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Blog do Brasilianismo

Visão estrangeira: Mais violento, Rio não trata pobres e ricos como iguais

Daniel Buarque

25/05/2015 15h59

Por Ben Sadek*

Na última vez em que estive no Brasil, em 2013, uma história que encapsulou o lado mais obscuro deste país mágico se tornou viral. No estado do Maranhão, no Nordeste, torcedores de um time de futebol invadiram o gramado do estádio Pio XII para apunhalar, esquartejar e decapitar um árbitro. Isso pode soar como uma cena de "Game of Thrones", mas não foi.

Este era o Brasil, o país do futuro; o país que realizou a Copa do Mundo mais emocionante de todos os tempos; o país com a sétima maior economia do mundo; o país que, no próximo ano, vai ser sede dos Jogos Olímpicos.

Alerta para aumento de roubos dentro da favela da Rocinha, no Rio (foto: Ben Sadek)

Alerta para aumento de roubos dentro da favela da Rocinha, no Rio (foto: Ben Sadek)

Ninguém pode negar que o Brasil é um país violento. Com uma taxa de homicídios nacional de 25 por 100 mil habitantes, há poucos lugares na Terra tão desenvolvidos, e ainda assim tão perigosos, como o Brasil.

No Rio – historicamente uma das cidades mais violentas do país e o lugar onde passei a maior parte do meu tempo no Brasil – a taxa de homicídios é de 29 por 100 mil. A taxa para pessoas com idade entre 19-24 anos é de 100, e, de acordo com Silvia Ramos, especialista brasileira em segurança e os direitos humanos, se acontecer de você ser jovem, negro e viver em uma favela, a taxa é de 400 por 100 mil.

Estas estatísticas não apenas destacam a violência aparente no Brasil, elas colocam em perspectiva a forma discriminatória com que a violência ocorre aqui. Ao longo da última semana, uma série de incidentes têm ocorrido aqui na Cidade Maravilhosa que não apenas reacendeu discussões seculares sobre a violência, mas também levantaram questões relativas aos direitos humanos e cidadania.

Realidade ignorada

A morte do médico Jaime Gold na Lagoa e o esfaqueamento de Lorena Tristão em São Conrado, a poucos minutos de onde estou hospedado na Rocinha, foram crimes hediondos, trágicos. As pessoas da cidade estão no limite. Apenas dois dias atrás eu estava sentado em um café em Ipanema e não demorou para que eu ouvisse o destino de Jaime Gold ser discutido na mesa ao meu lado.

Enquanto bebia vinho branco, comia bruschetta e pensava sobre os perigos de morar na glamourosa Zona Sul do Rio, preconceitos que eu tinha sobre a persistência da violência no Brasil foram reforçados pelo povo sentou ao meu lado. Para mim, parece que os moradores de bairros ricos do Rio são alheios à realidade violenta de grandes partes de sua cidade. Ou isso, ou eles simplesmente optam por ignorar esta realidade, preferindo vê-la como uma mancha nas margens da Cidade Maravilhosa em vez de parte integrante dela.

No domingo passado, no outro lado do morro Dois Irmãos, na Rocinha, eu acordei com o som de tiros. Felizmente para mim, eles estavam sendo disparados na área da Rua 2 da favela. Para aqueles que residem na Rua 2, na Rua 1 e Roupa Suja, violência excessiva, exposição a armas pesadas e ficar no meio do fogo cruzado é algo quase habitual.

A ideia de que esses dois mundos podem viver lado a lado, sem que um transborde para o outro é, na minha opinião, ridícula. De acordo com o secretário de Segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, "uma bala em Copacabana é uma coisa. Na Favela da Coreia é outra".

Referindo-se ao contraste entre tiroteios mortais da semana passada na Favela da Coreia e do assassinato de Jaime Gold na Lagoa, as palavras de Beltrame resumem, para mim, uma das causas profundas da violência no Brasil – aqueles que vivem em favelas não têm os mesmos direitos de cidadania que as pessoas das classes média e alta.

