Como o cinema fez do Brasil a capital da fuga e do abrigo à contravenção
A reação de uma jovem filmada fazendo sexo em um supermercado de Norwich, na Inglaterra, foi de querer fugir da fama repentina em sua cidade. "Acho que vou me mudar para o Brasil para me afastar de tudo isso", disse, em entrevista publicada pelo tabloide "The Sun".
O país não tem nada a ver com o caso, e a jovem não tem aparentemente nenhuma relação com o Brasil, mas ainda assim foi o lugar escolhido para a "fuga".
A declaração é reveladora sobre a imagem internacional do Brasil. Há décadas, o país se consolidou na mente de muitos americanos e europeus como o destino clássico para a fuga. E isso foi em grande parte construído pelo cinema.
Uma pesquisa realizada por Tunico Amâncio, e publicada no livro "O Brasil dos Gringos: Imagens no Cinema", de 2000, analisa o quanto o país é usado no cinema estrangeiro como uma referência para o maior destino de fugas internacionais.
O livro é uma das principais referências para entender como o Brasil aparece representado no cinema internacional, e como isso se relaciona com a imagem externa do país. Segundo Amâncio, o Brasil uma função dramática específica no cinema estrangeiro, a acolhida de fugitivos de todas as nacionalidades.
"Nos filmes estrangeiros, quase não se foge para Lima, nem para Buenos Aires, muito menos para Assunção. Foge-se mesmo é para o Rio de Janeiro, capital sul-americana do abrigo à contravenção internacional, a se considerar o volume de filmes estrangeiros com esta perspectiva narrativa", diz Amâncio.
Segundo o pesquisador, foge-se para o Brasil pelas mais variadas razões, "sempre em busca de um abrigo legal à sombra de nossas palmeiras, ao som de nossa música, na contemplação de nossas mulatas. Foge-se para um país 'sem fé, nem lei, nem rei' exalando exotismo."
O livro cita uma série de filmes em que importantes personagens usam o Brasil como destino de sua fuga. Obras alemãs, francesas, italianas e, naturalmente, americanas –desde os anos 1930 até exemplos mais recentes– tratam o país como um símbolo dessa fuga final. É assim que o país aparece em "Crown, o Magnífico", em "O Conformista", em "Liebelei, uma História de Amor", em "Nada Além de Problemas", em "Loucos e Nervosos" e dezenas de outros, lista o livro.
Em sua coluna no "New York Times", a jornalista brasileira Vanessa Barbara também apresentou, em 2015, um levantamento de obras mais recentes do cinema que usam o Brasil como cenário de fuga.
"Uma sabedoria conhecida há muito tempos em Hollywood diz que, se você roubou um banco ou vendeu segredos de guerra para o inimigo, ou mesmo se tiver desviado fundos de alguma empresa, você deve fazer as malas e se mudar para o Brasil", diz.
A jornalista traça registros do Brasil como cenário de fuga desde os anos 1950, e analisa como isso pode ter começado a ser usado influenciado pelo fato de que o país não tinha acordo de extradição com os EUA até os anos 1960.
Barbara não cita a pesquisa de Amâncio, mas se refere ao documentário "Olhar Estrangeiro", de Lucia Murat, que é baseado no livro "O Brasil dos Gringos.
"Em geral, o impulso para ir ao Brasil não é nem justificado, nem motivado especificamente. Raramente um personagem explicita o porquê dessa escolha como opção de escape da lei ou de qualquer outro agente reparador. O recurso ao Brasil como etapa final de uma fuga é uma espécie de deus-ex-machina, um expediente fácil que permite à solução dramática uma certa dose de eficiência. Afinal de contas os filmes raramente explicam por que se foge tanto para o Brasil", diz Amâncio.
Dos incontáveis exemplos do cinema, a imagem do Brasil como destino de fuga se consolidou a ponto de virar a referência de uma jovem exposta em uma pequena cidade inglesa. Por mais que ela talvez sequer saiba o que há no Brasil, onde é o país, e como é a vida lá, a reputação como lugar da fuga a faz citar o destino como uma opção natural.
Em uma reportagem de 2015, a rede britânica BBC disse que o Brasil estava tentando se livrar dessa fama internacional. Segundo ela, o país teria se tornado conhecido como um destino seguro para fugitivos graças aos casos de Ronald Biggs (que assaltou um trem no Reino Unido) e do médico nazista Joseph Mengele. Agora, o governo estaria atuando para extraditar rapidamente criminosos estrangeiros, dizia a BBC.
O Olhar Estrangeiro – Lúcia Murat from Leandro Rocha on Vimeo.
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