Para pesquisadoras estrangeiras, prisão de Lula tem impactos na democracia
A publicação da opinião de quatro brasilianistas a respeito da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no UOL, na semana passada, não pode ser considerada representativa de todo o grupo de acadêmicos e acadêmicas que estudam o país no resto do mundo. Apesar de serem consagrados em suas áreas e de terem, juntos, mais de um século de experiência relacionada ao Brasil, o que se vê ali "é a opinião de homens, majoritariamente americanos, sendo usados para representar os pontos de vista dos brasilianistas", critica Stephanie Dennison, professora de estudos brasileiros na Universidade de Leeds, em entrevista ao blog Brasilianismo.
Em resposta às avaliações de Riordan Roett, Matthew Taylor, Anthony Pereira e James Green (que expuseram opiniões divergentes entre si), Dennison alega que muitos entre os brasilianistas que conhece –a maioria dos quais são mulheres que trabalham na área de humanas e não são vinculados a financiamentos do governo brasileiro–, pensam de forma crítica em relação ao processo e à prisão de Lula.
"A prisão de Lula tem consequências muito sérias para a democracia no Brasil. Para mim, tudo se resume a um uso engenhoso da lei, segundo o qual a ela é usada estrategicamente para impedir que Lula participe das eleições presidenciais", disse Dennison. "A falta de evidências sólidas no caso de Lula aponta não apenas para o uso da lei, mas um desrespeito aos princípios legais. Estou impressionada com os múltiplos papéis desempenhados por Sergio Moro neste processo: investigador, juiz e júri."
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O posicionamento da pesquisadora foi apoiado por outras brasilianistas, como Maite Conde, de Cambridge, Sara Brandellero, da Universidade de Leiden, na Holanda, Lisa Shaw, da faculdade de Histórias, Línguas e Culturas da Universidade de Liverpool, e Marieke Riethof, professora de política latino-americana também em Liverpool, Jane-Marie Collins, de Nottingham, e Lucia Sa, de Manchester.
Para Riethof, independentemente de se acreditar que a motivação para processar Lula seja política ou legal, impedir um candidato popular de concorrer à Presidência e prendê-lo aumenta a falta de confiança nas instituições políticas do Brasil, o que é questionável em termos de resultados democráticos.
"A prisão de Lula está enviando ondas de choque em uma democracia já frágil. Enquanto os escândalos de corrupção redesenharam o cenário político nos últimos anos, prender um ex-presidente é uma mudança significativa no cenário político do Brasil. A confiança no governo está no fundo do poço, e muitos brasileiros estão insatisfeitos com as instituições políticas do país e com o funcionamento da democracia", disse. "Além disso, o princípio de que as mudanças governamentais só deveriam acontecer por meio de eleições teve forte apoio no Brasil desde 1985, e a flexibilização desse princípio criaria muita instabilidade política no futuro."
Shaw argumenta ainda que a prisão de Lula precisa ser pensada em uma perspectiva que inclua ainda o impeachment de Dilma Rousseff, que também é mencionada pelas outras brasilianistas.
"A prisão de Lula não pode ser separada do impeachment de Dilma, tão poderosamente simbolizado pela presença dela ao lado de Lula em seu discurso na sexta-feira. Tendo assistido a toda a votação do impeachment pela televisão, não pude deixar de sentir descrença e repulsa pela flagrante misoginia, racismo e homofobia expressada por inúmeros senadores (…). Como muitas de minhas companheiras brasilianistas, tive uma reação visceral de repulsa e não posso imaginar a angústia e a sensação de violação que teria causado à primeira mulher presidente do Brasil", disse.
Dennison alega que é possível ver a manipulação das leis para punir Lula como continuação do que se iniciou com o impeachment, um processo que lembra Kafka. "Finge ser legal, constitucional e para o bem do povo, mas que é rapidamente revelado como uma farsa completa e meramente promovendo os interesses dos políticos da oposição e interesses comerciais. Processo pelo bem do processo."
Em uma linha semelhante, Riethoff diz que o sentimento entre muitos observadores internacionais e acadêmicos é que os erros cometidos por Dilma foram inflados demais e julgados politicamente, "levando a um processo de impeachment que era tecnicamente legal, mas colorido por manobras políticas". O mesmo aconteceria com Lula: "é difícil não comparar o que aconteceu neste final de semana com outros casos. Embora seja verdade que políticos importantes como Eduardo Cunha e vários outros também estão na prisão, a principal diferença é que outros ex-presidentes, e até o próprio presidente Michel Temer, enfrentaram alegações de corrupção, mas não foram processados com a mesma urgência."
Enquanto a prisão de Lula ganha visibilidade internacional, e a Justiça brasileira passa a estar sob escrutínio internacional, é difícil prever de que forma a situação do país vai afetar seu posicionamento internacional, segundo as pesquisadoras. Enquanto o país perde soft power, é preciso uma estabilização da política nacional pela democracia que mantenha princípios de inclusão e justiça social, para que o Brasil recupere relevância global.
"Se a 'ideia Lula', como ele mesmo disse, continuar, bem como forem condenados políticos de todo espectro político e representantes de empresas implicados na Lava Jato e outras operações de corrupção, a reputação internacional do Brasil talvez possa ser recuperada", avaliou Dennison.
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