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Blog do Brasilianismo

'Falta de consenso sobre perseguição política reduz chance de Nobel a Lula'

Daniel Buarque

14/03/2019 04h00

Autor de um artigo acadêmico sobre o Prêmio Nobel da Paz, o cientista político Ronald Krebs diz que o ex-presidente Lula tem poucas chances de ser premiado. Segundo ele, o fato de o Brasil ser uma democracia é importante. Além disso, a condenação de Lula por corrupção e a falta de um consenso internacional sobre ele ser vítima de perseguição política tornam pouco provável que o comitê do Nobel o escolha.

O pesquisador americano Ronald Krebs não apostaria suas economias nas chances de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ganhar o Prêmio Nobel da Paz. Por mais que o brasileiro tenha sido indicado pelo ganhador do prêmio de 1980, Adolfo Pérez Esquivel, por seu papel na luta contra a fome, e por mais que a candidatura tenha apoio de mais de 640 mil pessoas em um abaixo-assinado, Krebs avalia que não existe um consenso internacional sobre a ideia de que Lula seja um perseguido político e que, por isso, a possibilidade de ele ganhar não parece ter muita força.

"Se Lula fosse um mártir da luta contra a fome, ou se ele tivesse sido claramente preso por causa dessa luta contra a fome, se houvesse um consenso de que ele foi preso porque ele defendeu este tipo de política, então talvez pudesse ter algum apoio a ele no comitê do Nobel. Mas dado que ele foi condenado por corrupção, que é um problema endêmico no Brasil, é difícil imaginar que o comitê do Nobel vá endossar a candidatura dele", disse Krebs em entrevista ao blog Brasilianismo.

Segundo o acadêmico, o fato de o Brasil ser uma democracia também reduz as chances do ex-presidente. Ainda assim, se houvesse um consenso internacional em torno da ideia de que Lula foi preso por motivos políticos, talvez sua candidatura tivesse uma relevância maior, diz. "Mas não há consenso internacional em torno da ideia de que ele foi preso injustamente", avaliou. "Tenho certeza de que muitos brasileiros estão interessados nisso, mas a probabilidade de Lula ganhar o Nobel da Paz não me parece significativa."

Krebs é professor de ciência política da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, e realizou pesquisas sobre a importância internacional do Prêmio Nobel da Paz. No artigo "The False Promise of the Nobel Peace Prize" (A falsa promessa do Prêmio Nobel da Paz), de 2010, ele discute como a condecoração foi politizada ao longo das últimas décadas, e como ela tem impacto limitado.

"O Prêmio chama a atenção para problemas ignorados; mas, às vezes, o prêmio também produz efeitos inesperados e indesejados –prejudicando organizações e desencadeando ação repressiva do Estado", explica.

Leia a entrevista completa abaixo

Brasilianismo – O ex-presidente Lula foi nomeado para o Prêmio Nobel da Paz, e muitos no Brasil defendem que ele seja escolhido. Entretanto você escreveu um trabalho acadêmico indicando que o prêmio chama muita atenção, mas na verdade não ajuda tanto nem os ganhadores nem as causas de eles defendem. Pode explicar um pouco melhor por que isso acontece?
Ronald Krebs – O Prêmio Nobel da Paz é explicitamente o mais politizado dos prêmios Nobel. A intenção específica dele é ajudar certos tipos de causas políticas, algumas mais tradicionalmente ligadas à paz e negociações internacionais. Mas, desde os anos 1970, e especialmente depois dos anos 1990, ele passou a servir para promover causas que associamos com a política liberal, direitos humanos e direitos das mulheres, e uma variedade de outras "causas boas". Normalmente, ao contrário do que acontece no Brasil, isso ocorre em ambientes que não são particularmente favoráveis a esses tipos de causas políticas. Isso quer dizer, regimes autoritários.

Seja o prêmio para Aung San Suu Kyi, em Mianmar, ou para Liu Xiaobo, na China, ou historicamente o prêmio para Nelson Mandela, estamos lidando com regimes que não são particularmente inclinados ao reconhecimento de direitos. São regimes que têm uma postura muito defensiva no cenário internacional, regimes que têm motivos para temer o tipo de encorajamento que o Nobel da Paz pode dar a movimentos dissidentes dentro dos países. Regimes que geralmente não são muito vulneráveis a pressão política internacional. Em resumo, o prêmio é dado em regimes que menos provavelmente vai responder ao tipo de pressão que o Nobel da Paz pode trazer.

Por um lado, os movimentos políticos que estes indivíduos representam ficam muito felizes com a forma com que parece que o Ocidente está apoiando suas causas. Por outro lado, há um regime no país em que eles atuam que tem todo o interesse em reprimir estes movimentos. Então o resultado é uma combinação que não ajuda muito a avançar a causa do Prêmio Nobel da Paz. Minha pesquisa mostra que ele gera um aumento repentino em interesse na causa ganhadora do Prêmio, mas não cria um interesse global que se sustente por um longo período.

