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Aperto do Brasil está longe do que houve na Espanha, diz analista político

Daniel Buarque

23/11/2015 12h11

"A construção de uma presidente", livro de Luis Tejero sobre a eleição de Dilma

Quando ouve os brasileiros falando de forma dramática sobre a crise econômica no país, o correspondente e analista político espanhol Luis Tejero sente que as pessoas precisam pensar na situação do Brasil em uma perspectiva mais ampla. "O aperto econômico não é igual ao da Espanha", disse, em entrevista ao blog Brasilianismo.

Tejero cita que seu país chegou a ter mais de 25% de desemprego, com 50% de desocupação entre os jovens. "O Brasil não está nem perto disso. Aqui ainda há mais oportunidades", explica.

Ex-correspondente do jornal espanhol "El Mundo" no Brasil, Tejero vive no Rio de Janeiro, é diretor da Mosaiq, uma agência de comunicação e consultoria política, e escreveu o livro "La Construcción de una Presidenta: Cómo Lula convirtió a Dilma en la primera jefa de Estado de Brasil" (A construção de uma presidente: Como Lula transformou Dilma na primeira mulher chefe de estado do Brasil), sobre a primeira eleição de Dilma Rousseff.

Em meio à atual crise política no país, Tejero diz que é difícil entender a "bagunça que está acontecendo no Brasil", e mais difícil ainda explicar isso aos espanhóis.

"A política brasileira é quase impossível de entender para o espanhol. Até pouco tempo atrás, a Espanha tinha apenas dois partidos de relevância nacional, agora são quatro, então é mais simples de que a realidade brasileira com quase 40 partidos. Fica difícil entender quem é direita e esquerda, entender os posicionamentos políticos. Há partidos que apoiam o governo, mas ao mesmo tempo apoiam o impeachment. Isso é dificil para um espanhol entender."

Leia abaixo a entrevista completa.

Brasilianismo – Seu livro se chama "A Construção de uma Presidenta". Considerando o momento atual, estamos vivendo a 'desconstrução' da presidente?

Luis Tejero – O livro foi meu trabalho de mestrado, e minha tese é que a primeira eleição de Dilma, em 2010, foi realmente a terceira vitoria de Lula. Foi ele que ganhou, e não ela. Já em 2014, foi ela que ganhou a eleição.

Agora acho que estamos realmente assistindo a um momento difícil. Não sei se podemos falar em desconstrução, pois em alguns momentos parece que estamos vendo a verdadeira Dilma. Ela é guerreira, fala de forma sincera e usa palavras duras. Talvez este seja um caminho para sair da crise, ela tendo uma posição mais forte e mais independente dos aliados. Ela continua sendo presidente, e ainda tem força e pode aproveitar seus três anos que restam do mandato. Mas ela está enfraquecida pela baixa popularidade.

Brasilianismo – Qual você acha que pode ser a saída para as crises do Brasil?

Luis Tejero – Politicamente, só tem uma solução, mas que parece impossível. Seria preciso um grande acordo entre os principais partidos políticos pela estabilidade. Mas, com esta baixa popularidade de Dilma, fica complicado achar que outros partidos vão apoiar o governo. Apoiar Dilma agora é se associar à baixa popularidade dela.

Estamos no momento em que o país está quase parado, bloqueado politicamente. Pelo menos até as eleições municipais, em outubro, o Brasil vai ficar nessa situação de incertezas.

Brasilianismo – As pessoas na Espanha conseguem entender a gravidade da crise no Brasil?

Luis Tejero – Os jornais espanhois têm pouco interesse pelo que acontece na América Latina. Os jornais espanhóis são obcecados pelo que acontece no Oriente Médio, que realmente é uma região importante. Mas a Espanha tem uma relação forte com a América Latina, e 500 anos de relações com a região, então os jornais espanhóis deveriam se preocupar mais com o que acontece com a America Latina.

Infelizmente jornais e TVs da Espanha falam pouco sobre o Brasil, e assim fica complicado explicar o que está acontecendo no país. Somos poucos correspondentes espanhóis no Brasil. O "El Pais" agora tem um escritório em São Paulo, que faz um trabalho mais intenso de acompanhar o dia-a-dia da política brasileira, mas os outros jornais falam pouco sobre o Brasil.

