Previdência testa se governo Bolsonaro será levado a sério, diz economista
Daniel Buarque
23/05/2019 04h00
Para Edmund Amann, professor da universidade de Leiden, aprovação da reforma da Previdência é importante não apenas pela economia que gera, mas por conta do seu papel simbólico. Em entrevista ao Brasilianismo, Amann disse que a reforma está sendo vista como um primeiro desafio do governo. Para ele, a aprovação ou não da reforma vai apontar a viabilidade de Jair Bolsonaro alcançar melhoras para a economia do país e indicar ao mundo se o governo pode ser levado a sério.
As disputas entre o presidente Jair Bolsonaro e políticos no Congresso brasileiro têm gerado turbulências na economia no país. A cada nova polêmica, o Mercado internacional sinaliza preocupação com o encaminhamento de reformas que são vistas como necessárias para as finanças do país. A discussão em torno da Previdência, por exemplo, tem sido tratada desde o começo do ano como o primeiro grande desafio do novo governo.
Segundo o economista Edmund Amann, brasilianista e professor da universidade de Leiden, na Holanda, a discussão sobre a Previdência é fundamental para o país, e está sendo interpretada no resto do mundo como um teste para saber se o governo Bolsonaro tem viabilidade e se pode ser levado a sério.
"Fora do Brasil há um grau de incerteza em torno do governo de Bolsonaro em termos de tentar saber se ele vai ser capaz de resolver os problemas do país. Se ele conseguir algum progresso nesta reforma, vai parecer que ele foi bem-sucedido inicialmente, e vai ser levado a sério. As pessoas querem saber se o governo é capaz de atingir resultados positivos, se tem uma relação produtiva com o Congresso, se vai conseguir empurrar o país na direção certa", explicou Amann em entrevista ao blog Brasilianismo. "O governo vai ser mais respeitado e levado a sério, caso consiga aprovar a reforma."
Especialista em economia brasileira, Amann vem desde o ano passado apontando a possibilidade de uma recuperação do país depois da recessão. Segundo ele, entretanto, o país precisa de muitas reformas em sua economia. E a da Previdência é importante especialmente por conta do seu papel simbólico.
"Sozinha, a reforma da Previdência não vai resolver os problemas da economia. Sozinha, ela não vai resolver nem mesmo a questão da Previdência de forma completa. Ela precisa ser vista como um símbolo. (…) Se esta reforma for aprovada da forma como está sendo discutida atualmente, o impacto econômico apenas dela vai ser marginal, mas isso tem importância sobre o que ela indica sobre o futuro", explicou.
Leia abaixo a entrevista completa
Brasilianismo – O que acha da proposta de Reforma da Previdência que está sendo discutida atualmente?
Edmund Amann – A reforma parece dar sinais de avanço ao ser discutida pela Câmara, o que é bom. Mas claro que a reforma proposta é menos ambiciosa do que havia sido sugerido, então seu impacto econômico vai acabar sendo reduzido. Dito isso, ainda é significativo e a economia de cerca de 1 trilhão de reais é importante. Mas mais importante do que é isso é a ideia de que, se esta reforma for aprovada, isso mostra que o novo governo tem a capacidade de avançar com reformas que geram polêmica política, mas que são necessárias. Isso pode indicar que outras reformas podem acontecer mais à frente. É por isso que as pessoas estão tão interessadas nessa reforma da Previdência. Em uma análise final, se esta reforma for aprovada da forma como está sendo discutida atualmente, o impacto econômico apenas dela vai ser marginal, mas isso tem importância sobre o que ela indica sobre o futuro.
Brasilianismo – A importância está ligada então à percepção ligada ao avanço da reforma?
Edmund Amann – Sim. Ela vai trazer mais otimismo em relação ao Brasil. O fato de algum progresso ter sido registrado recentemente, com a aprovação da reforma na Comissão gerou boas reações. Um ponto importante é que o investimento estrangeiro direto no Brasil tem sido muito saudável. Isso indica algum otimismo de que esta reforma vai ser aprovada de alguma forma. Claro que há muita cautela também, já que já vimos propostas anteriores serem frustradas. Então há cautela e a sensação de que esta reforma vai ser aprovada até o fim do ano.
Brasilianismo – Isso não pode gerar o risco de expectativas altas demais? Pode-se dizer que a reforma vai permitir que a economia se recupere?
Edmund Amann – Sozinha, a reforma da Previdência não vai resolver os problemas da economia. Sozinha, ela não vai resolver nem mesmo a questão da Previdência de forma completa. Ela precisa ser vista como um símbolo. É algo que, se for aprovado vai contribuir para uma solução dos problemas de Previdência do Brasil, mas não é uma solução total.