O caso de Lula é diferente. Com certeza ele está associado ao interesse das classes baixas brasileiras, mas ele não representa uma grande causa equivalente a direitos humanos. Ele não foi preso por motivos políticos, por mais que ele argumente isso. Ele não está preso por ter sido um defensor de causas ligadas aos menos favorecidos no Brasil. Ele foi preso basicamente por corrupção. Tenho certeza de que muitos brasileiros estão interessados nisso, mas a probabilidade de Lula ganhar o Nobel da Paz não me parece significativa.

Brasilianismo – O argumento central em defesa da candidatura dele é a sua luta contra a fome no Brasil.
Ronald Krebs – Claro que o comitê apoia esta causa. Se Lula fosse um mártir da luta contra a fome, ou se ele tivesse sido claramente preso por causa dessa luta contra a fome, se houvesse um consenso de que ele foi preso porque ele defendeu este tipo de política, então talvez pudesse ter algum apoio a ele no comitê do Nobel. Mas dado que ele foi condenado por corrupção, que é um problema endêmico no Brasil, é difícil imaginar que o comitê do Nobel vá endossar a candidatura dele.

Brasilianismo – A candidatura de Lula tem o apoio de mais de 600 mil pessoas que assinaram uma petição e, para muitos que apoiam o ex-presidente, a narrativa é exatamente de que Lula é vítima de um regime de exceção. Muitos apoiadores acham que a condenação por corrupção é uma fachada para uma perseguição de setores da elite por conta da luta do ex-presidente contra a fome e em defesa dos mais pobres.
Ronald Krebs – Se houvesse um consenso internacional em torno dessa ideia de que Lula foi preso por este motivo, talvez sua candidatura tivesse uma relevância maior, e a narrativa de quem o defende tenta reforçar isso. Mas não há consenso internacional em torno da ideia de que ele foi preso injustamente.

Brasilianismo – Por outro lado, se ele ganhar o Prêmio Nobel da Paz, isso pode reforçar a narrativa de quem acha que ele é perseguido injustamente?
Ronald Krebs – O Brasil é um caso interessante. Em anos recentes em que o Prêmio Nobel da Paz foi dado para apoiar movimentos políticos domésticos, fez isso para apoiar causas que não são populares nos países em que esses movimentos existem, e normalmente em face de um governo não democrático. O Brasil seria uma exceção. Estamos falando de uma democracia que tem falhas, mas que é uma democracia. Estamos falando de um país que tem uma esquerda forte, e que é parte da política tradicional. Então seria uma circunstância muito pouco comum. É por isso que é difícil de imaginar que Lula ganhe o prêmio. Eu não apostaria minhas economias na premiação de Lula.

Brasilianismo – Acha que esta mudança do Nobel nas últimas décadas, premiando causas políticas domésticas, afeta a importância do Prêmio da paz?
Ronald Krebs – Não mudou a empolgação internacional que o prêmio gera. O fato de estarmos falando sobre candidaturas mostra que ele tem relevância. Ele ainda gera muito debate, e cria muita empolgação imediata em torno dos premiados. O Prêmio se afastou da questão de paz entre Estados, com raras exceções, e em parte isso parece ser um reflexo de redução das oportunidades para ter este papel. Temos cada vez menos guerras e conflitos entre Estados –e os conflitos parecem cada vez mais estar dentro dos Estados. Então, casos como o da Colômbia, por exemplo, se tornam mais comuns. A decisão de apoiar causas domésticas e políticas liberais é uma marca do desejo do comitê de continuar tendo relevância internacional. Se eles se apegassem a causas tradicionais, haveria cada vez menos oportunidades e questões que parecessem relevantes para a vida das pessoas. Então é uma busca por relevância.

Brasilianismo – O que acha que o Nobel precisa fazer para de fato ter uma influência sobre questões de paz?
Ronald Krebs – O Prêmio faz o que pode. O que é necessário é ter apoio da sociedade civil transnacional às causas premiadas, a fim de dar força a esse tipo de mobilização. O comitê não tem força para criar uma mobilização mais duradoura, e seu papel é justamente o de atrair a atenção para estas questões. Depois da premiação, cabe a Estados e à sociedade dar apoio a essas causas. Temos muitas tragédias humanitárias acontecendo no mundo atualmente. Síria, Iêmen, crise de refugiados. O comitê do Nobel pode focar nisso. Mas no fim das contas, a diferença tem que ser feita não pelo comitê, mas pela sociedade transnacional e forças políticas a fim de resolver esses problemas. O papel do comitê do Nobel é promover uma conversa sobre estas questões e valores, mas lidar com os problemas é uma responsabilidade de todos nós.

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Sobre o Autor

Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.

Sobre o Blog

O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.

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