Como o bumbum brasileiro se tornou um ícone cultural e um símbolo do país
POR CIARA LONG – do Brazilian Report*
As comemorações de carnaval no Brasil se tornam destaque na imprensa internacional todos os anos, normalmente acompanhadas de fotos de musas da escola de samba com pouco mais do que ornamentos e penas. Mas, de acordo com a antropóloga Mirian Goldenberg, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, essa cobertura superficial reforça os estereótipos sobre mulheres brasileiras dentro e fora do país.
"Os estrangeiros têm uma imagem de mulheres brasileiras muito relacionada ao Carnaval", disse ela, em entrevista ao "Brazilian Report". "Mas os corpos expostos durante o Carnaval são realmente corpos muito esculpidos, perfeitos, curvilíneos. A imagem que os estrangeiros vêem dos brasileiros é um corpo muito exposto, quase nu, principalmente no carnaval."
O trabalho de Goldenberg, que começou em 2000, originalmente analisava questões relacionadas a casamento, infidelidade e sexualidade. No entanto, suas descobertas levaram-na a se voltar para as atitudes culturais em relação ao corpo de mulheres no Brasil. Os homens em seu estudo inicial disseram que as bundas das mulheres eram o fator mais importante na atração sexual, e as mulheres também as classificaram entre suas características físicas mais importantes.
A obsessão brasileira com a bunda vem de bem antes da pesquisa de Goldenberg. O Brasil ganhou notoriedade internacional pela primeira vez em 1954 com o concurso de beleza Miss Universo. Martha Rocha, a Miss Brasil da época, perdeu o título de Miss Universo por ter quadris duas polegadas maiores do que o concurso permitia.
Mas, dentro do Brasil, a fixação com o derrière perfeito vem de bem antes na história do país. Gilberto Freyre, o antropólogo brasileiro creditado como um dos poucos capazes de explicar algumas das complexas nuances culturais do Brasil, sugeriu que ideias brasileiras em torno de bumbuns perfeitos veem desde colonização.
A bunda como uma obsessão cultural duradoura
Em 1984, Freyre apresentou uma explicação de 26 páginas sobre o que ele chamou de "preferência nacional". Os colonizadores portugueses muitas vezes se misturaram à força com mulheres escravizadas de ascendência indígena e africana –muito mais do que os espanhóis no resto da América Latina. Esta idealização cultural de um bumbum mais arredondado se manteve até meados do século 20, quando se tornou um tema de discussão da cultura pop.
No início da década de 1960, alguns dos músicos mais famosos do Brasil se voltaram para a parte traseira das brasileiras para se inspirarem. Manuel Bandeira e Vinícius de Moraes inventaram a expressão "latifúndio dorsal" para descrever a parte traseira feminina ideal –um termo que fala muito sobre o tamanho e os valores atribuídos às bundas das mulheres. Tom Jobim e Vinicius de Moraes também se inspiraram na mesma fonte para o que é indiscutivelmente uma das canções mais famosas do Brasil, "Garota de Ipanema".
Nádegas femininas idealizadas se proliferaram na cultura pop brasileira durante a década de 1970. Duas dançarinas em particular, Gretchen e Rita Cadillac, estavam entre as primeiras artistas femininas a conquistar a fama por seus bumbuns, lutando rotineiramente para serem conhecidas como "Rainha do bumbum do Brasil".
"A partir de 78, com Gretchen, surgiu a 'bunda music', explorando a sexualidade feminina e indo direto ao ponto", explicou Rodrigo Faour, autor de "História sexual da MPB", em entrevistas à mídia brasileira, dizendo que esse legado perdura na cultura pop até hoje. O recente sucesso do cantor Anitta, "Vai Malandra", que tem letra e vídeo centrados nos intrincados movimentos do quadril da artista, é mais uma prova disso: quando foi lançado, em dezembro de 2017, o vídeo recebeu mais de 14 milhões de visualizações nas primeiras 24 horas no YouTube.
A internacionalmente famosa Miss Bumbum é outra manifestação do poder da bunda como símbolo cultural no Brasil. O concurso, cujo único objetivo é julgar as nádegas de mulheres, foi criado em 2011 e catapultou várias mulheres para seus 15 minutos de fama. O Miss Bumbum seleciona uma representante de cada estado brasileiro para competir umas contra as outras pelos votos on-line de seus admiradores. A competição é tão feroz que, em 2017, várias candidatas foram punidas por usar robôs para distorcer os resultados.
A edição de 2018 do Miss Bumbum será a última. "Eu não quero que o concurso se torne uma piada que não é mais engraçada. Temos de sair enquanto estamos no topo", disse Cacau Oliver, o criador da competição. A última edição do Miss Bumbum incluirá, pela primeira vez, uma mulher transgênero.
Mulheres brasileiras enfrentam consequências para a saúde
"Vai Malandra" foi aplaudida nas redes sociais por sua cena de abertura, que se aproximou das nádegas de Anitta e mostrou celulite com ousadia. "Difícil de colocar em palavras a importância de Anitta para mostrar a celulite no primeiro segundo do vídeo", dizia um tweet.
No entanto, a indústria de cirurgia plástica em expansão conta outra história. Entre 2012 e 2014, o número de cirurgias de implante de silicone nas nádegas cresceu 547% no Brasil, de acordo com a International Society for Aesthetic Plastic Surgery.
A demanda por técnicas de enchimento que retiram gordura de outra parte do corpo e injetam-na nas nádegas, uma cirurgia desenvolvida pelo Dr. Ivo Pitanguy e apelidada de "Brazilian Butt Lift", também cresceu. A cirurgia, que pode dobrar o tamanho da parte traseira da paciente, também encontrou popularidade internacional; A International Society for Aesthetic Plastic Surgery registrou cerca de 320 mil cirurgias desse tipo em 2015.
Apesar da popularidade, o procedimento de preenchimento é arriscado. Mas a advertência do Conselho Federal de Medicina do Brasil (CFM) contra o procedimento não muda muito para as mulheres brasileiras, que continuam buscando a perfeição através da cirurgia plástica, apesar dos riscos para sua saúde. Isso se estende até a áreas mais íntimas, com um aumento de 80% nas cirurgias entre mulheres brasileiras que procuram aperfeiçoar a forma de seus órgãos genitais em 2016.
Enquanto isso, a pressão para alcançar o corpo perfeito tem um peso psicológico para muitas mulheres brasileiras. "As mulheres brasileiras são as mulheres que mais investem, se preocupam e são mais insatisfeitas com seus próprios corpos", disse a antropóloga Goldenberg.
Mas, diz Goldenberg, há motivo de esperança. Mesmo em cidades de praia como o Rio, onde a pressão para se divertir em roupas mínimas é alta, as mulheres ainda exibem formas corporais muito mais diversas do que os ideais promovidos pela indústria de beleza e da cirurgia plástica. "Assim como a brasileira sofre indefinidamente por não ter um corpo que se encaixa no 'perfil' –que a maioria não tem– muitas ainda têm orgulho em mostrar seus corpos", disse ela. "A mulher brasileira é um paradoxo".
*A versão original deste texto foi publicada em inglês pelo "Brazilian Report", site produzido por um grupo de jornalistas e pesquisadores que buscam ajudar estrangeiros a entenderem o Brasil
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