Mesmo sem vencer, Bolsonaro é sinal do fim da política tradicional do país
Daniel Buarque
02/10/2018 05h03
Mesmo que Bolsonaro seja derrotado nas eleições, o grande apoio a sua candidatura indica que o modelo atual chegou ao limite e que a necessária transformação do sistema político do país está se aproximando, avalia o texto escrito pelo professor de política da FGV Eduardo Mello.
"A ascensão de Bolsonaro faz sentido quando se considera o cenário da cultura de corrupção política no Brasil. Depois de assistir a políticos de quase todos os grandes partidos serem envolvidos em escândalos de corrupção, os eleitores brasileiros estão dispostos a se rebelar contra um sistema disfuncional", explica a revista.
A ideia de que o sistema político brasileiro não tem condições de funcionar é repetida com frequência nas análises internacionais sobre o país. Desde o debate sobre o impeachment de Dilma Rousseff, foram muitos os comentaristas que apontaram para problemas em como as decisões políticas são tomadas, e o espaço aberto à corrupção pela fragmentação partidária e falta de alinhamento ideológico.
Para a "Foreign Affairs", independente da polarização e do discurso controverso de Bolsonaro, ele conseguiu convencer muitos eleitores de que ele não faz parte desse sistema político disfuncional, e inovou ao fazer campanha sem seguir a tradição dos grandes partidos nacionais.
Uma reportagem publicada nesta semana pré-eleitoral no "Washington Post" faz análise semelhante. Segundo o jornal americano, a desconfiança dos brasileiros em relação aos políticos tradicionais é o que mais impulsiona os eleitores brasileiros, ao lado da preocupação com a violência.
"A raiz do espetáculo político está no escândalo de corrupção que colocou muitos líderes políticos e empresários do país atrás das grades."
Ainda assim, a publicação rejeita a ideia de que Bolsonaro seja um nome "de fora" da política, e ressalta que ele tem longa experiência como deputado. "Apesar de Bolsonaro ter um histórico sem destaque durante quase três décadas na Câmara, ele é ajudado pelo fato de que não foi envolvido pela Operação Lava Jato", diz.
Bolsonaro se aproveita dessa insatisfação dos eleitores com os problemas desse sistema político, se consolidando como o símbolo de que os brasileiros querem romper com o que existe, "contra tudo o que está aí". Como disse um artigo publicado no jornal "Financial Times" em junho deste ano, o candidato de extrema direita é como uma "granada humana" contra a política do país. Os eleitores estão dispostos a qualquer risco para quebrar o sistema marcado pela corrupção. E, mesmo que Bolsonaro não chegue ao poder, representa que o sistema atual está próximo da falência.
"Quer Bolsonaro acabe ganhando ou não, o fato é que uma transformação maior da política brasileira está se encaminhando. Os políticos tradicionais de centro, que governam desde a transição do fim da ditadura militar dos anos 1980 estão em declínio", diz o artigo na "Foreign Affairs".
A análise também ecoa a atenção que a imprensa internacional tem dado ao "fracasso do centro" nas eleições deste ano, apontando para a incapacidade de candidatos que se propõem como mais moderados de atrair eleitores, enquanto a política se torna cada vez mais polarizada. A ideia é de que os partidos tradicionais perderam a oportunidade de fazer parte da transformação, e estão perdendo força.
Apesar de indicar o processo de mudança, a "Foreign Affairs" avalia que o rompimento com o modelo das últimas décadas não vai se dar pelas mãos do próprio Bolsonaro, e que vai criar problemas imediatos para o país. Será preciso mobilizar a politica em torno de mudanças maiores no sistema para sair da crise.
"O Brasil parece estar se encaminhando para mais uma década perdida, mas, com as reformas certas, o país pode construir um sistema político mais transparente que entregue um governo eficiente a seus cidadãos."
Sobre o Autor
Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.
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