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Morre Thomas Skidmore, brasilianista 'midiático' que virou 'obrigatório'

Daniel Buarque

13/06/2016 19h24

Morre Thomas Skidmore, pesquisador brasilianista que virou 'obrigatório'

Morre Thomas Skidmore, pesquisador brasilianista que virou 'obrigatório'

O brasilianista Thomas Skidmore, um dos mais proeminentes historiadores estrangeiros a tratar do país, morreu no último sábado (11), nos Estados Unidos, aos 83 anos. A informação foi confirmada por seu amigo, e também brasilianista, James Green – e publicada nos principais veículos de comunicação do Brasil.

Sua obra tornou-se leitura obrigatória para qualquer pessoa que quisesse entender como os americanos viam o Brasil, segundo o professor Green.

De fato, Skidmore deve ter sido o primeiro grande brasilianista midiático no próprio Brasil. Ele se tornou por muito tempo até mesmo sinônimo de "brasilianista" na mídia brasileira, símbolo do observador externo que analisa o país, e que acaba aguçando a curiosidade dos brasileiros por saber o que os estrangeiros pensam do Brasil.

Uma evidência dessa importância dele para o Brasil tentar entender a si mesmo foi revelada por um outro pesquisador estrangeiro que estuda o país. Em conversa off the records com o autor deste blog Brasilianismo, em 2014, o historiador de Oxford comentava o grande interesse nacional pela opinião de estrangeiros.

"Eu pego um grande jornal brasileiro, e lá está a manchete: 'O Brasil está bem, ou está mal, diz Skidmore'. Por que diabos os brasileiros se importam tanto pelo que Skidmore e todos nós, estrangeiros, dizemos?", questionava, destacando a relevância do colega.

Isso se comprova também pelo fato de que o pesquisador foi citado pela "Folha" mais de 150 vezes somente nos últimos 20 anos – sem contar as vezes em que apareceu no "Globo" e no "Estadão".

Skidmore foi um dos mais destacados de uma geração de acadêmicos que foram incentivados pelas universidades americanas a estudar o Brasil nas décadas de 60 e 70, e deixou um rico legado intelectual dos seus estudos sobre a política, a sociedade e a cultura do Brasil.

O brasilianista foi professor emérito da Universidade Brown. Segundo a "Folha", Skidmore tinha o mal de Alzheimer. Ele estava afastado da vida pública desde 2009, quando começou a ter dificuldades para se locomover e passou a viver num asilo perto da casa de praia da família na cidade de Westerley, na costa leste dos EUA.

A morte de Skidmore foi a segunda grande perda recente para os estudos brasileiros no exterior. Em abril, morreu o brasilianista Werner Baer, importante economista que, equilibrado, analisava o Brasil sem cair em exageros simplistas.

Depois de terminar seu doutorado em Harvard, em 1960, Skidmore recebeu uma bolsa de estudos para realizar pesquisas no Brasil. Seu trabalho se transformou no livro "Politics in Brazil: 1930-1964, An Experiment in Democracy", publicado em 1967 e lançado no Brasil com o título "Brasil: de Getúlio a Castelo".

Em uma entrevista à "Folha", em 2012, Skidmore contou ter sido uma das primeiras pessoas a saber que o golpe militar de 1964 havia sido bem sucedido. Ainda na noite de 31 de março de 1964, o professor jantava com o então embaixador dos EUA, Lincoln Gordon, que foi um ativo participante da conspiração que levou à derrubada do presidente João Goulart. "Ele foi passar um telegrama para [o presidente dos EUA] Lyndon Johnson contando as novas e pedindo que o governo americano reconhecesse o novo regime", revelou Skidmore à Folha. "Ele disse que tinha ganhado."

Em depoimento sobre a morte do célebre brasilianista, o professor James Green, que assumiu a cátedra do professor Skidmore na Universidade Brown depois da sua aposentadoria, em 1999, ressaltou o quanto Skidmore foi importante para os estudos brasileiros no exterior.

"Skidmore virou o clássico brasilianista. Tinha um talento especial para comentar a situação política com ironia e humor. Suas opiniões sobre fatos contemporâneos sempre continham uma crítica velada ao regime militar", disse.

Segundo Green, ele representava uma geração de estudiosos dos Estados Unidos que descobriram a América Latina no período após a Revolução Cubana e dedicaram as suas vidas acadêmicas analisando e interpretando as complexidades do continente para um público norte-americano – a geração acabou apelidade de "filhos de Castro".

Apesar de ser criticado como observador externo da ditadura e por ter tido informações sobre o golpe militar de 1964, em 1970, juntou-se à campanha de denúncia da tortura e repressão no Brasil, apresentando uma resolução no 2º Congresso da Associação de Estudos Latino-Americanos, em Washington, criticando o apoio norte-americano aos generais no poder.

"Eu o visitava uma vez por mês para conversar sobre o seu país adotivo. Ele conseguiu acompanhar a política brasileira até a sua morte", disse Green.

"Amava o Brasil e tinha uma capacidade única de entender as complexidades políticas, sociais e culturais do país. Deixou um grande legado, que seus alunos e seguidores intelectuais vão continuar. Respeitava profundamente o Brasil e o seu povo, apesar de tudo."

Skidmore doou sua coleção de 6.000 livros sobre o Brasil à biblioteca universitária.

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Sobre o Autor

Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.

Sobre o Blog

O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.

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