Reação a caso Lochte reflete obsessão do Brasil por sua imagem no mundo
A forte reação do Brasil e dos brasileiros ao caso do nadador americano Ryan Lochte, que mentiu ao alegar ter sofrido um assalto no Rio durante a Olimpíada, é um reflexo da obsessão nacional pela reputação internacional do país e da baixa autoestima nacional ao ver notícias negativas sobre o país no resto do mundo.
Segundo o jornalista e escritor americano Alex Cuadros, ex-correspondente da Bloomberg no Brasil e autor do livro "Brazillionaires", sobre os megarricos do país, a peculiaridade cultural do país, que se preocupa com a reputação que tem no mundo desenvolvido, é uma justificativa para a dimensão que o caso tomou.
"A intensidade das reações – tanto as oficiais quanto as extraoficiais – também apontam para uma peculiaridade cultural maior. Há tempos é comum que os brasileiros fiquem obsessivos sobre o que o mundo desenvolvido pensa deles. Mesmo quando a Olimpíada não está acontecendo, a mídia local constantemente publica reportagens sobre o que veículos americanos e europeus estão dizendo sobre o Brasil. Lochte sem querer tocou o terceiro trilho da identidade nacional", avalia Cuadros, em artigo publicado na revista americana "The New Yorker". Quando deu entrevista sobre seu livro, Cuadros já comentou que percebia essa obsessão enquanto vivia e trabalhava no país.
A existência deste blog Brasilianismo, dedicado a tentar entender essa reputação do Brasil no exterior, e a publicação deste post são provas vivas dessa tese de Cuadros. A obsessão brasileira pela imagem internacional do Brasil é um tema corrente neste blog Brasilianismo, que já publicou textos explicando a importância dessa reputação global. Além de entender o que se pensa sobre o país, um dos objetivos do blog é entender por que os brasileiros se interessam tanto pelo que se fala sobre o país no exterior.
Leia também: A importância da imagem do Brasil que repercute na imprensa internacional
A reputação internacional tem influência sobre a posição diplomática e econômica de um país no mundo, e é relevante para todas as nações. Cuidar da forma como o país é visto é algo natural, mas no Brasil aparece de forma mais exagerada e há mais tempo.
A preocupação nacional com a forma como o país é visto é histórica. Desde o século 19, quando o país se tornou independente e quando virou República, estava claro o objetivo nacional de promover no mundo uma imagem de nação grande e moderna. Mais recentemente, ela fica evidente nas reações em redes sociais todas as vezes em que o Brasil é criticado no resto do mundo.
Cuadros explica que a obsessão com a imagem do país estava presente na própria candidatura do Rio a sediar a Olimpíada, e lembra que o ex-presidente Lula queria que o Brasil mostrasse ao mundo que era um país de "primeira classe". "Assim como têm orgulho do samba, do carnaval e do futebol, brasileiros esperavam mostrar ao mundo que seu país é mais do que isso", diz.
Seu artigo destaca a importância do "complexo de vira-latas" no país, e diz que o Brasil tem um tipo de "excepcionalismo invertido", marcado por baixa autoestima na qual os brasileiros são os primeiros a indicar os problemas nacionais.
"Mesmo com todos os seus recursos naturais e seu tamanho continental, o Brasil sempre parece ficar aquém do seu potencial, nunca conseguindo encontrar seu lugar no clube das nações desenvolvidas", diz.
Nesse contexto, enquanto a Olimpíada aumenta a visibilidade internacional do país e propaga notícias negativas sobre ele no resto do mundo, "o caso Lochte se encaixou perfeitamente", diz.
De fato, a notícia sobre o assalto aos nadadores, divulgada com destaque internacional no início da semana, ajudou a divulgar uma imagem de um país incapaz de proteger mesmo os atletas no evento global. A violência brasileira foi estampada nos principais jornais do mundo, "manchando a imagem do país".
Em compensação, a revelação de que os americanos mentiram aparenta ter ganho um destaque igual ou maior em todo o mundo. A própria revista "The New Yorker" publicou até mesmo uma correção de uma charge divulgada durante a semana. No desenho atualizado, o policial comenta que os nadadores estão do lado errado do vidro, dando a entender que os suspeitos são eles mesmos.
Isso ajuda a mostrar que "em países sérios, você não pode mentir para polícia e escapar com isso", como argumentou o especialista em América Latina do centro de pesquisas Council of the Americas, em Washington, Brian Winter em entrevista à BBC Brasil.
Por outro lado, ainda há analistas internacionais que acham que o Brasil exagerou na sua reação ao caso, como a colunista Nancy Armour, do jornal americano "USA Today". Depois de publicar um texto inicial em que dizia que a veracidade da história de Lochte era "irrelevante", ela continuou criticando a polícia do Rio mesmo depois de os nadadores admitirem que mentiram e pedirem desculpas.
Segundo ela, mesmo que Lochte seja culpado por mentir, a polícia brasileira errou a dose ao tratar a falsa denúncia de crime como um "crime capital". "Se ao menos a polícia se preocupasse tanto com o mal realizado contra seus cidadãos todos os dias", disse, citando dados da violência da cidade.
De forma semelhante, mas mais bem articulada e embasada, o colunista da BBC Brasil Tim Vickery defendeu que a criminalidade real do Rio não deve ser escondida.
"É por esse motivo que uma cobertura exagerada sobre esse assunto é preferível a uma que procure minimizar os perigos. As maiores vítimas da violência são os próprios cariocas. E os ricos têm mais possibilidade de se proteger, nos seus condomínios fechados e espaços privados. Quem sofre mais são as pessoais normais", diz.
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