Topo

Blog do Brasilianismo

'Ignorância lamentável': Brasil de 1950 era terra de 'macacos' e 'cobras'

Daniel Buarque

06/05/2015 13h18

Página do jornal espanhol 'ABC' no dia da final da Copa de 1950

Página do jornal espanhol 'ABC' no dia da final da Copa de 1950

"Quando pensávamos no Brasil, pensávamos em selvagens morando no vale do rio Amazonas, onde há cobras imensas e macacos tagarelam na floresta. Possivelmente nos lembrávamos que o café era plantado na parte Sul do país, e que a capital é o Rio de Janeiro, situada em uma bela baía cercada por montanhas, e que o português é a língua oficial."

Este é um pequeno retrato da imagem internacional do Brasil quando o país sediou sua primeira Copa do Mundo, em 1950. A descrição faz parte do livro "Brazil, World Frontier", de Benjamim Harris Hunnicutt, e foi publicada em 1949.

Apesar de o país já investir na divulgação internacional da sua imagem desde antes mesmo da independência, e mesmo que tivesse atuação diplomática forte e fosse levado a sério por outros governos, o conhecimento a respeito do Brasil parecia não chegar às pessoas que viviam em outros países do mundo. "Não conheço nenhum outro país cuja geografia, história e essência geral sejam tão pouco conhecidas e tão mal interpretadas quanto o Brasil", dizia o ex-embaixador do país nos EUA Oswaldo Aranha no prefácio do livro.

Texto do jornal britânico 'Guardian' sobre a vitória do Uruguai na final de 1950

Texto do jornal britânico 'Guardian' sobre a vitória do Uruguai na final de 1950

Uma série de pesquisas de opinião pública realizadas nos Estados Unidos entre 1939 e 1945 mostrava que o resto do mundo realmente não tinha uma opinião muito positiva do Brasil e do resto da América Latina. A pesquisa resultou em um relatório preparado para o governo que citava a "ignorância lamentável" dos americanos em relação ao resto do continente. Quase metade dos entrevistados não sabiam citar nenhum dos países da América Latina, e o Brasil, país mais conhecido, foi citado por 43% dos americanos.

O pouco que se sabia sobre brasileiros e latinos era parte de um estereótipo bastante negativo. A imagem geral era uma mistura de "gigolô com grandes elementos de preguiça, atraso e sujeira", dizia o estudo.

Entre as características dos latinos e brasileiros mais citadas pelos entrevistados estavam a pele escura (77%), o temperamento exaltado (47%), temperamento emotivo (42%), e o atraso social e político (42%). Apenas 5% dos americanos entrevistados viam os vizinhos de continente como eficientes, e 11% como progressivos.

O desconhecimento sobre o Brasil no resto do mundo já tinha sido evidenciado também por Stefan Zweig, que nos anos 1940 escreveu o livro "Brasil, um país do futuro".

"Sobre o Brasil, eu tinha a mesma imagem algo pretensiosa que tem o europeu ou o norte-americano medianos, e eu me esforço em reconstruí-la: uma daquelas repúblicas sul-americanas que não distinguimos bem umas das outras, com clima quente e insalubre, situação política instável e finanças em desordem, mal administrada e onde apenas as cidades litorâneas são relativamente civilizadas, porém geograficamente belo e com muitas possibilidades mal aproveitadas – um país, portanto, para emigrados desesperados, mas de modo algum um lugar do qual se possam esperar estímulos intelectuais."

A imagem da Copa de 1950
O Brasil foi citado centenas de vezes pela imprensa internacional durante a realização da Copa do Mundo de 1950 no país. Foram 205 textos citando o país somente no "New York Times", outras 22 citações no "Le Monde", 68 no britânico "Guardian", 10 na revista "The Economist", e 119 reportagens mencionando o Brasil no jornal espanhol "ABC".

Nem todos os textos descreviam o país ou tratavam da Copa em si, na verdade. O Brasil era citado em tabelas sobre comércio internacional, em reportagens sobre política e diversos outros temas. Pelo menos 25% desses textos, entretanto, enfocavam o país durante a Copa. A própria imprensa da época era diferente, então os textos são mais formais e usam menos estereótipos na descrição do país.

Ainda assim, cerca de 21% dos textos ressaltavam a paixão dos brasileiros pelo futebol (o país ainda não era conhecido como "país do futebol" e nunca havia ganho um torneio mundial até então). O segundo estereótipo mais comum usado naquele ano para descrever o Brasil era o café, que foi o principal produto de exportação do país. Apareciam ainda citações à selva amazônica, à instabilidade econômica e, em menor escala, às festas populares e à violência.

Os dados fazem parte dos resultados da pesquisa que desenvolvi durante o mestrado no Brazil Institute do King's College de Londres e que foi publicada neste mês pelo International Journal of Communication, intitulada "One Country, Two Cups" (um país, duas copas). O estudo analisou comparativamente a imagem do Brasil projetada na imprensa internacional durante as duas Copas do Mundo sediadas no país, em 1950 e 2014. As informações detalhadas da pesquisa vão ser publicadas no Brasil no próximo mês em uma nova edição do livro "Brazil, um País do Presente", pela Alameda Editorial.

A pesquisa de mestrado foi realizada a partir de análise de conteúdo e de discurso das reportagens que mencionavam o Brasil em cinco dos mais importantes veículos de comunicação do mundo em um período que englobava as Copas e os dias imediatamente anteriores e posteriores ao evento. O levantamento reuniu textos publicados pelo "New York Times" (dos EUA), pelo "Guardian" e pela "Economist" (do Reino Unido), por "Le Monde" (da França) e pelo "ABC" (da Espanha). No total, foram encontrados 424 artigos mencionando o Brasil no período de 37 dias dentro do qual ocorreu a Copa de 1950, e 3.733 artigos com menções ao país em período semelhante durante a Copa de 2014.

Siga o blog Brasilianismo no Facebook para acompanhar as notícias sobre a imagem internacional do Brasil

Sobre o Autor

Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.

Sobre o Blog

O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.

Blog Brasilianismo