Bolívia vira vitrine para a falta de liderança do Brasil na América Latina
A crise política na Bolívia, com a renúncia do presidente Evo Morales sob pressão das Forças Armadas do país, pode se consolidar como a mais nova evidência da ausência de protagonismo do Brasil na América Latina.
A falta de ação do Brasil como um líder regional era sempre mencionada por especialistas em política externa quando se falava sobre a crise venezuelana e a falta de articulação do Brasil com os vizinhos. Com a ampliação da crise em vários países da região, e especialmente os problemas enfrentados pela Bolívia, o Brasil se destaca pelo papel que não está desempenhando.
Para diplomatas e acadêmicos, o Brasil tem uma relação historicamente complicada com a América Latina. O historiador britânico Leslie Bethell é famoso em círculos acadêmicos por seu questionamento a respeito de o Brasil ser realmente uma parte da região, de tão marginal que é seu papel na área.
Mesmo assim, observadores externos tradicionalmente esperavam que um papel forte dentro da região, ou até mesmo uma ação hegemônica, poderia ser interpretada como um degrau importante na consolidação do projeto brasileiro de se projetar mais fortemente no mundo. Considerando a ambição brasileira de ser uma grande potência, há uma forte defesa de que a América Latina deveria ser o ambiente para desenvolver um papel mais relevante para o país.
Leia também: Vontade de ser potência marca história das relações do Brasil com o mundo
É verdade que a avaliação não é unânime, e há acadêmicos que não veem a região como um passo necessário no caminho da construção de um papel global para o Brasil, e apontam estratégias alternativas para isso. O pesquisador Andrés Malamud, por exemplo, diz que mesmo quando o país conseguia se projetar, o Brasil seria "um líder sem seguidores" na região, dado o fato de que não havia um reconhecimento regional dessa hegemonia brasileira. Mas é muito frequente ver a América Latina como sendo vista da perspectiva de países mais poderosos fora da região como uma área de atuação natural do Brasil.
Em entrevistas com a comunidade de relações internacionais dos cinco países que são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (EUA, Reino Unido, França, Rússia e China), era frequente ouvir que a inação do Brasil na instabilidade venezuelana era inexplicável. Para esses países, caberia ao Brasil, como maior e mais forte país da região, atuar para amenizar a crise –o que não aconteceu nem sob governos do PT, nem com Jair Bolsonaro no poder.
Um cenário muito semelhante parece se construir agora com a Bolívia. O Brasil praticamente não é mencionado nas análises internacionais que são feitas sobre a crise aberta desde a reeleição de Evo Morales.Pelo contrário, o Brasil parece ter sido alvo de um posicionamento da Rússia, que reconheceu a situação boliviana como golpe de Estado.
Se a situação da Bolívia evoluir para um confronto mais violento –como se percebeu possível na ação de manifestantes que chegaram a falar em "guerra civil"— seria importante o Brasil assumir uma postura de mediador para tentar resolver a situação. Para isso, entretanto, seria preciso ter uma política externa de negociação, e não de confronto com movimentos de esquerda, como tem feito o governo.
Sem um protagonismo regional, pode ser mais difícil o Brasil convencer o mundo de que está pronto para ter um papel importante na política global.
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