'Ignorância lamentável': Brasil de 1950 era terra de 'macacos' e 'cobras'
"Quando pensávamos no Brasil, pensávamos em selvagens morando no vale do rio Amazonas, onde há cobras imensas e macacos tagarelam na floresta. Possivelmente nos lembrávamos que o café era plantado na parte Sul do país, e que a capital é o Rio de Janeiro, situada em uma bela baía cercada por montanhas, e que o português é a língua oficial."
Este é um pequeno retrato da imagem internacional do Brasil quando o país sediou sua primeira Copa do Mundo, em 1950. A descrição faz parte do livro "Brazil, World Frontier", de Benjamim Harris Hunnicutt, e foi publicada em 1949.
Apesar de o país já investir na divulgação internacional da sua imagem desde antes mesmo da independência, e mesmo que tivesse atuação diplomática forte e fosse levado a sério por outros governos, o conhecimento a respeito do Brasil parecia não chegar às pessoas que viviam em outros países do mundo. "Não conheço nenhum outro país cuja geografia, história e essência geral sejam tão pouco conhecidas e tão mal interpretadas quanto o Brasil", dizia o ex-embaixador do país nos EUA Oswaldo Aranha no prefácio do livro.
Uma série de pesquisas de opinião pública realizadas nos Estados Unidos entre 1939 e 1945 mostrava que o resto do mundo realmente não tinha uma opinião muito positiva do Brasil e do resto da América Latina. A pesquisa resultou em um relatório preparado para o governo que citava a "ignorância lamentável" dos americanos em relação ao resto do continente. Quase metade dos entrevistados não sabiam citar nenhum dos países da América Latina, e o Brasil, país mais conhecido, foi citado por 43% dos americanos.
O pouco que se sabia sobre brasileiros e latinos era parte de um estereótipo bastante negativo. A imagem geral era uma mistura de "gigolô com grandes elementos de preguiça, atraso e sujeira", dizia o estudo.
Entre as características dos latinos e brasileiros mais citadas pelos entrevistados estavam a pele escura (77%), o temperamento exaltado (47%), temperamento emotivo (42%), e o atraso social e político (42%). Apenas 5% dos americanos entrevistados viam os vizinhos de continente como eficientes, e 11% como progressivos.
O desconhecimento sobre o Brasil no resto do mundo já tinha sido evidenciado também por Stefan Zweig, que nos anos 1940 escreveu o livro "Brasil, um país do futuro".
"Sobre o Brasil, eu tinha a mesma imagem algo pretensiosa que tem o europeu ou o norte-americano medianos, e eu me esforço em reconstruí-la: uma daquelas repúblicas sul-americanas que não distinguimos bem umas das outras, com clima quente e insalubre, situação política instável e finanças em desordem, mal administrada e onde apenas as cidades litorâneas são relativamente civilizadas, porém geograficamente belo e com muitas possibilidades mal aproveitadas – um país, portanto, para emigrados desesperados, mas de modo algum um lugar do qual se possam esperar estímulos intelectuais."
A imagem da Copa de 1950
O Brasil foi citado centenas de vezes pela imprensa internacional durante a realização da Copa do Mundo de 1950 no país. Foram 205 textos citando o país somente no "New York Times", outras 22 citações no "Le Monde", 68 no britânico "Guardian", 10 na revista "The Economist", e 119 reportagens mencionando o Brasil no jornal espanhol "ABC".
Nem todos os textos descreviam o país ou tratavam da Copa em si, na verdade. O Brasil era citado em tabelas sobre comércio internacional, em reportagens sobre política e diversos outros temas. Pelo menos 25% desses textos, entretanto, enfocavam o país durante a Copa. A própria imprensa da época era diferente, então os textos são mais formais e usam menos estereótipos na descrição do país.
Ainda assim, cerca de 21% dos textos ressaltavam a paixão dos brasileiros pelo futebol (o país ainda não era conhecido como "país do futebol" e nunca havia ganho um torneio mundial até então). O segundo estereótipo mais comum usado naquele ano para descrever o Brasil era o café, que foi o principal produto de exportação do país. Apareciam ainda citações à selva amazônica, à instabilidade econômica e, em menor escala, às festas populares e à violência.
Os dados fazem parte dos resultados da pesquisa que desenvolvi durante o mestrado no Brazil Institute do King's College de Londres e que foi publicada neste mês pelo International Journal of Communication, intitulada "One Country, Two Cups" (um país, duas copas). O estudo analisou comparativamente a imagem do Brasil projetada na imprensa internacional durante as duas Copas do Mundo sediadas no país, em 1950 e 2014. As informações detalhadas da pesquisa vão ser publicadas no Brasil no próximo mês em uma nova edição do livro "Brazil, um País do Presente", pela Alameda Editorial.
A pesquisa de mestrado foi realizada a partir de análise de conteúdo e de discurso das reportagens que mencionavam o Brasil em cinco dos mais importantes veículos de comunicação do mundo em um período que englobava as Copas e os dias imediatamente anteriores e posteriores ao evento. O levantamento reuniu textos publicados pelo "New York Times" (dos EUA), pelo "Guardian" e pela "Economist" (do Reino Unido), por "Le Monde" (da França) e pelo "ABC" (da Espanha). No total, foram encontrados 424 artigos mencionando o Brasil no período de 37 dias dentro do qual ocorreu a Copa de 1950, e 3.733 artigos com menções ao país em período semelhante durante a Copa de 2014.
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