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Blog do Brasilianismo

Estudos brasileiros nos EUA em tempos de crise: anos 1960, 70 e hoje

Daniel Buarque

09/05/2018 04h20

O professor James N. Green, da Universidade Brwon

O texto abaixo foi apresentado na Universidade Yale, nos EUA, em 7 de maio e fala sobre o futuro dos estudos brasileiros nos Estados Unidos e a questão da liberdade acadêmica nas universidades brasileiras.

Por James N. Green*

Quero agradecer a David Jackson e Stuart Schwartz por me convidarem para este evento sobre Estudos Brasileiros nos Estados Unidos: A Estrada Adiante. É uma continuação muito válida das conversas que Paulo de Almeida realizou na Embaixada do Brasil em Washington no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, e na conferência que a Brazilian Studies Association (BRASA) organizou na Universidade Brown sobre o Futuro dos Estudos Brasileiros em 2006, para a qual Marshall Eakin escreveu um excelente relatório, relevante ainda hoje.

É útil periodicamente continuar esta discussão, e tenho o prazer de fazer parte desta conversa.

Independentemente das posições políticas que alguém possa ter sobre a situação atual do Brasil, acho que a maioria dos estudiosos e observadores concordaria que o país está em crise. Grande polarização ideológica, desencantamento com política e políticos, lento crescimento econômico, desemprego de dois dígitos, violência contínua, a morte de dezenas de milhares de afro-brasileiros e centenas de pessoas LGBT, o assassinato de Marielle Franco, assim como a de outros líderes rurais e indígenas, e perspectivas preocupantes sobre as próximas eleições, tudo antecipa tempos difíceis pela frente.

Isso teve um efeito direto na sala de aula e nos estudos brasileiros nos Estados Unidos. O retrato excessivamente otimista das possibilidades do Brasil durante os anos Lula foi substituído por uma resposta muito mais sóbria e ainda mais cínica ao repetitivo adágio de proclamar o Brasil como o país do futuro. Os estudantes de economia que queriam aprender português para encontrar uma posição de consultor em São Paulo agora estão procurando outras oportunidades. Jovens estudantes idealistas de ciências sociais, fascinados com os movimentos sociais de base do Brasil e ONGs criativas agora se perguntam se é seguro fazer pesquisa no Brasil.

As tendências mais recentes sobre o Brasil desapareceram, embora o interesse no país não tenha desaparecido e, na minha perspectiva sempre otimista, acredito que crescerá novamente no futuro.

De fato, apesar de uma conjuntura bastante difícil, os Estudos Brasileiros nos Estados Unidos cresceram significativamente nas duas últimas décadas, e acredito que isso vai resistir à tempestade. A Brazilian Studies Association, por exemplo, está preparando sua XIV Conferência Internacional na PUC do Rio de Janeiro em julho de 2018 com mais de 800 participantes cadastrados e, provavelmente, 1.000 participantes. A Universidade do Texas, em Austin, sediará a XV Conferência Internacional da BRASA em 2020.

Devido à forte liderança de pessoas como Marshall Eakin da Universidade e Vanderbilt, Jan Hoffman French, da Universidade de Richmond, Bryan McCann, de Georgetown, e um número significativo de acadêmicos que atuaram no Comitê Executivo nas últimas duas décadas, a BRASA é financeiramente estável, internacionalmente reconhecida organização profissional que está desempenhando um papel significativo na promoção dos Estudos Brasileiros neste país. Também estamos satisfeitos que Gladys Mitchell-Walthour, da Universidade de Wisconsin, em Milwaukee, será a primeira presidente afro-descendente da associação e que a BRASA trabalhou conscientemente para diversificar significativamente seu corpo de liderança. Além disso, no próximo ano, uma nova associação europeia, a ABRE, Association of Brazilianists in Europe, realizará sua segunda conferência internacional em Paris.

Como todos sabemos, a internet acelerou as oportunidades de comunicação e colaboração internacional. As universidades brasileiras em seus esforços de internacionalização entraram em contato com uma série de instituições dos EUA para aprofundar os laços e conexões. E quem aqui não foi convidado para ser membro do conselho editorial de pelo menos um periódico acadêmico brasileiro nos últimos três anos? Embora o financiamento governamental para brasileiros que estudam no exterior tenha diminuído, continua havendo um fluxo importante de acadêmicos para os Estados Unidos, que enriquecem nossos programas e conhecimento sobre o Brasil.

Eu tinha planejado originalmente falar sobre como nós, da Universidade Brown, temos trabalhado conscientemente para elevar o perfil dos acadêmicos afrodescendentes brasileiros e americanos que trabalham sobre o Brasil, bem como outros que trabalham em tópicos que enfocam os afro-brasileiros, através de uma abordagem sistemática e plano estratégico que inclui, entre outras atividades, convidá-los para o campus para palestras, workshops e conferências. Durante todo o dia, terei a oportunidade de falar sobre esse e outros insights sobre como eu acho que podemos fortalecer os Estudos Brasileiros nos Estados Unidos. No entanto, Por mais importante que a questão da expansão da diversidade na academia seja para mim, e tenho certeza de que todos nesta sala, dado o breve tempo que me foi atribuído, gostaria de abordar outra questão que acredito ser crucial para a futura direção dos Estudos Brasileiros nos Estados Unidos que não podem ser ignorados.

