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Blog do Brasilianismo

Equilibrado, Werner Baer analisava o Brasil sem cair em exageros simplistas

Daniel Buarque

02/04/2016 12h32

O professor Werner Baer (Ryan Fang/Universidade de Illinois)

O professor Werner Baer (Ryan Fang/Universidade de Illinois)

Duas entrevistas separadas por um intervalo de cinco anos deixam muito evidente por que o economista norte-americano Werner Baer, morto nesta semana, era um dos observadores mais equilibrados da situação brasileira. De forma objetiva e sóbria, ele conseguia escapar dos exageros de euforia e pânico que muitas vezes turvam a análise de especialistas que tentam entender o que acontece, em alta velocidade, no Brasil.

A primeira vez que falei com o economista foi em 2010, durante a pesquisa para o escrever o livro "Brazil, um país do presente", sobre a euforia internacional que havia em relação ao Brasil naquela época. Depois de conversar com mais de uma dezena de estudiosos que não escondiam a empolgação com o crescimento do país no cenário internacional, Baer foi o entrevistado menos empolgado com aquele momento do Brasil. Por conhecer bem o país e ter acompanhado a sua economia desde os anos 1960, ele alegava ter grande confiança no Brasil, mas dizia saber que a "onda de empolgação" com o país era passageira, já havia aparecido e ficado para trás em outras situações e desapareceria em breve.

Meia década mais tarde, em 2015, enquanto o Brasil afundava na recessão, Baer mais uma vez demonstrou que não embarcava nas análises pendulares e exageradas sobre o Brasil. Em uma entrevista para o "Valor Econômico", ele defendia que a crise havia trazido o Brasil de volta à realidade. Segundo ele, a realidade do país estava longe do otimismo eufórico que o mundo tinha em relação a sua economia na virada da década, mas também distante do pânico que tomou conta de investidores desde 2014. Em sua avaliação o atual momento de ajustes ajuda a recuperar a força que o país pode ter e traz o país de volta à realidade, sem otimismo ou pessimismo exagerados.

Baer era professor de economia da Universidade de Illinois e autor de uma das principais obras internacionais sobre a economia brasileira: "The Brazilian Economy", cobrindo todo o desenvolvimento econômico do páis desde períodos coloniais até o século XXI. Formado no Queens College e com mestrado e doutorado em Harvard, ele viveu no Rio de Janeiro e em Portugal, e recebeu título de doutor honoris causa de universidades como a Federal de Pernambuco e a do Ceará. Em 1995, ele recebeu a Medalha de Honra da Inconfidência, do Estados de Minas Gerais, e em 2000, a medalha Rio Branco, concedida pelo Ministério das Relações Exteriores.

Depois de ter começado sua carreira acadêmica pesquisando a Alemanha e Porto Rico, Baer se voltou para o Brasil no início dos anos 1960, discutindo relações entre inflação e crescimento econômico. Ele estudou ainda questões de nacionalismo brasileiro, desigualdades regionais e especialmente a industrialização do país.

A Universidade de Illinois, onde Baer ensinava, confirmou que o professor morreu nesta semana depois de ser afetado por uma doença "repentina e breve". Especialmente em um momento tão crítico quanto o vivido pelo país atualmente, com a pior recessão em décadas e um processo de impeachment que pode por em cheque a estabilidade da democracia, são necessárias análises aprofundadas e bem embasadas como as do brasilianista Baer. Trata-se de um dos mais importantes especialistas estrangeiros em economia brasileira, que fará falta na interpretação da profunda crise por que o país passa atualmente.

Leia abaixo alguns trechos de duas entrevistas de Werner Baer ao autor deste blog Brasilianismo em 2010 e em 2015.

Entrevista concedida em abril de 2010

Pergunta – As pessoas parecem empolgadas com a economia brasileira atualmente. Há motivos para esta animação?
Werner Baer – Parece que as pessoas descobriram o Brasil agora. Não há duvida do fato de que há resultados positivos obtidos por causa do governo Lula, que deu continuidade ao que Fernando Henrique Cardoso fez. Mas não acho que há motivos especiais para empolgação agora. No início do governo Lula, por exemplo, o crescimento econômico não foi tão grande, e depois o país cresceu com a entrada de investimentos estrangeiros e por causa dos investimentos internos em infraestrutura. Para quem conhece o Brasil, não há nada excepcional.

