Com pesquisa precoce, brasilianista virou referência em estudos da ditadura
O cientista político Alfred Stepan, brasilianista morto na última semana aos 81 anos, era uma referência importante nos estudos sobre a ditadura militar brasileira na acadêmica do Brasil e do exterior. Segundo o sociólogo, cientista político João Roberto Martins Filho, ele foi um dos grandes divulgadores dos estudos sobre a ditadura no resto do mundo.
Um dos motivos para isso é que ele conseguiu ter acesso a fontes de pesquisa muito cedo, ainda nos anos 1970, "antes mesmo que a ditadura mostrasse todas as garras", como explica Martins Filho em entrevista ao blog Brasilianismo.
O trabalho de Stepan para entender a ditadura pode ser considerado especialmente relevante em um momento em que o apreço do eleitorado pela democracia como forma de governo caiu fortemente, segundo uma pesquisa do Datafolha. Atualmente, 56% dos eleitores concordam com a noção de que a democracia é sempre melhor do que outras formas de governo. Em dezembro de 2014, a mesma ideia tinha o apoio de 66% do eleitorado.
Professor titular da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Martins Filho falou sobre a importância de Stepan para que os processos que levaram à ditadura no país fossem entendidos.
Brasilianismo – Qual a importância do trabalho do professor Alfred Stepan para o estudo da ditadura militar no Brasil?
João Roberto Martins Filho – Alfred Stepan começou sua longa carreira de pesquisador de política comparada estudando o Brasil e o Peru. Seu livro "The Military in Politics: changing Patterns in Brazil" (Os militares na política: mudança de padrão no Brasil, de 1971), além das coletâneas "Authoritarian Brazil: Origins, Policies, and Future" (Brasil autoritário: origens, políticas e futuro, de 1973) e "Democratizing Brazil : problems of transition and consolidation" (Democratizando o Brasil: problemas de transição e consolidação, de 1989) cobrem todo o período das origens do golpe até a transição para a democracia.
"Os militares na política" é considerada a obra de referência no exterior sobre o tema e mesmo na literatura brasileira tem lugar importante.
Brasilianismo – Como ele conseguiu se tornar uma referência tão relevante nesta área?
João Roberto Martins Filho – Stepan publicou muito cedo [nos anos 1970], antes mesmo que a ditadura mostrasse todas as garras. Ao mesmo tempo, teve acesso a fontes e informações difíceis de conseguir para o pesquisador brasileiro. Ainda demoraria algum tempo antes que os livros pioneiros de Alexandre de Barros, Eurico Lima Figueiredo, José Murilo e Eliezer Rizzo de Oliveira fosse publicados.
Stepan continuou a tradição dos estudos de Samuel Huntington (The Soldier and the State), mas propôs que o profissionalismo militar na América Latina não distanciava os militares da política. No começo dos anos 1970, alguns dos maiores cientistas políticos trabalhavam com a questão das ditaduras militares. Vários presidentes da International Political Science Association o fizeram.
Brasilianismo – Que diferença há entre o olhar estrangeiro de um pesquisador como Stepan e o trabalho acadêmico sobre o mesmo tema produzido na mesma época, ou mesmo mais tarde, no Brasil?
João Roberto Martins Filho – Como disse, o livro dele foi lançado precocemente. Mas o leitor atento percebe como ele se beneficiou da análise de pesquisadores brasileiros, como Cândido Mendes, embora não tenha mencionado a obra de Nelson Werneck Sodré, paradigma da análise dos militares como instrumento de classe. Para nós brasileiros, Sodré era incontornável como referência. À época, começavam apenas a ser defendidas teses de brasileiros nos Estados Unidos sobre o tema numa perspectiva mais organizacional e não marxista.
Embora "The Military in Politics" seja merecidamente visto como obra fundamental, eu particularmente me coloquei numa perspectiva crítica em relação a ela. Para mim, ao escolher a corrente que se formou em torno do presidente Castelo Branco como paradigmática dos militares no pós-64, ele não percebeu seu caráter excepcional, dada a riqueza do panorama político intramilitar, marcado depois da morte de Castelo Branco, em 1967, por conflitos constantes entre castelistas, duros, albuquerquistas e palacianos. Stepan também não deu relevo à influência da doutrina francesa da guerre révolutionnaire sobre os militares brasileiros. Mas isso não diminui a importância de seu livro mais conhecido.
Brasilianismo – De que forma acha que ele contribuiu para o debate no exterior sobre a ditadura brasileira?
João Roberto Martins Filho – Sem a menor dúvida, ele foi um dos grandes divulgadores dos estudos sobre a ditadura no exterior. Com forte laços não apenas em sua universidade de origem, Columbia, mas com Yale, onde foi professor, e Oxford, onde tirou o diploma de PPE (Politics, Philosophy and Economy), onde passou várias temporadas, ele transitava na ciência política de vários continentes.
Brasilianismo – Você chegou a conhecer o professor Stepan? Que impressão tinha dele?
João Roberto Martins Filho – Assisti sua palestra no encontro de 2009 da IPSA, em Santiago do Chile. À época, ele comentou extasiado como os brasileiros estavam autoconfiantes e orgulhoso de seus país, de modo muito diferente da época da ditadura. Depois da palestra eu conversei brevemente com ele e lhe entreguei o paper que apresentaria no congresso. Tive uma impressão pessoal muito boa dele.
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