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Análise brasilianista: 'A crise política vai acabar, mas o Brasil, não'

Daniel Buarque

29/07/2015 11h31

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O sentimento de tensão permanente parece ter tomado conta da política brasileira nos últimos meses, com crises entre os poderes, perda de popularidade do governo e recessão econômica. Em uma análise de longo prazo e a partir de uma perspectiva internacional, entretanto, diz-se que alguma hora os problemas que assolam o país vão ser superados. A crise política vai acabar, mas o Brasil, não, avaliou o brasilianista Biorn Maybury-Lewis em entrevista. O problema, segundo ele, é que "muitos analistas têm memória curta".

O cientista político Biorn Maybury-Lewis

O cientista político Biorn Maybury-Lewis

Maybury-Lewis é cientista político e diretor do Instituto Cambridge de Estudos Brasileiros, uma organização sem fins lucrativos que promove pesquisas relacionadas ao país na cidade norte-americana em que ficam duas das principais universidades do mundo, Harvard e MIT. Ele foi entrevistado como parte da reportagem especial multimídia TAB sobre crises democráticas publicada em maio no UOL, e a entrevista foi publicada recentemente na íntegra, em inglês, no site do instituto.

Em sua opinião, o Brasil precisa de um olhar histórico apurado para poder decidir seu futuro. "O que precisamos é perspectiva. Se Dilma e os petistas corruptos saírem hoje, quem é que é imaculado e está pronto para tomar seu lugar?", questionou.

"A política democrática é desorganizada, livre, ineficiente, muitas vezes corrupta, mas precisamos lembrar as notáveis ​​realizações econômicas, políticas e sociais brasileiras foram forjadas na Nova República, apesar da violência, corrupção e frustrações da política democrática de hoje. Os atuais imbróglios vão passar. O Brasil não vai."

Veja abaixo alguns dos principais trechos da entrevista.

Brasilianismo: Após a crise financeira global, parece haver um crescente descontentamento com a democracia em vários lugares diferentes ao redor do mundo – com uma série de mudanças no sistema político. Como você acha que a democracia brasileira está no meio de estas mudanças internacionais?
Biorn Maybury-Lewis: Eu moro nos EUA e aqui os especialistas costumam dizer que 'os EUA nunca tiveram uma política tão divididas, porque os legisladores tentam barrar todas as iniciativas de Obama". Embora seja verdade que o Congresso dominado pelo Partido Republicano está tentando frustrar o presidente de qualquer maneira que puder, não é verdade que os EUA são mais divididos hoje de que no passado. Tivemos, afinal, uma guerra civil sangrenta e extremamente amarga nos anos 1860.

Para abordar a questão sobre a democracia brasileira é importante, como no caso de os EUA, tomar uma perspectiva histórica. O Brasil está agora em uma crise de corrupção, mas o país sempre teve corrupção em alguma medida, como os EUA também têm, é claro. Será que a situação é realmente pior hoje do que foi no passado? Obviamente, o escândalo Petrobras cai na porta da presidente Dilma Rousseff porque ela foi ministra de Minas e Energia. Agora, os escândalos de corrupção que começaram no governo do presidente Lula continuam e podem ter se tornado piores. Mas muitos analistas têm memória curta. Lembro-me da corrupção que havia se tornado chantagem sistemática no governo do presidente Collor. Há uma série de livros sobre a corrupção no governo FHC. Mesmo os militares, embora não tenham sido necessariamente uma cleptocracia, tiveram a sua cota de tecnocratas famosos por tomarem "seu percentual".

O que precisamos é perspectiva. Se Dilma e os petistas corruptos saírem hoje, quem é que é imaculado e está pronto para tomar seu lugar?

O maior problema na política e em suas instituições democráticas brasileiras é que nem o PT nem o PSDB, os partidos mais influentes de hoje, têm o poder de comandar o Legislativo sem entrar em "coligações" com os inúmeros partidos ​​que existem lá: uma verdadeira 'sopa de letrinhas' de siglas. E o preço para entrar em parcerias sempre foi de troca de empregos, generosidade federal e 'dinheiro invisível'. Isso não vai mudar em um futuro próximo. Essa é a natureza da democracia presidencialista com um Poder Legislativo forte e desproporcional. Não é de forma alguma uma democracia perfeita, já que a norma inclui gastos desnecessários, lentidão e incompetência. Ninguém gosta disso, mas é melhor do que umaa ditadura.

Winston Churchill é quem teve, provavelmente, a última palavra sobre este dilema institucional: a democracia é o pior sistema político, com exceção de todos os outros.

Brasilianismo: Por que a política brasileira tornou tão problemática?
Biorn Maybury-Lewis: A natureza das instituições políticas divididas é causar entraves. Esse é o seu propósito: para limitar o poder de um possível déspota. O caso de amor com sistemas de "freios e contrapesos" é a razão para o que, às vezes, parece um impasse. O Brasil é uma sociedade profundamente dividida. Em termos brasileiros, as divisões mais importantes estão relacionadas com questões sociais. Instituições governamentais que, a priori, são projetadas para desviar ação decisiva refletem essas fissuras sociais. Por mais que muitos queiram ua ação decisiva em função da racionalização e concentração de poder político em um ramo ou outro, isso não vai acontecer em breve. A nação vai precisar de paciência com ela mesma enquanto gradualmente supera seus problemas, que são profundos e de carácter histórico.

Brasilianismo: Existe uma maneira de sair dessa bagunça? A reforma política é solução?
Biorn Maybury-Lewis: Por enquanto, um Legislativo forte, com poder desproporcional em áreas rurais, vai enfrentar um forte Poder Executivo com a atual presidente "ferida" politicamente. Mas há pouco perigo real para "política de sempre". Administrações vêm e vão. Autoridade regional vai se impor na legislatura. O Judiciário lento e frequentemente desleal continuará a desempenhar o seu papel subordinado, apoiando neste drama. A reforma política instigada por aqueles que se beneficiam do sistema político parece-me bastante improvável. E a sociedade civil brasileira, ainda notavelmente dependente do Estado, provavelmente não vai impor reformas a partir de fora.

Brasilianismo: Analistas argumentam que o sistema de presidencialismo de coalizão é fonte da atual instabilidade política. O que você acha disso?
Biorn Maybury-Lewis: Mais uma vez, a instabilidade é uma questão de intensidade. Desde que os militares deixaram o poder nos anos 1980, tem havido uma série de campanhas relativamente ordenadas presidenciais, eleições e mudanças de poder. Até mesmo o impeachment de Collor foi, em retrospecto, uma situação de ordem. Durante os anos 1950, os militares, no seu papel auto-intitulado de Poder Moderador, vieram para dentro e fora do poder com uma certa regularidade para colocar o que ele percebia como "ordem na casa" no Brasil durante o contexto mundial da Guerra Fria. Indiscutivelmente, esse foi um período muito mais instável do que o Brasil é agora. Mais tarde, na década de 1960, os generais decidiram mudar sua abordagem e entrar "para ficar", em particular após o Ato Institucional nº 5, em dezembro de 1968. Eles impuseram a "estabilidade" no Brasil por muitos anos. Mas isso é realmente o que a maioria dos brasileiros prefere?

A política democrática é desorganizada, livre, ineficiente, muitas vezes corrupta, mas precisamos lembrar as notáveis ​​realizações econômicas, políticas e sociais brasileiras foram forjadas na Nova República, apesar da violência, corrupção e frustrações da política democrática de hoje .

Os atuais imbróglios vão passar. O Brasil não vai.

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Sobre o Autor

Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.

Sobre o Blog

O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.

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