Para pesquisador, mensagens vazadas podem afetar a luta contra a corrupção
A revelação de conversas entre o ex-juiz Sergio Moro, atual ministro da Justiça, e o procurador Deltan Dallagnol pelo site Intercept jogou um balde de água fria em quem acreditava que a entrada de Moro no governo de Jair Bolsonaro poderia ajudar a Lava Jato e o combate à corrupção no Brasil. Segundo o pesquisador americano Matthew M. Taylor, um dos observadores que disse acreditar nisso em novembro do ano passado, a divulgação das mensagens "mostra um certo casuísmo, a possibilidade de as decisões terem sido tomadas de maneira estratégica para chegar ao fim que procuradores e juiz pareciam desejar".
Em entrevista ao blog Brasilianismo, Taylor disse que a revelação dá força à defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao argumento de politização da Justiça no país.
Professor da American University, em Washington, DC e autor de vários estudos internacionais sobre democracia e corrupção no Brasil, ele avalia que o caso terá forte impacto e pode afetar o combate à corrupção como um todo no país. Segundo ele, qualquer juiz futuro que esteja decidindo algum processo envolvendo a Lava Jato vai ter que se mostrar excessivamente aberto aos argumentos da defesa.
"A grande tragédia é que as decisões não seriam necessariamente diferentes das tomadas. As discussões me parecem ter sido mais para facilitar e tornar mais eficientes decisões que já estavam mais ou menos em curso. Mas a imagem que passa é bastante negativa", disse.
Taylor é autor de livros como "Corruption and Democracy in Brazil: The Struggle for Accountability" (Corrupção e democracia no Brasil: a luta por fiscalização), e "Judging Policy: Courts and Policy Reform in Democratic Brazil" (Julgando política: Tribunais e reforma política no Brasil democrático). Para ele, a Lava Jato deve ser reconhecida como "uma exceção muito importante à regra da impunidade no Brasil". Por isso, diz, a perda de prestígio da Lava Jato "desmerece todo um esforço de meia década que é o único esforço que deu grande resultado" na luta contra a corrupção no país. "Isso me deixa bastante desanimado e preocupado sobre avanços futuros nesse campo."
Leia abaixo a entrevista completa
Brasilianismo – Qual sua impressão sobre as revelações do Intercept sobre a Lava Jato?
Matthew Taylor – É um problema mais político do que legal. Esta divulgação contribui para os argumentos do PT e da defesa de Lula no sentido de reforçar a narrativa do 'lawfare', da politização da Justiça. E certamente, mesmo no campo legal, isso mostra uma certa parcialidade para um dos lados da tríade jurídica. Falamos sempre que o juiz é um árbitro imparcial entre dois atores. No caso atual, as duas pernas do juiz para a tríade parecem ser de tamanhos diferentes. Isso vai contribuir para aquilo que inglês a gente chama de 'playing the ref', influenciar o árbitro em julgamentos futuros. Qualquer juiz futuro que esteja decidindo algum processo envolvendo o Lula em particular, mas a Lava Jato de maneira geral, vai ter que se mostrar excessivamente aberto aos argumentos da defesa. Então as revelações têm impacto político e legal.
Brasilianismo – Quando Moro aceitou ser ministro do governo Bolsonaro, no ano passado, você se dizia otimista com a indicação. O que acha da atuação dele nesses primeiros meses de governo, e especialmente depois dessas revelações?
Matthew Taylor – Certamente foi um balde de água fria, com tudo o que tem acontecido nos últimos meses. O caso atual mostra um certo casuísmo, a possibilidade de as decisões terem sido tomadas de maneira estratégica para chegar ao fim que procuradores e juiz pareciam desejar. A grande tragédia é que as decisões não seriam necessariamente diferentes das tomadas. As discussões me parecem ter sido mais para facilitar e tornar mais eficientes decisões que já estavam mais ou menos em curso. Mas a imagem que passa é bastante negativa.
