Sean Burges: Falta de conhecimento sobre Brasil atrapalha relação com EUA
Daniel Buarque
07/02/2017 07h15
Uma falta de conhecimento sobre o Brasil em Washington, DC e um legado de desconfiança brasileira em relação aos Estados Unidos atrapalham o desenvolvimento de políticas e iniciativas que são do interesse dos dois países.
A avaliação é do pesquisador canadense Sean Burges, vice-diretor do Centro de Estudos Latino-Americanos da universidade Australian National e pesquisador sênior do Council on Hemispheric Affairs.
Burges acaba de lançar o livro "Brazil in the World: The International Relations of a South American Giant" ("Brasil no Mundo: As Relações Internacionais de um Gigante Sul-Americano), editado em inglês pela Manchester University Press, em que aborda o "jeito brasileiro" de fazer diplomacia.
Esta é a primeira parte da entrevista do Blog Brasilianismo com Burges, em que ele fala sobre as relações entre o Brasil e os EUA após o impeachment de Dilma Rousseff e a eleição de Donald Trump.
Brasilianismo – Como o governo Trump pode mudar a relação entre os EUA e o Brasil?
Sean Burges – Meu livro tem um capítulo sobre as relações entre o Brasil e os EUA. Um dos meus pontos é que em 99% das vezes os interesses dos dois países estão alinhados, as intenções estão alinhadas, e não há motivo para as coisas não irem muito bem. Quando há conflito, nunca é nada muito sério.
O que atrapalha é uma falta de conhecimento sobre o Brasil em Washington e um justificado legado de desconfiança do Brasil em relação aos EUA, por conta do que aconteceu nos anos 1960 e 1970 [referência ao apoio americano ao golpe militar no Brasil]. Esses dois problemas atrapalham o desenvolvimento de políticas e iniciativas que são do interesse dos dois países.
Um exemplo é que, para os EUA, seria ótimo se o Brasil tomasse conta dos temas relacionados à segurança regional, coordenando a luta contra o tráfico, contra o contrabando e resolvendo problemas regionais para que os EUA não tivessem que se preocupar com isso. A relutância do Brasil em fazer isso se dá em parte por questões econômicas e históricas, mas também por desconfiança em relação ao verdadeiro interesse dos americanos em esperar isso do Brasil. Com o governo do PT, havia uma desconfiança automática em relação a qualquer acerto com os EUA.
Não tenho certeza de que a tensão entre os dois países vá aumentar. Com Trump no governo, veremos muitos países do mundo mantendo a cabeça baixa, se mantendo quieto. No caso do Brasil, há vácuos de conhecimento que atrapalham a cooperação entre os dois países.
O que é interessante, sob o governo Trump, é que Thomas Shannon [ex-embaixador em Brasília e atual subsecretário de Estado para Assuntos Políticos] ainda tem um papel central no Departamento de Estado dos EUA. Para o Brasil, isso é muito bom, pois ele foi embaixador no Brasil e também porque ele teve uma mão firme nas relações internacionais dos EUA nos últimos 15 anos. Por mais que Trump esteja mudando a diplomacia americana, Shannon ainda está lá. Ele tem um senso muito claro do que pode ser feito e do que não pode ser feito, conhece o jogo e sabe falar a língua de Trump.
Brasilianismo – Ele pode levar mais conhecimento sobre o Brasil para a política externa de Washington?
Sean Burges – Sim. Ele conhece o Brasil e fala a língua das pessoas que estão em torno de Trump, o que pode ajudar.
A não ser que alguém crie um problema intencionalmente, não há motivos para haver problemas. Os temas centrais para Trump são a balança comercial e a imigração, temas que não criam problema com o Brasil. A imigração brasileira para os EUA é de trabalhadores preparados para assumir funções que os americanos não têm quem assuma. Os dois países têm acordos bilaterais para o comércio, mas não chega a ser nada que preocupe Trump. A não ser que algo dê errado, é importante manter a calma e continuar (keep calm and carry on). Pode dar tudo certo.
Brasilianismo – O ministro de Relações Exteriores do governo Temer, José Serra disse, antes da eleição, que a vitória de Trump seria um desastre. Isso pode ser considerado um problema?
Sean Burges – Seria, se alguém prestasse atenção a isso. Este é o meu ponto. As pessoas tendem a pensar que o resto do mundo presta atenção ao que acontece no nosso país, mas isso não é verdade. O fato de Serra ter falado algo da eleição não significa que ninguém em Washington tenham prestado atenção. E no contexto de outros problemas que estão sendo criados com Trump, não acho que seja algo preocupante.
Brasilianismo – O que o Brasil poderia fazer para diminuir o desconhecimento de Washington em relação ao Brasil?
Sean Burges – Em certo nível o desconhecimento é causado por falta de interesse. Se você olhar os interesses comerciais que dominam a agenda presidencial, quase nada da América Latina gera interesse – a não ser, talvez, o petróleo da Venezuela.
O Brasil tem uma posição estratégica maravilhosa no Atlântico Sul, está livre de risco de invasão, não faz parte de uma ameaça logística como o Mar do Sul da China e o Oriente Médio. Então o Brasil não aparece no radar estratégico dos EUA a não ser que algo dê muito errado, ou que haja problemas com tráfico de drogas, tráfico de pessoas ou ameaça terrorista. Não acho que nenhum desses três sejam prováveis.
Quando relações bilaterais estão indo bem, elas são espetacularmente entediantes. Pode parecer que nada está acontecendo, mas isso significa que as coisas estão indo bem. A ausência de notícia é uma notícia boa, não significa que não esteja acontecendo nada. há muita negociação que não chama atenção, mas que não para de acontecer no nível prático e burocrático. Enquanto o contato pragmático funcionar nos níveis básicos da diplomacia, o Brasil não vai ter problemas com os EUA.
O problema com Trump é chamar a atenção. Qualquer coisa que atraia a atenção dele se torna um risco. O ideal é ficar quieto e fora do radar, e manter as negociações tradicionais. Ele não é um ator racional, e não podemos saber o que ele está planejando.
Sobre o Autor
Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.
Sobre o Blog
O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.