Rio mais perigoso

Enquanto o assassinato de Jaime Gold parecia único em sua perversidade, estas duas atrocidades no asfalto não parecem ser incidentes isolados. Uma das primeiras coisas que eu ouvi depois de chegar no Brasil nesta viagem foi para "não ir à praia sozinho à noite", "muitos assaltos estão acontecendo no Centro", "tenha cuidado quando você está sozinho", "as coisas mudaram aqui".

Na última vez em que estive no Brasil, eu dormi na praia sozinho, eu fiz exercícios na praia sozinho à noite e andei pelo Centro da cidade em todas as horas. Mesmo que houvesse um certo grau de risco em todas essas atividades, parece que o risco se intensificou nos últimos dois anos.

Em 2014, a polícia matou 563 pessoas no Estado do Rio de Janeiro, um aumento de 35% em relação ao ano anterior. Embora não necessariamente relacionado com o crime de rua, essa proliferação no uso da violência em nome do Estado reforça a minha observação de que o Rio tornou-se mais violento desde a última vez em que eu estive aqui.

Enquanto a principal interação entre 30% dos moradores da cidade com o Estado se der através do cano de um fuzil, não vejo fim para a violência que assola esta bela cidade. Com um Congresso cheio de ex-policiais, pedidos por mais policiais para lidar com o aumento da violência sem dúvida serão ouvidos.

No entanto, como um estrangeiro que passou mais de sete meses vivendo em uma favela pacificada no Rio, a noção de que os problemas da violência no Brasil podem ser combatidos através da expansão de uma instituição que é cúmplice da violência no país parece regressiva, para dizer o mínimo .

Quando estive no Rio em 2013, pelo menos para mim, era muito mais seguro caminhar na Rocinha do que era estar sozinho em outras áreas da cidade. Mesmo que eu também andasse por outras áreas, me sentia muito mais à vontade dentro da favela. Parece haver, ou pelo menos parecia haver, uma regra não escrita de que aqui no morro ninguém iria roubar.

Assim como aconteceu com as minhas observações fora da Rocinha, isso também mudou desde 2013. Desde a minha chegada, tenho notado que o canal local de notícias, Rocinha em Foco, está cada vez mais alertando os moradores sobre ladrões à solta na comunidade. Na foto do início deste post você pode ver um aviso escrito ao lado de uma casa.

A este respeito, uma resposta típica dada por pessoas dentro da comunidade é que isso não acontecia quando os traficantes estavam no controle. Aparentemente a punição era brutal demais para valer o conteúdo de uma bolsa. Agora, com a comunidade no limbo entre o poder da UPP e os traficantes, lidar com pequenos crimes é de muito menor importância para os policiais – que também parecem estar em um número menos em 2015 do que em 2013.

Solução pela igualdade

O pesquisador inglês Ben Sadek, no Rio de Janeiro (Foto: Acervo Pessoal)

O pesquisador inglês Ben Sadek, no Rio de Janeiro (Foto: Acervo Pessoal)

Pediram-me para escrever este texto sobre a violência no Brasil a partir de minha perspectiva como um gringo. Há, sem dúvida, inúmeras razões para a existência de violência neste enorme país de 200 milhões de habitantes, e cada incidente violento tem sua própria causa e efeito específicos. No entanto, até que os direitos estabelecidos na Constituição de 1988 sejam compartilhados por todos, não vejo solução sustentável.

No dia uma pessoa inocente morta a tiros no Complexo do Alemão receber a mesma cobertura de notícias que uma pessoa morta a tiros no Leblon. O dia em que a polícia chegar na PUC em uma quinta-feira à noite e prender todos aqueles que fumam maconha como seriam presos os que fazem isso na Estrada da Gávea, na Rocinha. O dia em que o sistema público de educação oferecer às massas os conhecimentos necessários para passar no vestibular. Esse será o dia em que a violência começará a diminuir.

(*) Ben Sadek é inglês e faz mestrado no King's College de Londres. Ele está atualmente conduzindo pesquisas de campo na comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro. Sua pesquisa analisa o impacto da pacificação da favela na inclusão social dos seus moradores. Você também pode visitar o seu blog A Favela Maravilhosa (em inglês).

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Sobre o Autor

Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.

Sobre o Blog

O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.

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