Se CLT funcionasse, Brasil seria melhor país para trabalhar, diz americano
Tratada como prioridade pelo governo do presidente Michel Temer, a reforma trabalhista parte do princípio de que há necessidade de atualizar as leis definidas nos anos 1940 na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), pelo governo de Getúlio Vargas. O objetivo seria diminuir o "custo Brasil" criado por leis "ultrapassadas", que não se adaptaram à realidade atual.
Segundo um dos maiores especialistas estrangeiros em leis trabalhistas no Brasil, entretanto, este argumento é cheio de falhas. Para John D. French, professor da universidade Duke, na Carolina do Norte, e doutor pela universidade Yale, a legislação do trabalho do Brasil é avançada desde sua criação, mas nunca foi totalmente aplicada, o que fez com que ela tenha sido flexibilizada desde a origem da CLT. O argumento de que a CLT aumenta o "custo Brasil" é exagerado, avalia.
"Por conta da má aplicação das leis trabalhistas no Brasil, a CLT já foi essencialmente flexibilizada desde o começo, e não acredito que ela seja, em si, um obstáculo para o desenvolvimento econômico do Brasil", explicou French, em entrevista concedida ao autor do blog Brasilianismo em 2010, mencionada no livro "Brazil, um país do presente".
French é autor do livro "Drowning in Laws: Labor law and brazilian political culture" (Afogando-se em leis: Lei trabalhista e cultura política brasileira), versão lançada em 2004, em inglês e mais completa, do estudo "Afogado em Leis", lançado anteriormente no Brasil. O trabalho é um resumo de anos de estudos no ABC Paulista, acompanhando os movimentos trabalhistas da região e relacionando-o à história política e econômica do Brasil.
Para o pesquisador, a evidência do crescimento e estabilidade econômicos durante os oito anos de governos de FHC e Lula indica que as leis trabalhistas não são obstáculo para o desenvolvimento do Brasil.
"Mesmo sem uma mudança na essência da lei, nesse período a economia do Brasil se deu muito bem, com aumento do emprego formal, com progresso", disse. Nesse período, "o Brasil parou de tentar enfraquecer as leis trabalhistas para acomodar os interesses dos empregadores, e mesmo assim o investimento estrangeiro só faz crescer".
Em sua pesquisa, o professor americano se refere à legislação brasileira como uma das mais avançadas do mundo. Segundo ele, desde o princípio a legislação foi considerada avançada demais para o Brasil, e desde o começo ela foi mais teoria do que prática. "Se o universo do trabalho de fato operasse de acordo com a CLT, o Brasil seria o melhor lugar do mundo para se trabalhar. E mesmo se metade da CLT fosse posta em prática, o Brasil seria visto como um dos lugares mais decentes e razoavelmente humanos para os trabalhadores", diz.
Entretanto, "rapidamente ficou claro que a CLT, apesar do seu alcance inclusivo, era muito desequilibradamente aplicada na prática –ela era aplicada de forma diferente em áreas rurais e urbanas, em várias regiões e dentro de ocupações e setores nas áreas urbanas", avalia.
O grande problema das leis trabalhistas do Brasil é a diferença entre a teoria e a prática. Esta diferença, entretanto, pode ser uma das razões para a sobrevivência da CLT por mais de sete décadas.
"Se assumirmos, entretanto,que os arquitetos da lei não estavam agindo de boa fé, este vazio pode ser visto como a chave para a sobrevivência da CLT e a origem do seu sucesso contínuo. Se a CLT tivesse sido aplicada vigorosamente, conflitos profundos teriam se seguido entre a burocracia do governo e os poderosos interesses privados. Ao não aplicar a lei de forma consistente, porém, o governo e a Justiça ganharam ao menos a tolerância desses grupos ao agir em nome deles, mesmo que o sistema não tivesse sido estabelecido em sua defesa."
Segundo French, o Brasil tem este costume de criar leis avançadas que não são postas em prática.
"A elite letrada do Brasil tem historicamente criado um mundo alternativo nas leis que são colocadas no papel. Eles criam mundos imaginários de perfeição que os faz pensar que estão participando de uma tendência global, como se a realidade do Brasil e dos países da Europa fosse a mesma. Ao mesmo tempo, há o desejo de ter leis perfeitas, mais avançadas de que em qualquer país do mundo, mesmo que elas nem sempre funcionem na prática. O Brasil é uma sociedade cheia de leis, mas ao mesmo tempo uma sociedade sem leis", disse.
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