Fogo na Amazônia criou imagem do Brasil como risco de segurança para os EUA
Enquanto o governo de Jair Bolsonaro comemora o apoio do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na discussão internacional relacionada à Amazônia e às queimadas na floresta, uma imagem muito negativa do país vai ganhando força no debate público. Indo além da discussão sobre a soberania do território brasileiro, nos últimos meses foi possível ver um aumento de vozes que tratam o Brasil como uma "ameaça", um risco à segurança nacional dos EUA.
A ideia surgiu primeiro em artigos publicados na imprensa dos Estados Unidos. Em princípio, ela se misturou a um debate sobre a importância da Amazônia para todo o mundo, sobre formas de pressionar o Brasil a proteger a floresta e sobre questionamentos sobre a soberania brasileira na Amazônia. Mas o tema ganhou força, e chegou à política americana.
De acordo com Brian Schatz (senador pelo Havaí) e Chris Murphy (senador por Connecticut) –ambos oposicionistas de Trump–, o presidente dos EUA priorizou sua amizade com Bolsonaro a lutar contra os incêndios, E o Senado precisa pressionar o governo dos EUA a mudar de atitude. "Essa é uma crise existencial e precisamos começar a tratá-la como tal", defendem.
"Primeiro, devemos deixar claro que os incêndios no Brasil são uma crise de segurança nacional e que estamos dispostos a pausar aspectos de nosso relacionamento bilateral com o Brasil até que o governo deles tome medidas para controlá-los, juntamente com os fazendeiros e madeireiros que supostamente estão começando os incêndios. Nada sobre o nosso relacionamento com o Brasil deve ser tratado com normalidade até Bolsonaro tomar medidas significativas para acabar com os incêndios e proteger a Amazônia", defendem os senadores.
O posicionamento dos senadores é apenas a mais visível das sugestões que tratam o Brasil como potencial ameaça –assim como a declaração do presidente francês Emmanuel Macron em relação a questionamentos sobre a soberania brasileira da Amazônia.
Antes do artigo dos senadores, a percepção de que a relação entre os incêndios na Amazônia e o aquecimento global permitem ver o fogo na floresta brasileira como uma ameaça à segurança dos Estados Unidos tem ganhado força nos debates públicos.
Uma das evidências mais fortes disso é um artigo publicado pela revista The Atlantic. No texto, o jornalista e escritor Franklin Foer (que já escreveu sobre o Brasil em outras situações) dizia que o incêndio da floresta deve ser tratado pelo resto do mundo como uma ameaça maior do que as armas de destruição de massa –como as usadas como justificativa para a invasão do Iraque pelos EUA.
"Se um país obtém armas químicas ou biológicas, o resto do mundo tende a reagir com fúria –ou pelo menos foi o que aconteceu no passado não muito distante. Sanções choveram sobre os proliferadores, que foram então banidos da comunidade global. E em casos raros (às vezes desastrosamente mal orientados), o mundo decidiu que a ameaça justificava uma resposta militar. A destruição da Amazônia é possivelmente muito mais perigosa do que as armas de destruição em massa que desencadearam uma resposta robusta", argumenta.
Segundo ele, o mundo deve tratar Bolsonaro da mesma forma que trata o ditador venezuelano Nicolás Maduro, pressionando-o a lutar contra as queimadas. "Evidentemente, isso pode não ser prático ou exacerbar o problema. Mas o caso da incursão territorial na Amazônia é muito mais forte do que as justificativas para a maioria das guerras. Enquanto isso, o planeta engasga com antigas noções de soberania", defende Foer.
Antes de Foer, a ideia do fogo no Brasil como ameaça internacional ganhou destaque em julho na revista The New Republic. O analista Tyler Bellstrom dizia que os EUA deveriam passar a ver o Brasil como uma ameaça existencial maior do que o Irã e a China, tradicionalmente vistos como maior risco da atualidade pelos EUA, por conta do desmatamento crescente.
"O foco atual na China como uma ameaça existencial é principalmente notável por como ela desloca a verdadeira ameaça existencial para os Estados Unidos e o mundo, a mudança climática, na orientação de nossa estrutura de segurança nacional. E um nível adequado de atenção às mudanças climáticas como uma preocupação urgente de segurança exigiria que os EUA reordenassem suas prioridades. Enquanto a China é um dos maiores emissores de gases de efeito estufa, devemos prestar mais atenção ao que está acontecendo em nosso hemisfério. Em particular, isso significa abordar o perigo mais imediato que estamos enfrentando de um estado que oficialmente é parceiro e do presidente aliado de Trump: o Brasil de Jair Bolsonaro e seu desmatamento acelerado na Amazônia", dizia.
Além desses artigos, o tema chamou a atenção também de quem estuda questões militares nos EUA. O almirante aposentado da Marinha dos EUA James Stavridis, colunista da agência de economia Bloomberg, argumentou que o aquecimento global torna o clima menos previsível e gera tempestades destruidoras. Além disso, completa, a elevação do nível do mar é uma ameaça à Marinha americana.
"Os americanos precisam entender como essas crescentes nuvens de fumaça sobre a Amazônia são uma ameaça direta à nossa segurança nacional", escreveu.
É verdade que a percepção do Brasil como ameaça por conta dos incêndios na Amazônia não é predominante, e que o governo americano oficialmente tem apoiado o Brasil. A exemplo do crescimento de discussões sobre a questão da soberania nacional da Amazônia, entretanto, a mera existência deste debate público é ruim para o Brasil.
Esta percepção não chega a ser marginal, e tem apoio de vozes importantes e veículos de imprensa de peso, o que indica o crescimento dessa imagem do país como um risco não só para o ambiente, como outros países também têm discutido, mas aos interesses de segurança da maior potência do mundo.
A exemplo da defesa da soberania nacional, o posicionamento do Brasil tem que ir além do discurso público do governo e das declarações nacionalistas. O país precisa mostrar que está pronto para assumir a responsabilidade de cuidar da Amazônia, apresentar resultados práticos no sentido de evitar a destruição da floresta e assim convencer o mundo de que é uma força positiva para o ambiente global –e não uma ameaça.
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