Com problemas internos, Brasil esqueceu do mundo, diz pesquisador de imagem
A edição mais recente do índice internacional que mede as contribuições da cada país para o bem da humanidade e do planeta mostrou que o Brasil perdeu mais de 30 posições, caindo do 43º lugar para um distante 80º no ranking global. Segundo o Good Country Index (GCI), o Brasil se perdeu em seus próprios problemas e se transformou em um país que não atua tão intensamente para melhorar o mundo.
"O Brasil tem lidado com problemas internos, que tiraram atenção do papel do Brasil no mundo. O Brasil precisa se recuperar e voltar a dar atenção para qual o papel que o país tem no mundo, e como pode contribuir para a humanidade e o planeta", explicou ao blog Brasilianismo o pesquisador Robert Govers, responsável pela análise de dados usados no GCI.
Govers é um dos principais pesquisadores do mundo em estudos sobre place branding, análises que tratam a imagem de lugares como se fossem marcas. Ele é diretor da associação internacional de acadêmicos da área (IPBA) e desenvolveu a análise de dados do GCI ao lado de Simon Anholt, consultor que cunhou a associação entre nações e marcas: nation branding. Segundo ele, a contribuição de um país para o planeta tem uma correlação de cerca de 80% com a qualidade da reputação do país no mundo.
Na entrevista abaixo, ele explica que a terceira edição do GCI passou por mudanças metodológicas, e que parte da queda do Brasil no ranking se justifica por isso. Ainda assim, avalia que a mudança tão drástica do status do país no índice indica que há problemas na postura do Brasil em relação ao mundo.
Segundo Govers, por conta da cobertura que a imprensa internacional fez das crises internas do país, a realização da Olimpíada e da Copa do Mundo no Brasil não tiveram o efeito esperado de promover o país, e acabaram atrapalhando a imagem internacional do Brasil. "É uma vergonha que o país tenha gastado tanto dinheiro em grandes eventos e a imagem tenha piorado."
Brasilianismo – O Brasil perdeu mais de 30 posições no ranking do Good Country Index. O que explica isso?
Robert Govers – O Brasil caiu 33 posições desde a última revisão de dados na edição anterior. É preciso entender, entretanto, que fizemos muitas mudanças desde o primeiro índice. Tanto que não vemos as edições como continuações umas das outras. Não chamamos de edições anuais, mas de edição 1, edição 1.1 e edição 1.2. Isso indica que não são apenas dados atualizados, mas edições com métodos de pesquisa diferentes, que não devem ser comparados diretamente. Aumentamos o número de países analisados e trocamos a fonte de dados, para ter informações mais completas sobre cada um dos países. O ranking mudou, e não deve ser comparado diretamente, pois houve muitas mudanças. Mudamos até mesmo a fonte de alguns dos dados usados nos estudos. Isso tem impacto potencial no ranking. Outro ponto importante é que o primeiro ranking foi feito baseado em dados de 2010, o segundo foi com dados de 2011 e o mais novo usou dados de 2014, então há uma mudança temporal muito maior, o que mostra mais mudanças.
Brasilianismo – Mas, no caso do Brasil, a mudança parece ter sido muito drástica para ser só uma questão de metodologia, não acha?
Robert Govers – Sim, a mudança foi significativa, e não pode ser totalmente ignorada. Não é pouco comum que países tenham mudado 10 ou 20 posições nos rankings mais atuais, mas mais de 30 realmente revela algo maior.
O que gerou maior mudança do Brasil foi o atraso no pagamento de contribuições à Unesco, e a falta de pagamento a missões de paz da ONU. São dois pontos que eram positivos para o Brasil nas edições anteriores e que se tornaram muito negativos. Isso resultou na enorme queda do país em alguns dos pontos centrais da análise. As dimensões da Cultura e de Paz e Segurança foram as que mais afetaram a posição do brasil.
Mas claro que o país caiu posições em quase todos os outros quesitos analisados, o que indica que há uma mudança geral na postura do país, sim.
