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Com Bolsonaro, Brasil troca liderança por protagonismo negativo no mundo

Daniel Buarque

16/12/2019 06h40

A avaliação crítica dominou os comentários de analistas estrangeiros sobre a participação do Brasil na Cúpula do Clima, a COP-25. A conferência em Madri terminou sendo vista como um fracasso, e o Brasil, que um dia liderou este tipo de fórum internacional, assumiu um protagonismo negativo. De líder na ação contra o aquecimento global, o país virou uma obstrução.

O colunista da Folha Nelson de Sá reuniu os principais comentários da imprensa internacional sobre o Brasil na COP-25. Segundo o jornal alemão Süddeutsche Zeitung , o Brasil "bloqueou acordo na conferência do clima", e foi "o maior obstáculo" no encontro na Espanha. A própria Folha publicou reportagem comentando como o Brasil obstruiu as negociações e impediu a tomada de decisões.

A COP-25 se consolidou, assim, como um símbolo completo da guinada ideológica do Itamaraty sob Bolsonaro. Evidente em áreas como defesa da democracia, direitos humanos, comércio, relação com os EUA, relação com Cuba, Mercosul e vários outros assuntos de política internacional, a transformação do perfil internacional do Brasil é exemplificada de forma perfeita pela questão do clima.

A mudança de postura da política externa brasileira havia sido anunciada um ano antes, logo depois da eleição, e revela uma inversão de prioridades do país que pode afetar o soft power e a busca por mais prestígio internacional. Ao abandonar o que alguns no governo veem como "globalismo", o país perde cartas importantes para seu perfil internacional até mesmo em negociações bilaterais.

Evidente ao longo de todo o ano, a guinada do Brasil abandona um forte capital simbólico que vinha sendo acumulado pelo país desde os anos 1990, com a Rio-92, e que tinha se tornado ainda mais importante na Rio+20.

O Brasil era, até 2018, visto no resto do mundo como um dos países mais importantes na luta contra o aquecimento global, e um dos melhores articuladores internacionais em encontros multilaterais reunindo mais de uma centena de países em busca de soluções conjuntas para problemas globais.

Tudo isso mudou desde a eleição de Bolsonaro. O país foi tratado como um problema para o ambiente global ao longo de 2019, com as queimadas na Amazônia e no Pantanal. E Bolsonaro passou a ser visto como o "vilão ideal" da luta contra as mudanças climáticas –o que afeta a posição do Brasil no cenário internacional.

Mais do que isso, essa imagem de país que luta contra o aquecimento global e suas políticas ambientais eram apontadas por muitos observadores externos como o caminho mais seguro para a construção de um papel relevante para o Brasil em política global.

Sem um arsenal militar forte que garantisse protagonismo pelo chamado "hard power" e impusesse a presença do Brasil nas principais mesas de negociação global, o Brasil sempre precisou buscar caminhos alternativos para alcançar relevância. O desenvolvimento econômico, que também é fonte de poder internacional (como no caso da Alemanha atualmente) também não foi sustentado o suficiente para garantir relevância ao país no longo prazo. Por anos o país construiu sua ambição de ter prestígio internacional através do soft power, mas o "poder suave" é um conceito muito questionado, e que não criou nenhuma potência internacional por si só (funcionando mais como um complemento ao poder militar de países como os EUA). A questão ambiental, por outro lado, é um tema que vem ganhando força nos debates globais, que é importante para as novas gerações, e uma área em que o Brasil conseguiria consolidar o status que já tinha de líder internacional.

Durante conversas com a comunidade de política externa de países que fazem parte do Conselho de Segurança na ONU (parte da minha pesquisa de doutorado), não foram raras as vezes em que a atuação em torno de questões ambientais e climáticas foram citadas como o melhor caminho para o Brasil construir sua liderança no mundo. Havia um vácuo global nessa área, diziam os analistas estrangeiros, sem que nenhum país conseguisse representar os interesses crescentes em todo o mundo (especialmente entre novas gerações) em proteger o ambiente. O Brasil teria toda condição de assumir definitivamente este papel, segundo a percepção de comentaristas nas maiores potências do mundo.

Em vez de continuar nesse caminho já muito bem desenhado, entretanto, o novo governo resolveu abandonar essa liderança e assumir um protagonismo negativo, bloquear negociações, atacar o tal do "globalismo" e zombar do fracasso da conferência.

Do ponto de vista da construção de prestígio internacional para o país, é difícil entender a lógica por trás dessa decisão. E mais difícil ainda de prever como isso pode beneficiar o país nas relações globais ou mesmo bilaterais. Sem um papel importante nas discussões sobre o ambiente global, sem poder militar e com cada vez menos soft power, parecem não sobrar opções para que o Brasil consolide algum respeito internacional e seja visto como um ator importante no mundo. As reformas econômicas até poderiam dar algum apoio ao país entre investidores, mas pode não ser suficiente para garantir relevância internacional para o Brasil. O governo decidiu mudar a postura do Brasil, que passa a ser visto mais como um problema do que como uma solução.

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Sobre o Autor

Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.

Sobre o Blog

O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.

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