Análises estrangeiras apontam divisão ideológica no governo de Bolsonaro
Militares para um lado, antiglobalistas e economistas para o outro. Para observadores estrangeiros, o governo de Jair Bolsonaro já apresenta divisões ideológicas e políticas marcantes após apenas um mês desde da sua posse, com disputa pelo poder, críticas públicas e incertezas quanto a decisões sobre o futuro do país.
A separação é discutida em pelo menos duas grandes reportagens sobre a política brasileira publicadas na imprensa internacional. No início da semana, a revista francesa Le Monde Diplomatique (em edição em inglês) apontou o surgimento da divisão política dentro do novo governo brasileiro, indicando divergências especialmente por conta de questões econômicas. A publicação também discutia o tamanho da força política dos militares.
Na quinta-feira (7), a revista americana Americas Quarterly fez análise semelhante. Segundo a publicação, a atuação do vice-presidente Hamilton Mourão durante a internação de Bolsonaro, e a pressa do presidente de voltar ao poder, são evidências fortes dessa separação.
"A retórica de Mourão ilustra uma divisão ideológica muito real dentro do governo de Bolsonaro. Há a chamada ala antiglobalista, liderada pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e Eduardo, filho de Bolsonaro, que quer refazer a política externa do Brasil para aproximá-la de Washington, Donald Trump e nações com 'valores cristãos', distanciando o país da China e do mundo árabe", explica.
Mourão, por outro lado, "representa uma poderosa facção composta em grande parte por ex-oficiais militares, que ocupam cerca de um terço do gabinete de Bolsonaro. Eles não são um bloco único, mas geralmente favorecem uma abordagem mais pragmática da política externa, observando, por exemplo, que a China é o maior parceiro comercial do Brasil. Muitos não poderiam se importar menos com as questões sociais — 'ideologia de gênero', 'marxismo cultural' e assim por diante– que tendem a animar a base do núcleo duro de Bolsonaro", diz o texto do editor-chefe da publicação, Brian Winter.
A abordagem da Le Monde Diplomatique trata do mesmo fenômeno, mas foca mais na questão econômica. Segundo a publicação, por mais que o presidente tenha formado uma equipe econômica favorável a cortes de gastos e controle das finanças do país têm ambições diferentes da política de austeridade.
"Já existe uma divisão entre o novo governo, que defende a austeridade e o monetarismo, e os militares, que defendem as ambições geopolíticas que exigem a intervenção do Estado", explica a publicação.
O texto da revista francesa também analisa a força da Escola Superior de Guerra como ferramenta de projeção de influência política e geopolítica no país. "O Brasil tem as maiores forças armadas da América Latina, apoiadas por um complexo militar-industrial bem estabelecido e centros estratégicos altamente eficazes. Elas influenciam o governo e a economia (às vezes exercendo diretamente o poder político, como durante a ditadura) e desempenham um papel decisivo na política brasileira: seu objetivo é defender uma visão de desenvolvimento nacional que evoluiu durante o século 20, especialmente sob o governo Getúlio Vargas (1930-45), quando defendiam a industrialização como a chave para a soberania geopolítica", explica.
A grande questão, diz, vai ser saber a quantidade de força que será de fato exercida pelos militares dentro do atual contexto em que Bolsonaro tenta levar adiante grandes reformas econômicas.
Segundo Winter, na AQ, a separação desses grupos em torno do vice-presidente e da família do presidente reforçam a ideia de que o Brasil talvez tenha um problema na estrutura do seu poder Executivo. A reportagem retoma a discussão sobre a história de impeachments e renúncias que levaram vice-presidentes ao poder no Brasil, e questiona se o país não deveria abolir o cargo –indicando que o Chile, por exemplo, já fez isso.
"Isso leva a questionar se o Brasil realmente sabe lidar com vice-presidentes. Talvez a posição em si seja intrinsecamente desestabilizadora, especialmente em um país com uma colcha de retalhos de várias dezenas de partidos políticos que forçam coalizões estranhas e, em última análise, frágeis", diz.
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