Não há duvida de que o Bolsa Família melhorou a vida das pessoas, mas é preciso lembrar que ela não é uma invenção de Lula. E não é certo dizer que todo avanço se dá por causa do Bolsa Família, pois isso vem do controle da inflação e da melhora do salário mínimo. Há coisas positivas, mas que vêm se desenvolvendo há bastante tempo.

Pergunta – Jim O'Neill, inventor do termo BRIC, diz que o país está deixando de ser o 'país do futuro' para ser o 'país do hoje'. O que o senhor acha?
Werner Baer – Ele esta querendo aparecer, falar que prestou atenção no país antes dos outros. É verdade que o Brasil melhorou bastante, mas é preciso entender que a entrada de dinheiro no Brasil se da pelo fato de que as taxas de juros são muito altas. Isso gera muita especulação, e faz com que o real se valorize. Isso prejudica a indústria brasileira. As commodities se desenvolveram, mas a industria brasileira esta sofrendo. O Brasil é uma boa aposta para investimento internacional.

Eu conheço o Brasil há muito tempo, e acho que há muita atenção ao pais agora. Eu tenho muita confiança no futuro do Brasil, mas há muito a ser feito ainda. Acho que o Brasil negligencou a educação, sem investir na qualidade do ensino. Acho que falta pesquisa e desenvolvimento, e o governo precisa trabalhar sobre isso.

Pergunta – Como o Brasil chegou a esta situação atual? O que mudou desde que o senhor começou a estudar a economia brasileira nos anos 1960?
Werner Baer – O interesse no Brasil flutua. Ele foi muito grande nos anos 1960, com a Aliança para o Progresso, que deixava as pessoas com medo do comunismo, e que foi o que gerou dinheiro para que os brasilianistas estudassem o Brasil. Esse interesse depois caiu. Nos anos recentes, o foco da atenção era o Oriente Médio, e agora há um novo interesse no Brasil. Mas as pessoas vão acabar se cansando disso. Nós, que estudamos o Brasil há tempo, continuaremos prestando atenção. Se fosse brasileiro, diria para não nos empolgarmos demais. Está sendo criada uma forte expectativa.

Pergunta – A reportagem especial da "The Economist" que dizia que o Brasil decolava argumentava que um dos maiores desafios para o crescimento do país eram as leis trabalhistas. O que acha disso?
Werner Baer – É um problema, mas não tão sério assim. A infraestrutura é um problema maior, pois há filas e filas de caminhões em época de colheitas. O país tem blecautes. As estradas fora de São Paulo são péssimas. Há muitas coisas que estão tentando fazer agora, o que é bom, como o trem rápido entre Rio e SP. As pessoas estão otimistas porque o país vai receber investimentos por conta da Copa e da Olimpíada. Os brasileiros provaram que podem fazer um bom trabalho, quando querem.

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Entrevista concedida em julho de 2015

Pergunta – Em 2010, enquanto o mundo vivia um momento de euforia com a imagem internacional do Brasil, o senhor se dizia cauteloso e sem nenhuma empolgação com a economia do país. Agora, o Brasil está em crise e a opinião estrangeira parece ter ficado em pânico. Há motivo para desespero agora?
Werner Baer – Não vejo nenhum motivo para pânico. Meu pessimismo de 2010, infelizmente, estava certo. Não esperava que a economia tivesse uma performance tão boa quanto o resto dos analistas pensavam. Tinha muitas dúvidas em relação à economia brasileira. Uma das minhas principais dúvidas era relacionada à baixa taxa de investimentos no Brasil. O caso do Brasil é notório por ter uma relação entre PIB e investimentos que flutuava entre 15% e 19%, e isso é extremamente baixo, especialmente quando comparado com os países asiáticos, onde as taxas são entre 35% e 40%. A questão era saber como o Brasil ia conseguir crescer de forma acelerada, acima de 7%, no longo prazo, sem aumentar os investimentos.

Outra questão era a fraca infraestrutura do país. O Brasil tinha muitos planos para a infraestrutura, mas eles não se realizavam. Os atrasos tremendos dos programas durante o segundo mandato de Lula faziam o Brasil ficar para trás. Agora o governo Dilma começou este novo processo de incentivo ao investimento em infraestrutura através de concessões. Isso faz sentido, mas demora a dar resultados. Talvez a falta de infraestrutura seja gradualmente resolvida por esta privatização de projetos nas concessões.

