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Blog do Brasilianismo

Corrupção no país não acaba com condenação de Lula, diz antropólogo dos EUA

Daniel Buarque

07/03/2018 05h00

O assassinato de um dirigente do MST no interior da Bahia no mesmo dia da condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em segunda instância, em janeiro, se juntam no que pode ser interpretado como um grande símbolo de uma ruptura da estrutura política do Brasil.

Enquanto o discurso político em Brasília enfoca corrupção e tenta enfatizar a ideia de que a lei no país vale para todos, milhões de pessoas em zonas rurais acabam sendo marginalizadas em seu direito a segurança e são excluídas dos processos sociais e políticos, argumenta o antropólogo Gregory Duff Morton, professor do Bard College, em Nova York.

Morton publicou nesta semana um artigo na respeitada "New York Review of Books" sobre a violência rural no Brasil e sua relação com a política. Segundo ele, o alvo do discurso político no país migrou das classes populares para a classe média, mas a postura contra a corrupção acaba focando apenas em Brasília, o que é um erro.

"A luta contra a corrupção com certeza é importante, mas precisamos entender que a corrupção não começa nem acaba em Brasília. Quando se luta contra a corrupção, não basta condenar Lula. É preciso procurar também saber quem está ordenando a execução de líderes rurais, quem está matando os líderes do MST. Se não se acabar com isso, não se acaba com a corrupção no Brasil", disse Morton em entrevista ao blog Brasilianismo. "Esta luta contra a corrupção nunca vai fazer mudanças na sociedade se não abranger também uma luta pela justiça mais ampla em toda a sociedade."

Especializado em antropologia econômica, Morton passou vários períodos realizando pesquisas no interior da Bahia, e disse que percebeu, entre 2005 e 2016, uma mudança no clima de participação política dos movimentos sociais e na violência que tem crescido contra eles. Para ele, a incerteza política e social acaba sendo causa também da violência urbana, como o que se vê em cidades como o Rio de Janeiro.

Leia abaixo a entrevista completa.

Brasilianismo – Seu artigo na "New York Review of Books" se refere aos assassinatos em zonas rurais do Brasil como um aspecto de uma transição política no país. Qual você acha que é o impacto político da violência no campo no Brasil?
Gregory Duff Morton – Vários estudiosos brasileiros já indicaram que este tipo de violência é um sinal de uma mudança na estrutura política do Brasil. Já aconteceu antes, na época da eleição de Lula, em 2002, e a mesma coisa no final dos anos 1980, na época da Constituição. Estamos assistindo a uma transição de estrutura política do Brasil. E a eleição deste ano faz parte disso.

A violência é um sintoma e um fator nessa transição. Ela acaba indicando a incerteza que o país está vivendo agora. Mas ela também pode afetar o resultado das eleições. Esta violência impede o exercício da liderança dos camponeses. A grande mensagem dos atos violentos é que as pessoas devem se calar, e que ninguém pode ser um líder popular. E isso pode afetar a mobilização da esquerda no Nordeste.

Brasilianismo – Quando você fala da violência rural como símbolo de uma transição política na história, acaba citando exemplos de guinadas à esquerda. Na situação atual parece haver um efeito contrário, de guinada à direita política, não?
Gregory Duff Morton – Sim. De certa forma, os dois exemplos da Constituição e da eleição de Lula, a violência surgiu como reação contra a mobilização da esquerda. Agora é o contrário. As ocupações de terra não cresceram, e a violência é um ato de uma estrutura política muito arraigada na zona rural, que está tomando a iniciativa agora, se aproveitando do momento de disputa política, para se impor.

Brasilianismo – Acha que é possível relacionar a alta na violência rural e o crescimento da violência urbana, como se vê, por exemplo, no Rio de Janeiro. Há uma relação dos dois casos com a crise política?
Gregory Duff Morton – A violência como um todo cresce em momentos de incerteza. O grande sucesso do PT foi a redistribuição de renda, que ajudou a diminuir a violência urbana no país. Mas este trabalho revelou os limites da redistribuição, mostrando que também seria preciso ter instituições políticas e jurídicas para poder eliminar a violência urbana e rural, e o PT não construiu essas instituições. Tanto que hoje se tem uma falta de credibilidade nas instituições, o que aumenta a incerteza, e a violência se torna uma resposta a isso. A violência que se vive agora é um sinal da desestruturação, de falta de instituições e de falta de justiça distributiva em toda a sociedade.