A questão é que a aprovação dela vai indicar que o governo consegue reunir apoio para aprovar reformas. Este é o sinal mais importante que o Mercado está esperando. É menos a aprovação dessa reforma em si, e mais o que ela significa em termos do futuro. Pois, se o governo conseguir aprovar a reforma da Previdência, pode ser possível aprovar outras reformas, como a tributária, ou a reforma das relações entre negócios e o Estado, reduzindo burocracias, questões que ajudariam muito a atrair investimentos e a recuperar a confiança na economia, permitindo que o Brasil cresça mais rapidamente. É por isso que todos os olhos estão voltados a esta reforma. É um teste crucial para o que este governo é capaz de fazer.
Fora do Brasil há muita incerteza sobre a capacidade do governo de Bolsonaro de tomar medidas difíceis e alcançar reformas complicadas. Ele tem uma abordagem pouco convencional de administração da relação com o Congresso, e as pessoas estão esperando para ver o que ele vai conseguir. É por isso que fora do Brasil vê-se esta reforma da previdência como tão representativa. Parece ser um teste sobre o quanto o governo pode ser eficiente.
Brasilianismo – E se a reforma não passar, o que vai acontecer com o país?
Edmund Amann – É um exagero dizer que o Brasil vai quebrar se a reforma não for aprovada. Se a reforma não passar, o governo vai ter que rever a medida e fazer mudanças necessárias. Isso porque esta questão da Previdência vai precisar ser discutida e mudar de alguma forma. As aposentadorias estão se tornando um peso cada vez maior no PIB do Brasil e pressionando os gastos públicos, então uma reforma é necessária. Não importa qual seja o governo do país, este problema vai ter que ser resolvido. A questão é saber apenas qual formato ela vai ter. Se o plano atual do governo fracassar, o governo vai ter que repensar a reforma que vai ser levada adiante de forma que isso tenha apoio. A reforma precisa ser feita. Caso o projeto atual não seja aprovado vai haver uma reação imediata do Mercado, mas novas propostas vão ser discutidas.
Outro ponto importante é que a reforma da Previdência não é a única questão importante para a economia brasileira. Há outros pontos relevantes sendo tratados pelo governo, como a discussão sobre privatizações, questões da política macroeconômica. São medidas que de forma geral os investidores apoiam. Isso pode se ver no investimento internacional sendo direcionado ao país. Há um apoio frequente do Mercado a medidas de responsabilidade macroeconômica.
Não acho que o fracasso desta reforma atual vá quebrar a economia, mas vai deixar a vida mais difícil.
Brasilianismo – O que o senhor acha que atrai tanto interesse internacional nesta questão da Previdência?
Edmund Amann – Quem está prestando mais atenção a esta questão são os investidores, pois há um público estrangeiro com interesses diretos no comportamento da economia brasileira. Além disso, muita gente vê a reforma como sendo uma avaliação da viabilidade política desse novo governo. Ela vai demonstrar se o governo é capaz de reunir um consenso nacional em torno de reformas contenciosas. Ou seja, o governo vai ser mais respeitado e levado a sério, caso consiga aprovar a reforma.
Fora do Brasil há um grau de incerteza em torno do governo de Bolsonaro em termos de tentar saber se ele vai ser capaz de resolver os problemas do país. E acho que se ele conseguir algum progresso nesta reforma, vai parecer que ele foi bem-sucedido inicialmente, e vai ser levado a sério. Isso valeria para qualquer novo governo. As pessoas querem saber se o governo é capaz de atingir resultados positivos, se tem uma relação produtiva com o Congresso, se vai conseguir empurrar o país na direção certa. Atualmente o júri ainda está aberto, e este vai ser o primeiro teste.
Brasilianismo – Como o senhor vê isso no contexto de disputas internas dentro do governo entre grupos que querem levar adiante essas reformas econômicas e a atenção dada a questões ligadas a armamentos, educação e cultura de forma geral?
Edmund Amann – Isso é uma distração, que absorve tempo e atenção do governo, o que poderia ser direcionado a tentar resolver essa questão das reformas mais complicadas para a economia brasileira. Por outro lado, assim como acontece com o governo de Donald Trump nos Estados Unidos, isso é uma forma de o governo tentar angariar apoio popular entre seus eleitores. É preciso fazer um cálculo político para saber se este apoio dos eleitores da base de Bolsonaro pode ajudar a levar adiante reformas, se gera apoio no Congresso. Isso nem sempre é garantido, e parece mais criar antagonismos do que levar ao consenso. Isso pode fazer com que políticos não alinhados contra ou a favor do governo acabem tendo uma postura contra as reformas por conta do discurso. São pessoas que poderiam apoiar o governo, caso a retórica do presidente fosse mais construtiva. Declarações provocativas podem até atrair apoio dos eleitores e políticos que apoiariam o governo de qualquer jeito, mas pode alienar pessoas que não estão neste grupo. É um cálculo político que deveria ser feito pelo governo para tentar atrair apoio a suas propostas.
Sobre o Autor
Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.
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