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Leslie Bethell: Esquerda fracassou e precisa se reorganizar para não morrer

Daniel Buarque

14/03/2016 17h16

Leslie Bethell: Esquerda fracassou e precisa se reorganizar para não morrer

Leslie Bethell: Esquerda fracassou e precisa se reorganizar para não morrer

Por Darcio Pimenta

O Brasil enfrenta uma pesada recessão após ter fechado 2015 com uma alta inflacionária e aumento no número de desempregados, em que cerca de 3 milhões de brasileiros perderam seus empregos em um único ano. Para 2016, o cenário não será diferente. Além dos sérios problemas econômicos o governo enfrenta um dos maiores desafios ja vistos na história do país: resistir ao impeachment e às investigações de corrupção. O governo passará o ano fazendo uma gestão de crise, e os assuntos importantes para a população como educação, segurança e saúde ficarão fora do debate. Os erros foram muitos, e a conta chegou ao governo do PT.

Diante desse cenário, surge a necessidade de uma discussão sobre as origens da esquerda no Brasil e de como sera seu futuro. No último dia 8, o professor Leslie Bethell realizou uma palestra na King's College London com o tema "The failure of the left: A Brazilian Tragedy" (O fracasso da esquerda: uma tragédia brasileira). Bethell é professor Emérito de História da América Latina da Universidade de Londres, pesquisador emérito da faculdade de St. Antony, de Oxford, acadêmico sênior do Centro Internacional Woodrow Wilson e, desde 2011, professor visitante do Instituto Brasil, da King's College Londres, onde leciona um termo por ano. Ele também foi diretor do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Londres, fundador e diretor do Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford e editor da Cambridge History of Latin America.

Com um contexto histórico, o professor abordou a esquerda e explorou o início da esquerda no Brasil, que se deu partir da década de 1920, com a chegada e influência dos imigrantes, introduzindo o anarquismo e anarco-sindicalismo pelos italianos e espanhóis, influenciando a pequena classe trabalhadora da época com movimentos de greve, particularmente nas pequenas indústrias, nos portos de Santos e Rio de Janeiro e em serviços de utilidade pública. Diferente de outros países da América do Sul, como a Argentina e o Chile, o Brasil nao possuía nenhum partido político de esquerda. Foi então que, em 1922, surgiu o PCB – Partido Comunista Brasileiro -, com pouco impacto politico, exceto em 1935, quando participou da Aliança Nacional Libertadora. Mas o mais importante foi impacto que veio com o fim da Segunda Guerra Mundial, quando obteve cerca de 10% dos votos na eleição elegendo Luiz Carlos Prestes como senador, mas em 1947 o registo do partido é cassado pela segunda vez tornando-o ilegal.

Em 1945 surgiu a esquerda democrática, transformando-se no Partido Socialista Brasileiro em 1947, que defendia a socialização dos meios de produção, embora ainda pequeno, os socialistas sofreram grande repressão seguida da extinção durante o golpe militar de 1964. Após a Segunda Guerra Mundial, o espaço político na Europa Ocidental foi ocupado por socialistas, social-democratas e pelos partidos eurocomunistas, enquanto na América Latina, pelo populismo. Ainda em 1945, o Partido Trabalhista Brasileito (PTB), fundado por Getúlio Vargas, foi um grande exemplo de partido populista com a ideologia "trabalhismo", utilizando uma expressão política de controle do Estado e sindicatos. O curioso é que o PTB por muitos anos foi o representante socialista brasileiro no mercado internacional.

Nos anos 1960 com a ideológica radicalização pós Cuba, os líderes mais radicais do PTB, juntamente com alguns comunistas, incentivaram o então presidente reformista João Goulart a ter uma total abertura para a esquerda. Como consequência imediata, após alguns dias os Estados Unidos forneceram todo o apoio para o golpe militar em março de 1964. Com isso, a esquerda falhou em transformar de forma radical a sociedade Brasileira. Para o professor, a esquerda, antes da chegada do PT, foi considerada um fracasso no país.

No final do regime militar, um novo partido político de esquerda surgiu, o Partido dos Trabalhadores – PT -, como um reflexo da mudança social ocorrida no país devido ao rápido crescimento populacional e econômico e da forte industrialização que ocorreu entre 1940 e 1980. O PT foi criado em 1980, e surgiu com a intenção de organizar os sindicatos e os trabalhadores industriais especificamente em São Paulo. O programa do Partido dos Trabalhadores é um programa socialista que visa mudar radicalmente a sociedade brasileira com o fim da desigualdade e da extrema pobreza.

