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Blog do Brasilianismo

Evento em Londres defende importância internacional da obra de Paulo Freire

Daniel Buarque

05/06/2019 09h12

Para o pesquisador dinamarquês Thomas Tufte, diretor do Instituto de Mídia e Indústrias Criativas da universidade de Loughborough, o filósofo e educador brasileiro tem um lugar significativo dentro das ciências sociais, com importância nas melhores universidades do mundo. Em entrevista ao blog Brasilianismo, Tufte diz que não faz sentido o governo de Jair Bolsonaro rejeitar a relevância de Freire, pois a obra dele transcende a política.

Foto usada no anúncio do evento sobre Paulo Freire em Londres

Alvo de polêmica em discussões sobre política e educação no Brasil sob o governo de Jair Bolsonaro, a obra do filósofo e educador brasileiro Paulo Freire tem importância internacional e transcende debates políticos. A avaliação é do pesquisador dinamarquês Thomas Tufte, que abriu nesta quarta-feira um seminário acadêmico de dois dias voltado à importância internacional do pensamento de Freire na universidade de Loughborough, em Londres.

Freire "tem um lugar significativo dentro das ciências sociais, e do pensamento crítico dentro das ciências sociais nos últimos 50 a 60 anos. É um lugar central especialmente na área de educação, mas ele tem importância em outras áreas também", disse Tufte em entrevista ao blog Brasilianismo.

Diretor do Instituto de Mídia e Indústrias Criativas da universidade inglesa, ele é um dos principais nomes no evento "Brazil Seminar: Civil society development and participatory communication in the new political context. Dialogues around the legacy of Paulo Freire" (Brazil Seminar: Desenvolvimento da sociedade civil e comunicação participativa em um novo contexto político. Diálogos sobre o legado de Paulo Freire). O foco da sua apresentação é o lugar e a influência do brasileiro na comunicação para o desenvolvimento em todo o mundo.

Observando desta perspectiva internacional, a atual rejeição do governo brasileiro à obra de Freire não faz muito sentido, segundo Tufte. Ele diz acreditar que esta postura vem da forte polarização política no país, mas que seria importante aceitar a importância da obra deixada pelo brasileiro. "É uma pena porque ele transcende a política, especialmente em suas ideias sobre educação."

Debate sobre Paulo Freire na universidade de Loughborough, em Londres (Foto: Cesar Jimenez Martinez)

Leia abaixo a entrevista completa

Brasilianismo – Qual a importância de Paulo Freire a partir de uma perspectiva internacional?
Thomas Tufte – Ele tem um lugar significativo dentro das ciências sociais e do pensamento crítico dentro das ciências sociais nos últimos 50 a 60 anos. É um lugar central especialmente na área de educação, mas ele tem importância em outras áreas também. Eu sou um pesquisador de mídia e comunicação, e este evento em Londres tem muito foco na importância dele para comunicação e desenvolvimento. Freire também teve um papel importante nas discussões sobre desenvolvimento internacional, o que vem desde a atuação dele em organizações religiosas, que pensavam nesta questão. É uma importância grande.

Brasilianismo – De que forma o trabalho de Freire influencia discussões sobre filosofia e educação internacionalmente?
Thomas Tufte – Eu conheci Freire no fim dos anos 1980, quando era um jovem sociólogo e conseguimos convidá-lo para a Dinamarca. Ele veio para a Dinamarca em 1987, e o auditório onde ele se apresentou em Copenhague estava completamente lotado. Isso é só um exemplo do quanto o trabalho dele é popular. Seus livros foram traduzidos em mais de 20 línguas e vendidos em grandes números. Além disso, o fato de ele ter tido relação com Harvard catapultou suas ideias em países desenvolvidos –ele faz parte do currículo da universidade até hoje. O trabalho e as ideias de Freire circulam muito na América Latina também, e até hoje importantes pensadores internacionais ainda se baseiam muito no trabalho dele. As ideias e estudos dele são relevantes em pesquisas em todo o mundo sobre educação e desenvolvimento. É algo muito marcante em gerações de acadêmicos que têm entre 50 e 60 anos, mas que também está sendo muito pensado em relação à situação do Brasil contemporâneo –em termos sociais mais do que políticos. As ideias de Freire continuam muito relevantes em discussões sobre desenvolvimento até hoje.

Brasilianismo – Qual a sua interpretação sobre a rejeição do atual governo brasileiro à obra de Freire?
Thomas Tufte – Acho que não faz nenhum sentido. Na verdade isso ajuda a revelar o tipo de pensamento que assusta este governo. Isso está relacionado a questões domésticas da política brasileira, que vive um momento de grande polarização. Isso provavelmente está ligado ao fato de que Freire teve envolvimento com política no Brasil nos anos 1980, com ligação ao Partido dos Trabalhadores, o que leva ele a ser visto não apenas como um pensador crítico, mas um pensador crítico com esta ligação política. Isso me parece parte da justificativa para a resposta do atual governo brasileiro. Isso é uma pena. É uma pena porque ele transcende a política, especialmente em suas ideias sobre educação.

Brasilianismo – Considerando que a contribuição intelectual dele vai além da política, faz sentido existir esta ligação do nome de Freire à esquerda na política?
Thomas Tufte – Esta é uma questão importante, que ainda está sendo muito debatida. É verdade que ele se declarava um político, e foi secretário de Educação. Mas seu pensamento, seus livros, suas propostas como filosofia e epistemologia da educação, de valorização das pessoas e suas metodologias de engajamento social transcendem a política. Pode-se dizer que é uma produção mais sobre a democracia e o desenvolvimento democrático, e sobre desenvolvimento com igualdade. Esta discussão não precisa ser uma discussão de partidos políticos.

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Sobre o Autor

Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.

Sobre o Blog

O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.

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