Destruir Amazônia é a forma mais rápida de o Brasil ser desprezado no mundo
Daniel Buarque
05/10/2019 04h00
Segundo Simon Anholt, o mundo confia mais na mídia internacional do que em Bolsonaro, e os ataques à imprensa na ONU fazem o presidente parecer culpado e desesperado. Especialista em imagem internacional de países, ele diz que Bolsonaro está 'brincando com fogo' e fazendo o oposto do que deveria para melhorar a reputação do Brasil. Em entrevista, Anholt diz que o tipo de nacionalismo beligerante que vê no presidente brasileiro está desatualizado em três décadas, e a opinião pública internacional punirá severamente o Brasil por isso.
O ataque de Jair Bolsonaro contra a imprensa internacional durante seu discurso na Assembleia Geral da ONU deve gerar um efeito contrário ao esperado pelo presidente brasileiro. Em vez de melhorar sua imagem e a do Brasil, pode gerar uma reação adversa.
Segundo Simon Anholt, consultor britânico especialista em imagem internacional de países, a tentativa de culpar a mídia estrangeira pela imagem negativa gerada pelos incêndios na Amazônia pode piorar ainda mais a reputação do Brasil.
"As pessoas confiam muito mais na mídia internacional do que em políticos estrangeiros, então esse tipo de afirmação o faz parecer culpado e desesperado. Todo mundo sabe que culpar a mídia é o que os ditadores fazem", avaliou Anholt em entrevista ao blog Brasilianismo.
Anholt é um dos mais experientes especialistas em percepção internacional sobre diferentes países, e frequentemente analisa a reputação do mundo sobre o Brasil. Ele foi responsável pela criação do termo "nation branding", usado para designar estudos que avaliam a imagem internacional de diferentes países como se fossem marcas (depois mudado para se chamar "competitive identity"). Anholt também desenvolveu um dos principais levantamentos globais para medir essas imagens de nações (o Nation Brands Index) e prestou consultoria a vários governos sobre formas de melhorar a imagem dos seus países.
Atualmente, o principal projeto dele é Good Country Index, índice em que promove a ideia de que os países precisam ter uma postura positiva para todo o planeta. Segundo ele, as queimadas da Amazônia também devem afetar a posição do Brasil nesse ranking.
Na entrevista abaixo, Anholt diz que a propagação de imagens dos incêndios que estão destruindo a Amazônia é a maneira mais rápida e segura de o Brasil se tornar um país desprezado internacionalmente.
"Os países que as pessoas mais admiram são os que conseguem cuidar de seu próprio povo e seu próprio território, respeitando as pessoas e o território fora de suas próprias fronteiras. Bolsonaro está, literalmente, brincando com fogo fazendo exatamente o oposto. Esse tipo de nacionalismo beligerante está desatualizado em cerca de 30 anos, e a opinião pública internacional –o que chamei de "a última superpotência restante"– punirá severamente o Brasil por isso", disse.
Brasilianismo – Em seu discurso na Assembléia Geral da ONU, Bolsonaro rejeitou toda a cobertura negativa sobre o Brasil e a Amazônia e culpou a mídia internacional pela crise da imagem. Uma posição como essa tem alguma chance de convencer a opinião de pessoas de outros países?
Simon Anholt – Não, discursos na ONU e culpar a mídia internacional estão piorando as coisas. Como um todo, as pessoas confiam muito mais na mídia internacional do que em políticos estrangeiros, então esse tipo de afirmação o faz parecer culpado e desesperado. Todo mundo sabe que culpar a mídia é o que os ditadores fazem.
A única maneira de Bolsonaro reparar a imagem do Brasil é aceitar que existe um problema e resolvê-lo rapidamente. Como todos os líderes de hoje, ele precisa trabalhar para harmonizar suas responsabilidades domésticas e internacionais, em vez de desafiá-las.
Na verdade, se ele realmente quisesse melhorar sua imagem e a de seu país agora, ele poderia fazer algo que nenhum presidente jamais fez: ele poderia admitir que estava errado, pedir desculpas às crianças do mundo e prometer mudar. O impacto disso seria verdadeiramente dramático.
Toda a minha pesquisa nos últimos 15 anos mostra que os países que as pessoas mais admiram são os que conseguem cuidar de seu próprio povo e seu próprio território, respeitando as pessoas e o território fora de suas próprias fronteiras. Bolsonaro está, literalmente, brincando com fogo fazendo exatamente o oposto. Esse tipo de nacionalismo beligerante está desatualizado em cerca de 30 anos, e a opinião pública internacional –o que chamei de "a última superpotência restante"– punirá severamente o Brasil por isso.
Brasilianismo – A cobertura negativa que a imprensa internacional tem feito sobre Bolsonaro pode realmente mudar a imagem do Brasil no mundo?
Simon Anholt – Sim, pode. Provavelmente não de forma permanente, mas atrapalha muito no momento, uma vez que minha principal pesquisa de opinião global, o Anholt-Ipsos Nation Brands Index, mostra que a imagem internacional do Brasil já foi enfraquecida bastante pela Copa do Mundo e pelas Olimpíadas.
A boa vontade que restou foi um sentimento caloroso em relação ao Brasil como guardião amigável da Amazônia (que, apesar do que Bolsonaro diz, é vista como pertencendo à humanidade, não ao governo brasileiro), e se você tirar isso, ameaça causar danos sérios e de longo prazo à reputação do país. E a reputação, como mostram décadas de pesquisa, tem um grande impacto no turismo, investimento estrangeiro, exportações, relações culturais e diplomáticas.
Brasilianismo – Os incêndios na Amazônia trouxeram uma visibilidade muito negativa para o Brasil em todo o mundo. Um diplomata brasileiro argumentou que eles representam um retrocesso de 50 anos para a imagem do Brasil. O que você acha disso?
Simon Anholt – Infelizmente, suspeito que isso esteja correto, embora 50 anos possam ser um exagero. Mas esses incêndios são "feitos para o vídeo" e têm um impacto verdadeiramente dramático na TV e nas mídias sociais. Depois de ver as florestas tropicais pegando fogo, você não esquece. Essa é a maneira mais rápida e segura de o Brasil ser desprezado internacionalmente.
Brasilianismo – Em entrevista, você disse que é raro um presidente prejudicar a imagem de um país no longo prazo. Com o que está acontecendo com Bolsonaro, os incêndios na Amazônia e uma cobertura muito negativa na mídia global, podem afetar a imagem de todo o país ou ele será o foco dessa imagem negativa?
Simon Anholt – No geral, as imagens dos países são muito estáveis e raramente mudam de ano para ano, mas quando o país é personificado por um líder com alto perfil internacional –positivo ou negativo–, esse é um dos poucos casos em que a imagem do país pode mudar rapidamente. Nelson Mandela e África do Sul, e Donald Trump nos EUA, são bons exemplos disso.
Brasilianismo – Uma crise como essa muda a maneira como o país aparece destaque no índice The Good Country? O Brasil é "menos bom" para o mundo por causa de incêndios como esses?
Simon Anholt – Sim, terá um impacto nas pontuações do Brasil no devido tempo, uma vez que o desmatamento e as emissões de CO2 estão entre os 35 indicadores que produzem a classificação geral de cada país no Índice de Bom País.
Sobre o Autor
Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.
Sobre o Blog
O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.