Um ponto positivo, que acho que rejeita qualquer motivo para o pânico, é a desvalorização do real. O real estava sobrevalorizado por muito tempo, e isso dificultou a competição do Brasil de forma efetiva nos mercados internacionais. A desvalorização não deveria gerar pânico, pelo contrário, é parte do desenvolvimento, e vai fazer com que o Brasil se torne mais competitivo.

Pergunta – O senhor parece mais otimista hoje de que em 2010. Estar em uma crise garante um futuro melhor para o Brasil?
Werner Baer – Sim. Em outras palavras, a crise trouxe o Brasil de volta à realidade. Isso faz sentido.

Faço um paralelo entre a situação atual e a primeira eleição de Lula, quando o mercado internacional também ficou em pânico e o real foi desvalorizado, mas aí Lula indicou Pallocci para a Fazenda, que foi uma influência relativamente conservadora, e de repente as coisas começaram a funcionar e o Brasil teve um crescimento substancial, ainda que não tenha sido espetacular. Se for politicamente possível manter o ajuste e fazer os sacrifícios por um ano ou dois, as coisas vão melhorar no país.

Pergunta – A revista "The Economist" e o "New York Times" falam na tentativa de reconquistar a credibilidade internacional. O senhor concorda que a imagem do Brasil oscila entre extremos de ortimismo e pessimismo? Atingimos o pico do pessimismo?
Werner Baer – Sim, isso faz sentido. As pessoas perdem a perspectiva. Acredito que este ano vai ser difícil, com crescimento negativo, enquanto os ajustes acontecem, mas, se o governo mantiver essas políticas, o crescimento vai voltar em um ano ou dois.

Acho que foi ruim para o Brasil em termos da sua balança de pagamentos depender por tantos anos das commodities. Claro que, por algum tempo as commodities empurraram a economia, mas depois a dependência criou problemas. Se houvesse um investimento sério de infraestrutura, uma politica fiscal mais realista e um câmbio mais realista, a combinação dessas questões deve funcionar em um ano ou um pouco mais.

Pergunta – Mas os investimentos em infraestrutura anunciados agora são voltados especialmente para a exportação de commodities. Isso é um problema?
Werner Baer – Não necessariamente. O Brasil não deve reverter a uma situação em que a maioria dos seus negocios internacionais dependem de commodities. Isso é voltar para o passado. É preciso ter uma mistura das exportações, e pela diversificação da estrutura industrial do país, o Brasil pode voltar a ser competitivo na exportação de bens manufaturados. Para isso, entretanto, é importante um aumento na produtividade. A produtividade industrial brasileira é muito baixa, mas um motivo para a baixa produtividade, em parte, é a falta de infraestrutura adequada. Outro ponto importante é a falta de investimento, há muito tempo, em recursos humanos. O sistema educacional, por exemplo, precisa melhorar.

Pergunta – Em 2010 havia euforia em relação ao Brasil, mas tudo mudou. Quando isso aconteceu?
Werner Baer – Esses ciclos são parte da história do Brasil, infelizmente. Vocês ou têm uma psicologia de "boom", de que o futuro chegou, ou uma mentalidade extremamente pessimista. Acho que o fim das boas taxas de crescimento combinada com os escândalos políticos e de corrupção colocou as pessoas em uma mentalidade mais realista.

Mas as pessoas não devem exagerar, e pensar que estamos no fundo do poço e tudo vai dar errado. O Brasil ainda tem muitos recursos e uma economia mais diversa de que o resto da América Latina, e tem tudo para ser bem sucedido, desde que siga políticas econômicas que façam sentido.

Pergunta – O senhor foi o único economista que entrevistei e que não se empolgava com a imagem do Brasil em 2010. Como sua posição era interpretada por outros economistas?
Werner Baer – Nunca fui criticado pelo meu posicionamento. Eu só olhei para a taxa de crescimento, que nunca foi tão alta assim, bem medíocre nos governos FHC e Lula. Em um ano houve uma taxa acima de 7%, e isso criou um oba-oba fora da realidade. Infelizmente eu estava certo. A taxa de crescimento do Brasil não é nada em comparação com os países asiáticos. O Brasil precisa ver o que eles fazem certo em investimentos de infraestrutura e educação. O Brasil precisa fazer muita coisa para melhorar, e espero que o país o faça.

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Sobre o Autor

Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.

Sobre o Blog

O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.

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