os governos do PT, os sindicatos pareciam se esforçar para conciliar a influência que adquiriram com uma postura crítica em relação ao governo. Também podemos ver este problema no debate sobre as reformas trabalhistas, quando surgiram fortes divisões entre sindicatos, que não poderiam ser resolvidas. No entanto, apesar dessas questões, os sindicatos se tornaram mais proeminentes nos protestos e sua oposição ao governo de Temer e as reformas trabalhistas os uniram em grande parte. Nesse contexto, eles poderão recuperar algumas das suas forças econômicas e políticas anteriores, embora o contexto econômico seja muito desafiador.

Brasilianismo – Em um artigo de abril de 2016, você escreveu que o impeachment da Dilma Rousseff significaria entrar em anos de caos político no país. Um ano depois de ela deixar a Presidência, estamos vendo uma probabilidade crescente de que Michel Temer também possa ser derrubado. O debate sobre a reforma do trabalho também foi marcado pelo caos. Este é o novo normal para a política brasileira. Existe uma maneira para o país sair desse caos?

Marieke Riethof – Ao escrever esse artigo, eu ainda não estava plenamente consciente de como o escândalo de corrupção evoluiria e como isso paralisaria o processo político. Parece que Michel Temer está interessado em acelerar uma série de reformas polêmicas, mas também enfrenta uma diminuição do apoio no Congresso. Os partidos políticos e os principais candidatos presidenciais estão claramente olhado para a frente pensando em suas chances nas eleições de 2018 (e até mesmo nas eleições de 2022 e 2026) então eles possam estar relutantes em se associar a reformas altamente impopulares. Os protestos mostram altos níveis de polarização política e as pesquisas de opinião continuam a mostrar que os brasileiros rejeitam e desconfiam da maioria dos políticos. Este contexto político torna difícil imaginar que qualquer um dos candidatos tenha apoio popular suficiente, apoio do Congresso e, o mais importante, legitimidade para dirigir o país de forma efetiva e justa.

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Sobre o Autor

Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.

Sobre o Blog

O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.

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