Prisão de Lula cria polarização política até entre analistas estrangeiros
A divisão de preferências políticas que está radicalizando o Brasil nos últimos anos tem se mostrado presente também entre analistas estrangeiros que observam o desenrolar do noticiário sobre o país.
A cisão entre brasilianistas começou a ficar evidente na época do impeachment de Dilma Rousseff, quando uma disputa levou a rompimentos na Brazilian Studies Association (Brasa). Com a determinação da prisão do ex-presidente Lula, esta polarização fica evidente nas entrevistas e artigos dos brasilianistas.
Por mais que as primeiras análises sérias sobre o caso não incluam nenhuma celebração pela decisão do juiz Sergio Moro de decretar a prisão de Lula, é evidente a diferença entre análises. Enquanto alguns veem o avanço de um processo institucional contra a impunidade de elites políticas, outros criticam um suposto ataque à democracia brasileira.
Segundo o brasilianista Matthew M. Taylor, professor da American University especialista em temas relacionados a democracia e corrupção no Brasil, a prisão de Lula é um momento triste para o Brasil, mas é um importante "marco histórico" para o país, pois representa uma mudança na forma como a elite brasileira é tratada pela Justiça, reduzindo a sensação de impunidade.
A avaliação é parecida com a do editor da revista "Americas Quarterly", Brian Winter. Em uma série de textos publicados no Twitter, Winter disse que "a história da Justiça brasileira tem falhas, mas continua a ser uma inspiração em toda a América Latina, mostrando pessoas poderosas na política e os negócios podem ser responsabilizados. Muitos outros tentando imitar."
Winter admite que é impossível justificar por que Lula vai para a prisão quando tantos outros políticos corruptos continuam livres no país. Ele alega, entretanto, que o caso do ex-presidente passou por todo o devido processo legal.
"Lula foi condenado em um julgamento aberto. A decisão foi unanimemente confirmada pela segunda instância. Moções subseqüentes foram rejeitadas pelos tribunais superiores, incluindo o Supremo", disse. Ele ressaltou ainda o fato de que cinco dos seis juízes do STF que votaram contra a moção de habeas corpus a Lula foram nomeados por ele ou por Dilma.
Este também é o tom da análise da revista "The Economist": "Quaisquer que sejam suas falhas e riscos, a luta contra a corrupção marca um avanço. (…) Sem a delação premiada e com a abordagem estreita e formalista da corrupção adotada antes do Mensalão, os contribuintes eram roubados e os eleitores enganados. Pelo menos, isso deve ser mais difícil a partir de agora", diz.
O "Financial Times" segue linha semelhante: "A decisão polêmica, que poderia levar Lula para detrás das grades, marca a queda triste e ignominiosa de um político notável. Mas também mostra que ninguém está acima da lei –um desenvolvimento positivo e até mesmo revolucionário em um país atormentado pelo legalismo extremo, mas também pela grande ilegalidade."
O dissenso é evidente na comparação com a opinião de Mark Weisbrot, codiretor do Centro de Pesquisa Econômica e Política (CEPR), nos EUA. Em um texto publicado pelo CEPR, Weisbrot chama a decisão de Moro de "ataque à democracia".
A prisão de Lula, diz Weisbrot, é uma "clara tentativa de evitar uma volta do Partido dos Trabalhadores ao governo". "A direita brasileira sabe que não teria chance contra Lula nas eleições deste ano, assim como perdeu duas vezes de Lula antes e depois mais duas de Dilma. Então, assim fizeram com Dilma, eles estão usando outros meios para mantê-lo fora do poder", diz.
Weisbrot tem denunciado o que chama de "golpe da elite" desde a época do impeachment. Ele também foi autor de um texto de opinião publicado recentemente pelo "New York Times" alegando que a democracia brasileira estava mergulhando em um abismo.
A crítica à prisão de Lula aparece também em uma carta publicada por um grupo de parlamentares e acadêmicos britânicos no jornal "The Guardian".
"Lula tem sido submetido a uma campanha contra ele, onde seus direitos humanos básicos foram violados. Como parte disso, Lula foi submetido a acusação e condenação políticas, ignorando evidências de sua inocência e desencadeando uma crise de confiança no Estado de Direito. Não se trata apenas de um homem, mas do futuro da democracia no Brasil", diz a carta assinada por 16 políticos e acadêmicos.
O "Guardian" também publicou uma curta análise do pesquisador britânico Richard Bourne, autor de uma biografia de Lula. Para ele, a prisão de Lula deveria servir para acordar a esquerda brasileira, que não deve depender apenas do ex-presidente.
"A ameaça de um retorno a um passado reacionário é muito premente. Basta ver a popularidade do direitista Jair Bolsonaro, um admirador do regime militar, no período que antecede as eleições presidenciais deste ano. A raiva e a decepção com a decisão dos juízes devem ser convertidos em um desejo positivo de limpar o sistema político, acabar com a recessão e levar o país adiante novamente", diz.
A preocupação com a escolha do novo presidente é foco também de um editorial publicado pela rede alemã Deutsche Welle. Segundo o texto escrito por Alexandre Schossler, há muitas evidências contra o ex-presidente Lula, mas sua prisão reforça a ideia de que o Brasil se transformou em um "país de incertezas" às vésperas da eleição.
Para o historiador James Green, professor da da Universidade Brown, a divergência de opiniões é normal. Em entrevista concedida na época do impeachment de Dilma, ele alegou que "se existe uma partidarização no Brasil, seria estranho que brasilianistas não discutissem isso. A polarização está em todo canto, e o debate é normal, faz parte da democracia".
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