Dentro de um contexto maior, acho que esse caso contribui para um desgaste contínuo de Moro, que desde que entrou no Ministério tem passado por uma fase difícil, tanto pela oposição que enfrenta no legislativo quanto pela oposição que parece enfrentar dentro do próprio governo, um certo isolamento e a pouca priorização dada às reformas propostas no Ministério da Justiça. E portanto é difícil manter qualquer tipo de otimismo sobre o progresso nesse campo. Certamente isso tem um fundamento político, já que muitos congressistas não desejam reformas, mas também porque o Moro representa uma ameaça em potencial como ator político, seja como um reformista ou como um potencial candidato no futuro. Ele está sendo de certa forma enfraquecido de forma deliberada por diversos atores. Isso me leva a um certo pessimismo sobre a capacidade de Moro levar adiante reformas e também sobre o sucesso de qualquer reforma –seja dele ou do Ministério Público, ou mesmo de Bolsonaro– contra a corrupção.
Brasilianismo – A reação em defesa contra os vazamentos foi de tratar as revelações como um ataque à Lava Jato. Que impactos os vazamentos de conversa pelo Intercept pode de fato afetar a Lava Jato e a mobilização contra a corrupção?
Matthew Taylor – Uma das questões importantes é o fato de a Lava Jato ainda ser uma exceção no funcionamento dos tribunais, do Ministério Público e da Justiça Federal no Brasil. Foi uma grande exceção por conseguir alguma responsabilização dos principais atores, pelo menos do lado empresarial. A Lava Jato foi uma exceção muito importante à regra da impunidade no Brasil. O problema é que por ser exceção, qualquer coisa que enfraqueça a Lava Jato enfraquece a luta contra a corrupção. Não que não existam outros pólos potenciais importantes, mas eles não têm se mostrado tão fortes. A Lava Jato foi pioneira e deu um resultado que nunca tinha sido alcançado por outras operações no passado. Defenestrar a lava Jato implica uma regressão para os esforços anticorrupção no Brasil. Tirar seu prestígio e levantar dúvidas sobre sua idoneidade é duplamente pernicioso, porque desmerece todo um esforço de meia década que é o único esforço que deu grande resultado. Isso me deixa bastante desanimado e preocupado sobre avanços futuros nesse campo.
Brasilianismo – As revelações se encaixaram na polarização política no país, em que um lado defende a Lava Jato como correta a qualquer custo, apesar do que foi revelado, e outro lado acha que isso mostra que tudo está errado com a operação. É possível encontrar um meio termo para reconhecer os problemas revelados agora, mas manter uma postura contra a corrupção?
Matthew Taylor – Em qualquer país, a melhor solução é um progresso em todas as frentes. Isso significa tentar melhorar instituições que trabalham com transparência, com monitoramento e com punição e sanção. Isso implica fortalecer instituições como a Receita Federal, a Polícia Federal, o TCU, o Ministério Público e o próprio Judiciário. O caminho inclui pensar nos motivos da proteção que tem sido dada recorrentemente às elites políticas a nível federal. Isso passa pelo STF, que precisa ter examinada a sua responsabilidade na garantia a impunidade dessas elites. É uma questão muito difícil, pois é claro que políticos merecem uma certa proteção, pois estão no meio de um jogo perigoso, onde sua reputação é muito importante,. Mas o fato é que a Lava Jato usou os procedimentos que usou em parte por saber que o STF seria muito garantista, muito defensor dos direitos dos políticos, então portanto era necessária uma abordagem extremamente estratégica, e talvez isso tenha contribuído para o que foi revelado agora. Olhando para a experiência de operações do passado, como o Banestado, Castelo de Areia e assim por diante, não era irracional os procuradores da Lava Jato tomarem uma atitude extremamente cautelosa e estratégica, olhando muito para o impacto político de decisões legais, de maneira a pressionar o STF a tomar decisões que de outra maneira talvez ele não se sentisse confortável tomando.
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