Brasilianismo – O Índice Good Country tem uma avaliação diferente dos países, não é uma questão de reputação, mas de indicadores reais. Ainda assim, a imagem do Brasil tem despencado em rankings que fazem esta avaliação de imagem. Acha que é possível alinhar essas duas questões e ver como uma tendência gerada pela crise interna no país?
Robert Govers – Não há uma resposta definitiva para isso. A questão da piora da imagem do Brasil está muito ligada ao volume da cobertura de imprensa que o país vem recebendo nos últimos anos. O fato de o Brasil ter sediados a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, que foram feitos para melhorar a imagem do Brasil, não ajudou em nada. Pelo contrário.
O que acontece com esses mega-eventos é que eles atraem muita atenção internacional, o que mostra aspectos positivos, mas também negativos do país. Então houve uma cobertura muito intensa da mídia, gerando muita atenção internacional em torno da crise política e econômica, e isso se combinou para gerar uma percepção negativa na cabeça das pessoas.
É uma vergonha que o país tenha gastado tanto dinheiro em grandes eventos e a imagem tenha piorado. O Brasil não foi o único país a passar por isso. Vimos casos parecidos com a Rússia e a África do Sul, países ouvirem que realizar eventos bem sucedidos melhora a reputação. Aí os holofotes ficam sobre o país por um tempo, mas os jornalistas preferem histórias negativas a histórias positivas e procuram problemas, que acabam tendo muita atenção no mundo. Quando se realizam grandes eventos, é preciso pensar numa forma de melhorar realidade do país, pois a imprensa não vai procurar só mostrar coisas boas.
Brasilianismo – Qual é a conexão entre a mentalidade de um projeto como o Good Country e o trabalho com o desenvolvimento de imagens internacionais, e marcas de lugares (place branding)?
Robert Govers – Se você tiver uma perspectiva internacional em questões políticas e agir internamente pensando no benefício não apenas das pessoas em seu território, mas em todo o mundo, isso vai melhorar a reputação do país no mundo.
A correlação entre o Good Country e índices de imagem como o Nation Brands Index é de em torno de 80%. Ou seja, quanto mais os países trabalham para o bem da humanidade, maior a probabilidade de o país ter uma boa reputação internacional.
É um nível muito alto de correlação. Países são admirados pelo que eles fazem, não pelo que eles dizem sobre si mesmos. Esse é o caso de grandes eventos globais. O que melhora a imagem não é fazer uma grande festa, mas como o evento vai ajudar o país e o mundo, posicionando o país de forma relevante para o resto do planeta.
Brasilianismo – Como o Brasil pode melhorar sua posição no mundo? Pagar à Unesco e à ONU já melhoraria?
Robert Govers – Não é tão simples assim, e o GCI não quer só que os países busquem melhorar sua posição no ranking. A ideia é que os políticos dos países entendam que não servem apenas a seus cidadãos, mas a todo o mundo. Não devemos nos apegar a pequenas questões, mas à pintura geral.
O Brasil tem lidado com problemas internos, que tiraram atenção do papel do Brasil no mundo. O Brasil precisa se recuperar e voltar a dar atenção para qual o papel que o país tem no mundo, e como pode contribuir para a humanidade e o planeta.
Brasilianismo – Como você acha que o Good Country está evoluindo? Há uma crítica de que pode ser visto como um projeto ingênuo, de pensar o bem do planeta, mas a proposta tem se tornado mais aprofundada e atraído atenção internacional.
Robert Govers – Não tenho certeza se é uma ideia ingênua. É uma ideia grande e desafiadora, e vai ser um fenômeno gigantesco se pudermos fazer com que governos e populações passem a pensar no impacto global de suas ações. Temos trabalhado com governos internacionais há muito tempo e vimos que há decisões políticas que precisam ser pensadas de uma perspectiva internacional, buscando formas de colaboração global e avaliando o impacto das decisões no exterior. Acho que é algo possível de se pensar e que é bom avaliar as decisões de governos a partir de uma perspectiva internacional. O desafio está em entrar na mentalidade dos eleitores e de políticos populistas, pois o que temos visto com Trump e o 'brexit' é uma postura contrária, de colocar um país à frente do resto do mundo. É um grande desafio, mas pode ser alcançado. Uma perspectiva menos egoísta sobre o que países fazem.
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