A mulher brasileira e a velha ideia de disponibilidade do corpo colonial
Por Giovana Sanchez*
Depois do convite para participar aqui do movimento #AgoraÉQueSãoElas (em que mulheres ocupam espaços de fala de homens), comecei a coletar histórias de amigas e conhecidas sobre a experiência de ser mulher brasileira no exterior. E em poucas conversas, ouvi coisas assim:
"Na Europa, um americano me disse que eu não parecia brasileira porque era inteligente."
"No Canadá, um cara me disse que toda brasileira que ele conheceu fez sexo com ele. Eu disse que não faria. Ele falou que era só me dar mais uns drinks no fim da noite que eu mudaria de ideia."
"Estava na Itália e um cara começou a conversar comigo. Depois que eu disse que era brasileira ele falou 'ah, então vou te dar um sorvete e uma massagem. Onde está hospedada?'. Disse que não estava interessada e ele me seguiu. Me perdi na minha primeira noite em Florença. A partir daí comecei a dizer que sou espanhola. O tratamento é outro."
"Estava com uma amiga em Portugal e a todo momento a gente era perseguida na rua por homens que ouviam a gente falar em português do Brasil."
Eu também já vivi isso – e não foram poucas vezes. Em uma viagem ao Catar para um trabalho acadêmico, recebi ligações, mensagens e batidas insistentes na porta de dois egípcios que tinham certeza de que eu estava disponível para uma noite de sexo porque era uma brasileira sozinha no hotel (isso foi mencionado nas mensagens). Tive que pedir ajuda para sair do quarto e dar um escândalo na recepção com a ajuda de uma amiga.
Aqui nos Estados Unidos, onde moro, meu namorado está cansado de ouvir a frase "nossa, ela deve ser bonita", quando diz que namora uma brasileira. Sem nunca ter visto a minha cara, essas pessoas têm na cabeça um tipo especifico de mulher quando a palavra brasileira é pronunciada. E essa imagem tem a ver com beleza, disponibilidade e – claro – sexo. A brutal ideia de que o corpo colonial está aí pra ser usado. Em 2015. Ainda.
Mas penso que, na verdade, essa visão é uma variação internacional do que todas passamos no Brasil. A mesma velha crença de que existimos unicamente para o prazer do homem. Seja ele o herdeiro do colonizador-europeu-branco ou não. O fato de que em 2015 termos um projeto de lei no Brasil que nos obriga a ter filhos de estupros diz muito sobre o caminho que há para se percorrer. No Brasil e no mundo. Continuemos gritando.
*Giovana Sanchez é jornalista e mestranda na Universidade do Texas, onde estuda a ausência das mulheres nos livros didáticos brasileiros.
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