O título em inglês da minha segunda monografia, "Apesar de vocês: a oposição à ditadura militar nos Estados Unidos", é "We Cannot Remain Silent", não podemos permanecer em silêncio. Refere-se à declaração distribuída em 1970 por um grupo de acadêmicos americanos trabalhando no Brasil, que se juntou ao clero e outras figuras públicas para denunciar a prática em curso de tortura contra opositores do regime militar. Entre os que assinaram a declaração estavam representantes das principais igrejas protestantes, figuras da Igreja Católica, os líderes dos direitos civis Ralph Abernathy e Andrew Young, e Richard Morse, da Universidade Yale.

Um trecho dela dizia: "Não podemos permanecer em silêncio diante da evidência esmagadora da flagrante negação dos direitos humanos e da dignidade chegam até nós do Brasil. . . Fazê-lo nos tornaria cúmplices daqueles que são os autores dessa repressão". Essa não seria a única declaração pública que uma geração anterior de brasilianistas pioneiros e eminentes assinaria.

Mais de 300 membros da Associação de Estudos Latino-Americanos protestaram contra a expulsão forçada de 70 acadêmicos de universidades brasileiras em 1969, entre eles Emilia Viotti da Costa, que chegou a Yale, e Fernando Henrique Cardoso. Em fevereiro de 1970, Richard Morse, de Yale, Stanley J. Stein, de Princeton, Charles Wagley, da Columbia, e Thomas E. Skidmore, da Universidade de Wisconsin, assinaram uma carta publicada no "New York Times" denunciando a prisão e condenação do estudioso marxista e editor Caio Prado Júnior, sob acusação de subversão.

Embora as graves violações de direitos humanos pelo regime militar tenham sido o foco principal dessas campanhas, os ataques à autonomia universitária, à liberdade acadêmica e o controle autoritário das instituições de ensino superior também foram uma preocupação notável. Essas ações e muitas outras documentadas em "We Cannot Remain Silent" representaram um esforço de base descentralizado de acadêmicos, ativistas e brasileiros que viviam nos Estados Unidos para falar sobre a situação no Brasil. No livro, argumento que essa campanha de opinião pública, por mais modesta que tenha sido, teve um impacto sobre os generais no poder.

Por mais que eu não esteja fazendo uma analogia direta entre a ditadura militar e o atual estado das coisas no Brasil, existem sinais preocupantes de que o país está se movendo em uma direção mais autoritária. E assim, eu, e centenas de outros brasilianistas nos Estados Unidos não pudemos continuar em silêncio quando soubemos que o Ministro da Educação decidiu violar a longa tradição da autonomia universitária e a liberdade de expressão ao tentar proibir um curso sobre o impeachment da Presidente Dilma Rousseff, em 2016, sob os pretextos de que usar o termo golpe no título do curso refletia uma agenda política e uso de política partidária na sala de aula.

E devo acrescentar que hoje não tenho tempo para falar sobre outros esforços da direita, e muitas vezes de forças religiosas fundamentalistas, organizadas através do Escola Sem Partido, para atacar estudos de gênero, discussões sobre a homofobia e outras questões que giram em torno de questões de democracia, inclusão e luta contra os legados do racismo, do sexismo, das desigualdades econômicas e da discriminação, tão profundamente enraizados na cultura brasileira.

No entanto, uma coisa é um movimento social de direita tentar censurar o conteúdo de professores em escolas secundárias ou universidades. Ainda mais grave é a tentativa do governo de fazer o mesmo. A esse respeito, os diretores da Brazilian Studies Association enviaram uma carta ao ministro da Educação brasileiro, José Mendonça Filho, em 28 de fevereiro de 2018, repudiando seu pedido de investigação ao professor Luis Felipe Miguel e ao Departamento de Ciência Política da Universidade de Brasília por alegada "improbidade administrativa" por oferecer um curso intitulado "O golpe de 2016 e o ​​futuro de democracia no Brasil". E cito a carta: "Esse apelo por uma investigação federal é um excesso chocante e uma clara violação da liberdade acadêmica que lembra a abusos da ditadura militar do Brasil". A carta continua, indicando que o Artigo 206, Seção II da Constituição Federal Brasileira concede autonomia acadêmica às universidades brasileiras e garante liberdade de expressão, pedagogia e pesquisa acadêmica.

Quase uma centena de brasilianistas dos Estados Unidos assinaram uma declaração similar em 4 de março, ecoando a carta da BRASA e concluíram: "Embora o Ministério da Educação tenha recuado dessa ordem arbitrária, esta ação envia uma mensagem alarmante para estudiosos no exterior que desejam apoiar nossos colegas brasileiros em defesa de sua liberdade acadêmica e autonomia universitária ".

Infelizmente, esse excesso do governo inspirou funcionários do Estado da Bahia, do Ceará e do Rio Grande do Sul, para mencionar apenas três exemplos, para tentar reduzir a autonomia universitária e a liberdade acadêmica.

Eu sinceramente espero que o Ministério da Educação tenha realmente mudado sua política em relação às tentativas de controlar o conteúdo curricular, pois é apenas nesse contexto que muitos brasilianistas, acredito, podem considerar a construção de parcerias.

*James N. Green é diretor da Iniciativa Brasil na universidade Brown, nos EUA, e professor de história da América Latina. Morou oito anos no Brasil nos anos 1970 e presidiu o New England Council on Latin American Studies (Neclas). É autor de "Apesar de vocês: Oposição à ditadura brasileira nos Estados Unidos, 1964-1985″ (Cia. das Letras), obra em que revela um movimento desconhecido da maioria dos brasileiros, contradizendo a visão geral de que os EUA apoiaram integralmente o regime militar.

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Sobre o Autor

Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.

Sobre o Blog

O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.

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