Para a mídia estrangeira, Bolsonaro permite a livre destruição da Amazônia
Daniel Buarque
28/07/2019 07h21
Cobertura da imprensa internacional dá grande destaque a aumento do desmatamento e responsabiliza o governo de Bolsonaro por reduzir as proteções da floresta. Um artigo publicado da revista The New Republic diz que os Estados Unidos deveriam se preocupar mais com o aquecimento global e passar a ver o Brasil como uma ameaça existencial maior do que o Irã e a China por conta do desmatamento crescente.
Pelo que se viu no que foi publicado na mídia internacional nos últimos dias, em vez de aceitar passivamente o que o governo está fazendo, a atenção dada ao que se vê como uma crescente destruição da floresta e descuido do Brasil com sua proteção tem sido cada vez maior –e cada vez mais crítica. Analistas chegam a apontar o aumento do desmatamento como uma ameaça ao mundo.
"Sob o líder de extrema-direita do Brasil, as proteções amazônicas são cortadas e as florestas caem", diz o título de uma reportagem publicada neste domingo pelo jornal americano The New York Times. É um argumento que tem se proliferado em diferentes veículos de mídia em vários idiomas por todo o planeta. Para o resto do mundo, o governo Bolsonaro está permitindo a livre destruição da Amazônia.
"A destruição da Floresta Amazônica no Brasil aumentou rapidamente desde que o novo presidente de extrema-direita do país assumiu e seu governo reduziu os esforços para combater a extração ilegal de madeira, pecuária e mineração", resume o NYT.
Além da própria floresta, têm sido frequentes as reportagens internacionais que mostram a queda na proteção da população indígena que vive nessas florestas, alvo de ataques mais constantes nos últimos meses.
Uma reportagem publicada pela revista Newsweek diz que o próprio presidente Bolsonaro é visto como responsável pelo aumento do desmatamento e pela redução das proteções à população indígena. A revista também dá enfoque a um ponto que tem ganhado maior atenção na mídia estrangeira: a ideia de que o país pode se aproximar de um ponto sem volta na destruição da floresta.
"Desde que chegou ao poder, há sete meses –com apoio da indústria do agronegócio e da mineração–, Bolsonaro enfraqueceu os órgãos governamentais responsáveis pela proteção da floresta tropical, bem como as regulamentações que cobrem terras indígenas e reservas naturais. A agência de meio ambiente foi efetivamente colocada sob a jurisdição do Ministério da Agricultura, que é dirigido por um lobista da agricultura", explica.
O tom é parecido com o de uma reportagem publicada pelo jornal El Espectador: "O medo de que o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, daria espaço à invasão de terras na Amazônia, extração madeireira e queima tornou-se uma realidade."
Na China, o site China.org publicou um artigo com críticas ao tratamento dado pelo governo brasileiro à floresta, que chama de "pulmão do mundo".
"A preocupação global está aumentando, enquanto as esperanças estão diminuindo sobre a sobrevivência da floresta amazônica", diz. "Desde que o atual presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, tomou posse em 1º de janeiro de 2019, o lobby ambiental global vem emitindo repetidos sinais de emergência sobre perigos potencialmente graves para o futuro da Amazônia, como resultado das políticas de um presidente eleito em clara agenda anti-ambiental e anti-indígena", diz.
A opinião estrangeira tambése voltou fortemente contra a posição do presidente contra o monitoramento de desmatamento feito pelo INPE. Segundo algumas publicações, o governo pretende censurar dados que mostram problemas na sua política de proteção da Amazônia.
Em um artigo no site de opinião da agência de economia Bloomberg, o colunista Mac Margolis, que escreve regularmente sobre o Brasil, alega que Bolsonaro não pode dizer que a destruição da Amazônia é uma mentira, e diz que os cientistas brasileiros que mostram o crescimento do desmatamento são líderes mundiais no monitoramento de florestas.
A preocupação com a questão ambiental se transformou em um dos principais focos da atenção internacional direcionada ao Brasil desde o período das eleições, quando o posicionamento do então candidato Bolsonaro era visto como perigoso. Desde a sua vitória e posse, têm sido frequentes os comentários críticos no resto do mundo –o que levou o presidente a reagir mais recentemente declarando que o povo brasileiro é o dono da Amazônia.
Ainda assim, essa percepção externa de destruição da Amazônia e de falta de cuidado do governo pode gerar sérios problemas para o Brasil, que até recentemente era visto como uma importante liderança internacional na luta contra o aquecimento global.
O país perde prestígio internacional ao deixar de lado este papel. Por outro lado, isso pode gerar uma reação econômica imediata, levando a perdas para o Brasil em grandes acordos comerciais, como se viu na negociação entre a União Europeia e o Mercosul.
Além disso, entretanto, há possibilidades de impactos políticos. Em vez de ganhar o respeito do mundo pela posse brasileira da Amazônia, as declarações de Bolsonaro e o aumento do desmatamento podem ampliar preocupação externa e criar problemas maiores para a posição global do país.
Um artigo publicado pela revista americana The New Republic pode ser lido como uma evidência disso. A publicação trata o Brasil como uma ameaça à segurança global maior do que o Irã e a China, tradicionalmente vistos como maior risco da atualidade pelos Estados Unidos.
"O foco atual na China como uma ameaça existencial é principalmente notável por como ela desloca a verdadeira ameaça existencial para os Estados Unidos e o mundo, a mudança climática, na orientação de nossa estrutura de segurança nacional. E um nível adequado de atenção às mudanças climáticas como uma preocupação urgente de segurança exigiria que os EUA reordenassem suas prioridades. Enquanto a China é um dos maiores emissores de gases de efeito estufa, devemos prestar mais atenção ao que está acontecendo em nosso hemisfério. Em particular, isso significa abordar o perigo mais imediato que estamos enfrentando de um estado que oficialmente é parceiro e do presidente aliado de Trump: o Brasil de Jair Bolsonaro e seu desmatamento acelerado na Amazônia", avalia.
Sobre o Autor
Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.
Sobre o Blog
O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.