Mortes de crianças dão rosto a imagem de violência inexplicável no Brasil
Daniel Buarque
23/09/2019 05h06
Os protestos contra a morte da menina Ágatha Félix, baleada na sexta (20) no Rio ganharam destaque internacional. Vários jornais estrangeiros publicaram ao longo do fim de semana relatos sobre a morte de Ágatha e sobre as manifestações em comunidades.
"Menina é baleada durante operação policial enquanto estava dentro de minivan com sua avó", destaca reportagem da rede britânica Sky News.
"Centenas se reúnem no Rio de Janeiro para protestar depois de uma criança ser morta por uma bala perdida durante uma operação policial", diz o site da rede árabe Al Jazeera, em inglês.
A fotografia de Ágatha vestida de Mulher Maravilha ganhou destaque em publicações como o jornal britânico The Guardian. O jornal destacou também o fato de os manifestantes responsabilizarem o governador do Rio pela morte.
Muitos dos veículos do resto do mundo também destacaram a informação de que Ágatha foi a quinta criança morta por bala perdida este ano no Rio e 57ª desde 2007. Imagens assim, ao longo de muitos anos, dão rosto à reputação internacional cada vez maior que o Brasil vem consolidando de ser um lugar violento e sem segurança. Os exemplos mostram ainda o quão complexa é a questão da segurança pública do Brasil, e a impossibilidade de explicar o que leva a uma situação em que crianças se tornam alvos.
Em várias pesquisas recentes realizadas no resto do mundo tem sido comum ver a violência aparecendo ao lado de estereótipos consagrados da imagem do país no exterior, como praias, carnaval e futebol. Casos de mortes de crianças em operações policiais tornam essa violência ainda mais visível, e mostram que há problemas na criminalidade e mesmo na forma como ela é combatida.
A morte de Ágatha não foi a primeira a fazer isso. Em um outro caso recente de grande destaque internacional, em 2015, a morte de Eduardo de Jesus, de apenas 10 anos de idade, com um tiro de fuzil disparado pela polícia no Complexo do Alemão também reforçou essa percepção sobre o Brasil.
Na época, o pesquisador brasileiro Vinicius Mariano de Carvalho, professor do Instituto Brasil do King's College de Londres, comentou o quanto era difícil tratar desse tipo de caso com estrangeiros.
"O caso da criança morta não é explicável", disse então, em entrevista ao Blog Brasilianismo.
"A percepção que temos da violência no Brasil é contaminada pelo uso constante de violência pelo Estado e pela população", disse.
Segundo o pesquisador, falta no Brasil uma mentalidade de segurança pública que veja os moradores da cidade como cidadãos, e não como forças adversas. "Só acho que vai haver modificação se os atores locais, cidadãos das comunidades, passarem a ter uma voz mais ativa no processo de segurança pública."
Sobre o Autor
Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.
Sobre o Blog
O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.