Democracia frágil e disputas políticas limitaram a força do Brasil no mundo
Para o pesquisador Obert Hodzi, da Universidade de Helsinki, a democracia frágil do Brasil e as disputas políticas restringiram seu papel de potência global emergente. Autor de um artigo sobre a perda do ímpeto do grupo formado por Brasil, Índia e África do Sul, ele alega que sucessivos governos do Brasil foram absorvidos pela política interna, negligenciando o papel global do país.
A credencial da democracia e o crescimento econômico foram usados pelo Brasil (junto com a Índia e a África do Sul) para tentar construir uma maior presença global para o país e reordenar a ordem internacional no começo do século. Menos de duas décadas depois da criação do grupo IBAS (Fórum de Diálogo Índia, Brasil e África do Sul), os três países parecem ter alcançado pouco. Para alguns analistas, o esforço deles pode ser questionado como apenas "bravatas vazias ou ilusões esperançosas", segundo um artigo acadêmico publicado pelo pesquisador Obert Hodzi, da Universidade de Helsinki, na Finlândia.
No caso específico do Brasil, ao longo dos últimos anos, sucessivos governos foram absorvidos pela política interna, negligenciando o papel global do país, avaliou Hozdi em entrevista ao blog Brasilianismo. "Em linhas gerais, diria que a democracia frágil do Brasil e as disputas políticas restringiram seu papel de potência global emergente", disse.
Autor do artigo acadêmico 'Empty bravado or hopeful illusions': rising democratic powers and reordering of the international system' (que pode ser traduzido por algo como 'Bravata vazia ou ilusões esperançosas': Democracias emergentes e a reordenação do sistema internacional), Hozdi faz questão de deixar claro que não é um especialista na política externa do Brasil, mas estudou o caso do país juntamente com os outros membros do IBAS, e vê um contexto semelhante de perda do ímpeto deles no âmbito global.
Segundo ele, a expectativa dos três países de reordenar o sistema internacional está diminuindo porque eles não conseguiram converter suas credenciais democráticas e crescimento econômico em influência global.
Leia abaixo a entrevista completa
Brasilianismo – Seu artigo recente diz que houve uma época em que parecia que o Brasil (assim como a Índia e a África do Sul) seria capaz de aumentar sua influência e tornar-se um ator mais relevante no mundo. Olhando para o Brasil agora, você diria que essa oportunidade passou completamente?
Obert Hodzi – A oportunidade não passou completamente, o Brasil simplesmente perdeu o ímpeto. Sob o presidente Lula, o Brasil era um empreendedor normativo. Desde então, os sucessivos governos no Brasil foram absorvidos pela política interna, negligenciando seu promissor papel global.
Brasilianismo – O que mudou? O que deu errado?
Obert Hodzi – Em linhas gerais, diria que a democracia frágil do Brasil e as disputas políticas restringiram seu papel de potência global emergente. Além disso, a desaceleração econômica no Brasil nos últimos anos tornou difícil para o Brasil patrocinar normas globais alternativas e influenciar questões globais. A contínua ascensão da China e os desafios globais à democracia liberal contribuíram para o declínio da presença global do Brasil.
Brasilianismo – Existem diferenças entre os casos do Brasil, Índia e África do Sul?
Obert Hodzi – Os três países estão enfrentando os mesmos desafios, desacelerando o crescimento econômico e, no caso da África do Sul e do Brasil, se recuperando da depressão econômica –desafios políticos internos– e todos foram ofuscados pela China, que apesar de sua economia estar desacelerando, tornou-se uma fonte alternativa de financiamento internacional para o desenvolvimento e lançou projetos globais como a Iniciativa Cinturão e Rota e o Asia Infrastructure Investment Bank. O populismo crescente na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, que está desafiando a base da ordem internacional liberal, que os três países procuraram avançar, não está facilitando as coisas para os três países. Talvez isso explique porque o IBAS está quase extinto.
Brasilianismo – A história do Brasil é fortemente marcada por essa ambição de alcançar um papel global mais proeminente. Isso foi algo alcançável? Ou você consideraria isso "bravata vazia e ilusões esperançosas"?
Obert Hodzi – A ambição de alcançar um papel global mais proeminente é inatingível para um Brasil isolado. No entanto, pode alcançá-lo através de parcerias estratégicas com outras potências globais emergentes –sua parceria com a Índia e a África do Sul teve e pode ainda ter potencial para aumentar a influência global do Brasil– mas, sozinho, com sua influência regional desafiada por outros países, é uma ilusão esperançosa.
Brasilianismo – O que o Brasil poderia fazer de maneira diferente para promover seus interesses globalmente?
Obert Hodzi – Não sou um especialista no caso do Brasil, mas posso comentar de forma geral que, como outras potências emergentes no Sul Global, o Brasil precisava investir em alianças estratégicas com poderes semelhantes no Sul Global para alavancar sua posição. Sua necessidade é a adesão e o apoio dos países de sua região e do Sul Global, a fim de alcançar seus objetivos de política externa e aumentar sua influência regional e global.
Brasilianismo – Um dos principais pontos do seu trabalho é que o Brasil (junto com Índia e África do Sul) tentou converter suas credenciais democráticas e seu crescimento econômico em influência global quando seu poder econômico ainda estava no auge e as credenciais democráticas ainda eram admiráveis. Pensando na situação atual, com a democracia sendo considerada em risco no Brasil, até que ponto isso pode afetar ainda mais a posição internacional do Brasil?
Obert Hodzi – O efeito sobre a posição internacional do Brasil é significativo –com uma economia em dificuldades e desafios políticos internos, o Brasil não tem os meios para melhorar sua influência global. A China está invadindo cada vez mais o quintal do Brasil, deixando pouco ou nenhum espaço para o Brasil manobrar. O Brasil, no futuro previsível, continuará na sombra da China.
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