Em duas décadas, o Partido dos Trabalhadores, liderado por Lula, teve um forte aumento da popularidade e cresceu consideravelmente sua representação no Congresso Nacional. Em 2002, pela primeira vez, tornou-se o maior partido na Câmara dos Deputados e o maior no Senado Federal, além de grande ter representação nos Governos Estaduais e Prefeituras, chegando a ser considerado o maior e mais importante partido político de esquerda na América Latina.

E, finalmente, em Outubro 2002, em sua quarta disputa, Lula venceu a eleição presidencial após perder em 1989 (Fernando Collor), 1994 e 1998 (Fernando Henrique Cardoso). Foi a vitoria mais importante da esquerda na América Latina desde a eleição de Salvador Allende no Chile em Setembro de 1970.

A eleição de 2010 foi bem interessante, na visão do professor, porque foi a primeira vez que o termo "Lulismo" foi utilizado, considerado como o novo populismo de esquerda. O PT realizou uma campanha totalmente populista, com foco em eliminar a extrema pobreza, o povo contra a elite, como também uma política econômica populista. Apesar do foco da campanha, Lula publicou a "Carta aos Brasileiros" onde prometia não alterar a política econômica do país, fato que gerou muita discussão e controvérsias no partido.

Para sua sucessão, Lula escolheu a Ministra Dilma Rousseff, ficando claro que não foi uma escolha do partido, e sim do próprio Lula. O interessante nesse caso é que Dilma não possuía nenhum histórico petista, pois foi filiada ao PDT até 2001. Na opinião do professor, Dilma não é uma pessoa preparada para o cargo presidencial, e ainda depende muito dos conselhos de Lula. Sua personalidade e inexperiência não são nem um pouco favoráveis em lidar com o sistema político Brasileiro, que demanda muito devido à quantidade de ministerios, 39 no total, e com os diversos partidos politicos.

A desaceleração econômica teve início em seu governo devido a sua incapacidade de lidar com as novas demandas sociais, como a melhora da saúde pública e educação, através dos protestos que tomaram ruas do país. A corrupcao também tornou-se um grave problema em seu governo, com diversos escândalos envolvendo políticos do seu partido e, mais recentemente, o início da operação Lava Jato, que investiga o desvio de recursos da Petrobras. Mesmo com o declínio da sua popularidade, Dilma conseguiu se reeleger em 2014 com uma diferença muito pequena em relação ao candidato Aécio Neves (PSDB).

Já em 2015, com a contínua e acentuada queda da popularidade de Dilma e do governo PT, o país começou a sentir os impactos de uma forte depressão econômica, acumulando um crescimento negativo de 3.8%, culminando em uma grave crise social com o aumento da inflação, do desemprego e da inadimplência, resultado da grande oferta de crédito no governo Lula. Além da crise econômica, o Brasil enfrenta também uma grave crise política. A presidente Dilma perdeu o controle do governo e hoje sua aceitação atingiu os 10%, correndo um grande risco de perder seu mandato atraves de um impeachment, cassacao pelo TSE ou, quem sabe, entregar o governo através da renúncia.

E qual o futudo da esquerda? Ainda não está claro, mas sabemos que o Partido dos Trabalhadores é o partido de maior expressão esquerda no Brasil. Com 36 anos de existência e 13 anos no poder, o PT passou a viver um período de muitas tensões internas, culminando com a saída de diversos políticos, além de outros membros partidários, para outras legendas de esquerda como o PSOL e PDT. O PT mudou muito ao longo desses anos, diversos líderes e membros do partido passaram a ser investigados pelas autoridades competentes em crimes de corrupção. Alguns já foram condenados e continuam presos e outros estao aguardando decisão do Supremo Tribunal Federal. Com os recentes acontecimentos, como vimos há alguns dias, Lula, um dos fundadores do partido, passou a ser formalmente investigado. Como consequência disso, existe uma real possibilidade de Dilma tambem ser investigada pela primeira vez, comprometendo ainda mais a crise política do país e a imagem do Partido dos Trabalhadores, com a perda do apoio social.

A contração da esquerda e o conservadorismo que atualmente modera o Congresso, representaram um forte retrocesso na democracia brasileira. Para não morrer, é necessario que a esquerda se reorganize e que seja ativa, tanto no governo ou mesmo na oposição.

Darcio Pimenta é administrador e possui em mestrado em Brazil in Global Perspective pelo King's College London.

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Sobre o Autor

Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.

Sobre o Blog

O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.

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