Violência ofusca motivação dos protestos no Brasil, diz pesquisador chileno
As imagens da violenta repressão da polícia contra manifestantes durante protestos realizados em São Paulo nos últimos dias fizeram com que o pesquisador chileno César Jiménez-Martínez se lembrasse de momentos de tensão vividos na cidade no ano passado. Enquanto fazia estudos sobre as grandes manifestações de 2013 como parte de seu doutorado pela London School of Economics, César acompanhou dois protestos na cidade, e a memória que mais o marcou foi a de medo e tensão permanentes. "Eu só me lembro de ter uma experiência semelhante durante a minha infância, quando eu fui pego em protestos contra a ditadura de Augusto Pinochet no Chile", contou, em entrevista ao blog Brasilianismo, por e-mail.
O trabalho acadêmico de César na universidade britânica enfoca os diferentes relatos – às vezes contraditórios- de autoridades, ativistas, jornalistas brasileiros e correspondentes estrangeiros que foram construídos e difundidos pelos meios de comunicação durante os protestos de Junho de 2013.
Em sua avaliação, todas essas manifestações que acontecem no país nos últimos anos são permeadas pela ameaça constante de violência, não importa o quanto pacíficos sejam os protestos. Além de isso criar um risco a liberdades e à democracia, o maior problema imediato é que a violência ofusca a motivação dos protestos, fazendo com que o debate se esvazie e a força democrática dos manifestantes seja diminuída. Em vez de tratar da pauta em questão, o aumento das passagens do transporte público, fala-se apenas de confrontos. "As manifestações se esvaziam de seu significado original e toda a discussão fica focada em um debate sobre quem começou a violência, quem está atacando a quem, ou quem realmente age em nome do povo", explica.
Leia abaixo a entrevista
Brasilianismo – Como você acha que os protestos que acontecem nestas primeiras semanas de 2016 afetam a maneira como as pessoas pensam sobre o Brasil no resto do mundo?
César Jiménez-Martínez – Eu não fiz pesquisas a respeito da percepção internacional do Brasil, uma vez que o meu foco tem sido os relatos sobre o país construídos por organizações da imprensa estrangeira. Generalizações são sempre injustas. Alguns correspondentes estrangeiros têm escrito relatos muito perspicazes e cheio de nuances do que vem acontecendo no Brasil. Mas, ainda assim, esses eventos são moldados geralmente dentro de uma narrativa mais ampla de decepção, que vem crescendo desde 2013. Eu diria que a narrativa construída pela mídia estrangeira é de que o Brasil perdeu uma oportunidade preciosa para se tornar um país estável, moderno e economicamente desenvolvido. Se essa é uma imagem justa ou injusta é um assunto completamente diferente.
Brasilianismo – Qual é a sua opinião sobre a atual onda de protestos em São Paulo? Quão diferente você acha que a situação atual é em comparação com os protestos de 2013?
César Jiménez-Martínez – Não estou em São Paulo no momento, e minha percepção dos protestos é baseada no que eu vi e li através de veículos de comunicação social. Dito isto, uma das questões que me chamou a atenção é que a forma como alguns relatos da imprensa estrangeira sobre as manifestações enquadram as responsabilidades de autoridades federais ou municipais, esquecendo completamente a responsabilidade dos governos estaduais. Ao mesmo tempo, a minha impressão é de que os protestos são enquadrados como um assunto interno do Brasil, assim como o que aconteceu com os protestos de 2013, antes do início da Copa das Confederações.
Uma questão importante a ter em conta é que uma das razões pelas quais os protestos de 2013 receberam tanta atenção no exterior foi a perocupação pelo potencial efeito negativo que alguns pensaram que poderiam ter sobre a Copa do Mundo de 2014. Se os protestos atuais acontecessem no Rio, e eles fossem direcionados contra os Jogos Olímpicos, a imprensa estrangeira provavelmente teria uma abordagem diferente.
Outra questão que eu acho extremamente relevante é que, dado que a violência tornou-se, justamente, o centro do debate, as razões pelas quais as pessoas estão protestando ficam enterradas na cobertura. Em outras palavras, as manifestações se esvaziam de seu significado original e toda a discussão fica focada em um debate sobre quem começou a violência, quem está atacando a quem, ou quem realmente age em nome do povo.
Brasilianismo – Há um debate forte local sobre a atuação da polícia durante os protestos. De uma perspectiva internacional, como esta questão é vista?
César Jiménez-Martínez – Eu fui a dois protestos em São Paulo em 2015. Um deles reuniu cerca de 10 mil pessoas, e o outro, não mais do que 200. Eu tento não romantizar protestos. Lembro de ter visto alguns manifestantes que pareciam estar querendo fazer a polícia reagir violentamente, talvez para se encaixar em uma narrativa de um Estado repressivo. Tendo dito isso, a minha principal lembrança desses protestos é o medo. No meu caso, o medo do que a Polícia Militar poderia fazer. Não importa o que alguns relatos da mídia dizem, protestos raramente são uma coisa completamente pacífica. Lembro-me de sentir tensão o tempo todo, e uma preocupação permanente sobre quando a violência vai começar. Especialmente quando você vê policiais prontos para disparar balas de borracha, carros da polícia cercam você, e um helicóptero voa sobre as pessoas o tempo todo.
Uma das coisas que eu achei mais chocante foi que uma vez que a Polícia Militar fecha uma rua ou praça, eles não permitem que você saia, não importa o motivo. Por exemplo, uma vez eu estava assistindo a uma demonstração no vão do MASP, e quando as coisas começaram a ficar tensas, tentei sair, a fim de evitar ser apanhado no meio de um confronto. A PM não permitiu que eu fosse embora. E eu não era o único preso. Eu vi turistas e até mesmo as crianças com seus pais presos lá. Eles disseram que era para a nossa segurança. Eu só me lembro de ter uma experiência semelhante durante a minha infância, quando eu fui pego em protestos contra a ditadura de Augusto Pinochet no Chile.
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