O discurso contra a corrupção está crescendo muito no país nos últimos anos, defendendo a polícia e as decisões dos juízes, mas as ações de Justiça que viram símbolo disso atingem apenas a corrupção de políticos. Esta luta contra a corrupção nunca vai fazer mudanças na sociedade se não abranger também uma luta pela justiça mais ampla em toda a sociedade. Os casos da violência rural são casos em que a Justiça precisa mostrar que também existe em grupos mais pobres da sociedade.

Toda a luta contra a corrupção com certeza é importante, mas precisamos entender que a corrupção não começa nem acaba em Brasília. É um processo na vida cotidiana de todo brasileiro. Quando se luta contra a corrupção, não basta condenar Lula. É preciso procurar também saber quem está ordenando a execução de líderes rurais, quem está matando os líderes do MST. Se não se acabar com isso, não se acaba com a corrupção no Brasil. Quando se mostra que a lei para todos de fato é para todos, é preciso incluir os setores mais excluídos da sociedade e impedir a violência da zona rural, passando a integrar essas pessoas exclui´das no sistema brasileiro.

Brasilianismo – Que tipo de contato você tem com as comunidades atingidas pela violência em áreas rurais do Brasil?
Gregory Duff Morton – Há uma situação de grande indignação e muito medo. Isso acaba desmotivando as pessoas. Os movimentos sociais não conseguem se articular. Esses movimentos conseguem sobreviver porque têm raízes fortes, mas estão abalados pela violência.

Brasilianismo – É uma situação diferente da que você encontrou quando esteve no Brasil?
Gregory Duff Morton – Entre 2006 e 2008 a violência estava caindo na zona rural, e as pessoas sentiam uma maior liberdade de participar na política. Pessoas que nunca se candidatavam passaram a entrar nas disputas políticas, vendo a política como opção de participação. Parecia um passo importante para a consolidação da democracia. De 2013 em diante, as coisas mudaram. As pessoas passaram a ter medo, percebiam que o sistema político estava se fechando. Antes mesmo do impeachment de Dilma Rousseff já se percebia um receio com o sistema político. E hoje a situação está pior. As vias pacíficas estão se fechando para os movimentos sociais. Isso é um grande risco para a democracia brasileira.

Brasilianismo – O que você acha que gerou essa ruptura?
Gregory Duff Morton – Sempre há contextos específicos e locais que são gerados pela luta por terra, mas isso não justifica o aumento generalizado da violência, que está sendo percebido. Isso vem de um processo político que fechou as portas para os movimentos sociais. Além disso, há uma tradição arraigada e profunda de donos de terra que se acham donos da sociedade rural.

Brasilianismo – Qual você acha que vai ser o impacto disso nas Eleições deste ano?
Gregory Duff Morton – Com certeza os movimentos sociais não terão o mesmo espaço na eleição que tiveram em outros anos. De 2002 até recentemente, o grande ator político do Brasil eram as classes populares, ao menos no nível discursivo. As pessoas buscavam usar a voz das classes populares. As manifestações de 2013 mudaram o cenário e emergiu a classe média como novo ator político. O problema é que ninguém sabe quem é essa a classe média. Todo o discurso político agora é direcionado a esta classe média, que se divide em um grupo radical representado por Bolsonaro, uma classe média tradicional, que deve apoiar Alckmin. E vamos ter que esperar para ver o que está classe média vai significar.

Nessa mudança de atores políticos, a corrupção e a honestidade passam a se destacar como valores centrais. Os movimentos sociais precisam se adaptar a esse novo discurso. O problema é que a violência impede isso, atrapalhando essa articulação dos movimentos sociais com o centro político brasileiro.

Brasilianismo – Qual o efeito disso para o país como um todo?
Gregory Duff Morton – Como estrangeiro, acho que este contexto acaba criando grandes dúvidas sobre a estabilidade do Brasil, e os brasileiros precisam saber que a comunidade internacional não vai enxergar o Brasil como um país estável se não houver uma solução para a violência rural. Estes atos violentos são uma lembrança de todo o legado de injustiça social que também provoca instabilidade que acaba destruindo a possibilidade da integração do Brasil na economia mundial.

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Sobre o Autor

Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.

Sobre o Blog

O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.

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