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Anthony Pereira: Nomeação de Lula acelera fim (incerto) da crise no Brasil

Daniel Buarque

20/03/2016 10h03

O diretor do Brazil Institute, Anthony Pereira, durante viagem ao Pantanal (Foto: Mariana Campos)

O diretor do Brazil Institute, Anthony Pereira, durante viagem ao Pantanal (Foto: Mariana Campos)

O jornal "O Estado de S.Paulo" publicou neste domingo uma longa entrevista com o brasilianista e cientista político Anthony Pereira. Para ele, a nomeação de Lula para a Casa Civil cria um novo cenário para a crise política no país, e indica que o Brasil caminha para sua luta decisiva. Segundo ele, entretanto, o destino desse confronto não deve ser decidido nas ruas, e sim nos tribunais de Curitiba e Brasília e nos corredores do Congresso Nacional.

Pereira é diretor do Brazil Institute do King´s College, em Londres, e já deu várias entrevistas a este blog do Brasilianismo e é autor do prefácio à nova edição do livro "Brazil, um País do Presente". Na entrevista ao Estadão, o brasilianista disse achar um equívoco o uso de comparações da situação atual com o que aconteceu no país em 1964 ou em 1992. "Talvez não haja precedentes, o que explica que as pessoas busquem no passado uma data ou acontecimentos que entender os acontecimentos de hoje", disse.

Leia abaixo um trecho da entrevista

Clique aqui para ver a entrevista completa no Estadão

Estado de S.Paulo – Qual é a sua análise sobre os últimos desdobramentos da crise: a escolha de Lula como ministro-chefe da Casa Civil?
Anthony Pereira – Vejo isso como uma tática que tem muito risco para Dilma. Ela tenta ajudar Lula, mas também fortalecer o governo, apostando muito forte na capacidade de Lula de formar uma maioria no Congresso e acalmar os ânimos na Câmara, em relação ao impeachment. É muito arriscado porque a percepção é de que ela está ficando em segundo plano no próprio governo dela. Outro risco é provocar uma onda de indignação nas ruas, na Justiça, no Congresso, e Lula não vai ter essa capacidade de fortalecer o governo. É um showdown. Ela está acelerando a resolução da crise.

Estado de S.Paulo –  Dois caminhos estão em questão para a eventual queda de Dilma Rousseff: o impeachment ou a decisão do TSE. Qual é a sua análise sobre as alternativas?
Anthony Pereira – Para mim, o impeachment é mais provável, porque tem precedente, já aconteceu em 1992 com Collor. O calcanhar de aquiles no impeachment como vem sendo feito é que as pedaladas não são um argumento muito forte. Se compararmos com as evidências de envolvimento pessoal de Collor em 1992, é muito mais forte do que no caso de Dilma. Outros presidentes se engajaram na mesma prática. É verdade que, no Estado de Direito, é preciso começar a melhorar o sistema a partir de algum ponto. Por outro lado, se (as pedaladas fiscais) eram uma prática comum, isso parece mais fraco. Já o TSE seria um precedente muito interessante. Se não estou enganado, aconteceram cassações no caso de alguns governadores de Estado, mas nunca no nível presidencial. O problema para essa decisão do TSE é: as campanhas de outros candidatos também não eram totalmente lícitas? Gera esse problema da seletividade, que é endógeno em qualquer decisão jurídica. Creio que o impeachment é mais provável porque não envolve um salto tão alto.

Estado de S.Paulo – O senhor acredita no risco à ordem institucional? O Brasil pode sofrer algum tipo de golpe militar, político ou jurídico?
Anthony Pereira – Boa pergunta. O diálogo entre governo e oposição nesse momento é fascinante. Eles estão usando metáforas, como o golpe de 1964, para os favoráveis ao governo, e o impeachment de 1992, para os opositores. Mas, na minha opinião, nenhum dos dois eventos é correto para descrever o que se passa hoje. O que os defensores do governo dizem é que a oposição está tentando ultrapassar os limites institucionais e constitucionais – o que para mim até agora não aconteceu. Sei que há uma larga interpretação, mas não vejo esse tipo de brecha institucional neste momento e, felizmente, hoje ninguém fala no uso de Forças Armadas como um ator relevante. Eu concordo com Leonardo Avritzer, professor da UFMG, que diz que a palavra "crise" não deveria ser utilizada para descrever o atual momento, porque até agora não houve ruptura institucional. De outro lado, em 1992 houve evidências de envolvimento pessoal do presidente na corrupção, com muitos dados sobre o assunto. Por enquanto, e não considerando o testemunho do senador Delcídio do Amaral, que até agora não faz parte das evidências consideradas pelo Congresso, a alegação para o impeachment de Dilma Rousseff é muito diferente da de Collor e diz respeito às manobras fiscais. Mas isso é muito comum em todo o mundo. O governo britânico faz isso todos os anos, inventa mecanismos para esconder dívidas e maquiar as contas públicas. O chanceler britânico George Osborne (ministro das Finanças) está sendo acusado disso neste momento. Para mim, 1992 também não é uma boa analogia para explicar 2016. É importante achar uma metáfora que funcione. Ou talvez não haja precedentes, o que explica que as pessoas busquem no passado uma data ou acontecimentos que entender os acontecimentos de hoje.

Estado de S.Paulo – Desde Getúlio Vargas, é recorrente no Brasil a interrupção ou a tentativa de interrupção de mandatos de presidentes eleitos, seja via golpe, seja via pedidos impeachment. Desde a Constituição de 1988, os pedidos de impeachment foram recorrentes. A sociedade brasileira como um todo não tem uma mentalidade golpista, inclinada à derrubada de governantes do poder?
Anthony Pereira – Eu não diria golpista, mas vejo um investimento muito forte na figura do líder, do presidente – e isso para o bem ou para o mal. Em uma democracia, elevar ou negar o líder é perigoso. Em um artigo de Joshua Rothman para a revista The New Yorker, o autor cita um livro de Elizabeth Samet que menciona uma carta escrita por John Adams, presidente dos Estados Unidos no século 18: "(Adams) sugeriu, numa carta a um amigo, que havia algo antidemocrático e imprudente na idolatria da liderança". Vejo no Brasil ciclos de "salvadores da pátria" e "inimigos número 1". Vi isso muito claramente com José Sarney, Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso. Talvez a única diferença em relação a Lula é que está acontecendo após o seu período na presidência. Então, não digo que a mentalidade seja golpista, mas que há um investimento exagerado nas características do líder para salvar a democracia. E para mim é muito importante ter equilíbrio. O Brasil é um país rico e complexo. Nenhum líder será um mágico que transformará o país de imediato. Essa transformação é um processo longo.

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Sobre o Autor

Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.

Sobre o Blog

O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.

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