Estereótipos sobre o Brasil se transformaram entre as copas de 1950 e 2014
No dia do encerramento da Copa do Mundo no Brasil, no ano passado, o jornal britânico "The Guardian" publicou uma longa reportagem resumindo o evento e celebrando o sucesso da organização dele no país. "O Brasil comprova ser o anfitrião perfeito para inspirar uma comovente festa na Copa do Mundo", dizia. Apesar de ter uma abordagem bem positiva, o texto reunia quase todos os clichês relacionados à imagem internacional do país durante o evento. Era apenas uma das milhares de reportagens publicadas sobre o Brasil na imprensa internacional entre junho e julho de 2014, mas representava bem a forma como o país foi retratado no resto do mundo durante o mais importante torneio de futebol do planeta: País do futuro, do futebol, do carnaval, de mulheres bonitas e sensualidade, de caos político e social, da Floresta Amazônica e das praias, esses e muitos outros clichês tradicionalmente associados no resto do mundo com a ideia de Brasil.
Apesar de esta imagem estar consolidada no exterior, e de brasileiros conhecerem bem esta reputação global do seu país há muitos anos, estes estereótipos são muito mais recentes de que se pensa. Quando o Brasil recebeu a Copa de 1950, o país não era conhecido no resto do mundo pelo seu futebol, ou por suas festas, como o carnaval, clichês que hoje são frequentes em qualquer descrição do país. Nos anos 1950 o pouco que se sabia sobre o Brasil era associado à borracha e ao café, os dois principais produtos de exportação do país, além de se propagarem imagens preconceituosas de subdesenvolvimento.
Os estereótipos a respeito do Brasil no resto do mundo se transformaram entre 1950 e 2014, criando os clichês que se tornaram mais populares atualmente. A comparação entre a imagem do país em 1950 e em 2014 permite ver que os estereótipos que hoje em dia parecem ser parte da própria essência do Brasil na verdade são bem novos.
Este é um dos resultados da pesquisa que desenvolvi durante o mestrado no Brazil Institute do King's College de Londres e que foi publicada neste mês pelo International Journal of Communication. Intitulado "One Country, Two Cups" (um país, duas copas), o estudo analisou comparativamente a imagem do Brasil projetada na imprensa internacional durante as duas Copas do Mundo sediadas no país, em 1950 e 2014, e evidenciou a mudança de estereótipos relacionados ao país nas seis décadas que separam os dois eventos. As informações detalhadas da pesquisa vão ser publicadas no Brasil no próximo mês em uma nova edição do livro "Brazil, um País do Presente", pela Alameda Editorial.
O estudo foi realizado a partir de análise de conteúdo e de discurso das reportagens que mencionavam o Brasil em cinco dos mais importantes veículos de comunicação do mundo. O levantamento reuniu textos publicados pelo "New York Times" (dos EUA), pelo "Guardian" e pela "Economist" (do Reino Unido), por "Le Monde" (da França) e pelo "ABC" (da Espanha). No total, foram encontrados 424 artigos mencionando o Brasil no período de 37 dias dentro do qual ocorreu a Copa de 1950 e 3.733 artigos com menções ao país em período semelhante durante a Copa de 2014.
A maior parte dos estereótipos sobre o Brasil foi criada ao longo do século XX. A ideia de que o Brasil é um país de festas, por exemplo, apareceu em apenas 2% das reportagens de 1950, mas representou um total de 13% em 2014. Favelas, pobreza e desigualdade, clichês ignorados nas descrições de 1950, apareceram em 12% dos textos em 2014. Nenhuma reportagem sobre a Copa de 1950 mencionou a ideia de que o Brasil é formado por belas praias, ou de que é tropical e quente, clichês que apareceram em 11% da cobertura em 2014. A relação entre violência e o país, mencionada em apenas 2% das reportagens de 1950, apareceu em 10% das matérias em 2014. A ideia de que o Brasil é um "país de selva" apareceu 3% das reportagens de 1950 e 4,5% em 2014.
Por outro lado, um estereótipo forte do Brasil em 1950 desapareceu em 2014: café. Principal produto de exportação brasileira na época, o café foi o segundo estereótipo mais comum nas reportagens sobre o país durante a Copa de 1950. Seis décadas depois, o produto não foi citado sequer uma vez pela imprensa internacional.
A descrição do Brasil na imprensa internacional durante a Copa do Mundo de 1950 já havia sido bem menos presa a estereótipos de forma geral. Durante a primeira Copa sediada no Brasil, 41,5% das reportagens sobre o país na mídia mundial descreviam-no com o uso de clichês superficiais. Na Copa de 2014, diferentemente, 8 de cada 10 reportagens sobre o Brasil descreviam o país de forma estereotipada, e os clichês usados eram bem mais numerosos.
Apesar da simplificação e até do preconceito no olhar estrangeiro, ao usar estereótipos, o "gringo" está exagerando traços que os próprios brasileiros assumem como parte da cultura e da identidade nacionais. Mesmo que seja um incômodo ser retratado de forma estereotipada, todos esses clichês usados para falar sobre o Brasil, de alguma forma, fazem parte da "personalidade" brasileira e foram usados pelos próprios brasileiros no processo de elaborar seu sentimento de pertencimento à identidade nacional. A imprensa internacional apenas reflete, e intensifica, isso.
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