Além disso, a política brasileira é quase impossível de entender para o espanhol. Até pouco tempo atrás, a Espanha tinha apenas dois partidos de relevância nacional, agora são quatro, então é mais simples de que a realidade brasileira com quase 40 partidos. Fica difícil entender quem é direita e esquerda, entender os posicionamentos políticos. Há partidos que apoiam o governo, mas ao mesmo tempo apoiam o impeachment. Isso é dificil para um espanhol entender.

Brasilianismo – Outros assuntos, além de política, têm interesse da mídia espanhola?

Luis Tejero – Sim, outros temas acabam tendo mais espaço na mídia, com a imagem de Brasil como país do futebol, do samba e do carnaval. Isso recebe mais atenção. Tem uma notícia que todo ano sai em todos os jornais espanhóis, é o Miss BumBum, que tem muitas fotos, vídeos e geram muita audiência. Assim como o carnaval. Isso nunca falta, mas explicações mais profundas sobre política e economia saem mais raramente.

Brasilianismo – Há algum assunto que fique entre a cobertura séria sobre política e economia e a cobertura dos estereótipos?

Luis Tejero – Há uma cobertura relativamente grande sobre favelas. Quando cheguei no Rio pela primeira vez, em 2010, fiquei surpreso com o contraste entre o asfalto e as favelas. Moro em Botafogo e da minha janela vejo o Cristo e vejo a favela Santa Marta ao lado de prédios de luxo. É um contraste grande e isso gera atenção. As notícias sobre pacificação das favelas, invasão com tanques, isso foi muito noticiado, com muitas imagens marcantes, gerando bastante interesse.

Brasilianismo – Por que você decidiu vir ao Brasil?

Luis Tejero – Em 2010, o jornal "El Mundo" decidiu mandar correspondentes para o México, para a Argentina e para o Brasil. Isso foi logo que o Rio foi escolhido para sediar a Olimpíada, o país estava na moda, chamando mais atenção. Demorei 5 segundos para responder que queria ir para o Rio, e fui escolhido para isso. Nunca tinha tido muito interesse pelo que acontecia no Brasil. Eu acompanhava política americana, havia feito cobertura da eleição de Obama, e olhava mais para os EUA. Quando cheguei aqui, entretanto, me apaixonei. É um país enorme, com tanta coisa para conhecer, que não dá para ficar entediado em um lugar tão interessante. Isso vale para a política, para a economia, sem falar de praias, cidades coloniais, cidades modernas.
O povo aqui é muito gentil e amável, e recebe os estrangeiros de braços abertos.

Brasilianismo – O que o surpreendeu quando veio morar no Brasil?

Luis Tejero – Até hoje, depois de morar no Brasil e de viajar todos os anos para o país desde 2010, me chama muito a atenção o quanto o Brasil é parecido com os Estados Unidos. Muita gente pensa nos EUA como primeiro mundo, mais avançado de que o Brasil, mas acho que são dois países bastante parecidos. Nem sempre é por coisas boas. A violência, por exemplo, é algo que aproxima os dois países.

Brasilianismo – Você fala sobre o Brasil estar 'na moda'. Isso é algo que se desenvolveu muito entre 2008 e 2010, mas agora o Brasil está em crise. A crise ameaça o status do Brasil como país que tem mais atenção internacional?

Luis Tejero – A "Economist" já diz que o México está tomando o lugar do Brasil como país da moda, mas não dá para negar que o Brasil é o grande país da América Latina, um gigante. Não vai ser fácil, e sabemos que a crise vai continuar no próximo ano, mas isso vai passar.

Quando as pessoas aqui falam em crise, eu entendo, mas é preciso colocar isso em perspectiva. A Espanha, por exemplo, chegou a ter mais de 25% de desemprego, com 50% de desemprego entre os jovens. O Brasil não está nem perto disso. Aqui ainda há mais oportunidades, e o aperto econômico não é igual ao da Espanha.

Pode não ser rápido, mas o Brasil é grande e vai sair da crise, talvez até melhor de que entrou. A crise pode ter um efeito positivo ao mostrar independência das instituições e indicar que os eleitores estão mais preocupados com a corrupção, deixando o país menos tolerante. Os partidos vão ter que se renovar, como aconteceu na Espanha, para convencer os eleitores de que não vão continuar roubando e vão defender uma ficha limpa.

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Sobre o Autor

Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.

Sobre o Blog

O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.

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