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‘Democracia em Vertigem’ será referência sobre o Brasil para estrangeiros

Daniel Buarque

09/07/2019 08h04

Chamado de "mergulho na política brasileira" pelo jornal norte-americano Los Angeles Times, o documentário "Democracia em Vertigem", de Petra Costa, teve grande repercussão na imprensa internacional nas últimas semanas. Publicações importantes como o próprio jornal californiano, além do New York Times –que indicou o filme como um dos melhores do ano–, do Guardian e da revista Americas Quaterly, publicaram textos avaliando o filme e o retrato que faz da situação do Brasil –com um viés pessoal e crítico à ascensão da direita ao poder.

Se o filme cria polêmica dentro do Brasil, no exterior ele tem o potencial de se tornar "o principal ponto de referência para os não-especialistas na história recente do Brasil", segundo a pesquisadora Stephanie Dennison, diretora de estudos brasileiros da Universidade de Leeds, no Reino Unido. Em entrevista ao blog Brasilianismo, ela explicou que o fato de o filme ser um documentário faz com que carregue "um certo grau de autenticidade".

Dennison é especialista em cinema e soft power brasileiro e é autora de livros como o recente "Paulo Emílio Salles Gomes: on Brazil and Global Cinema" (University of Wales Press) e "Remapping Brazilian Film Culture in the 21st Century", que vai ser publicado pela editora Routledge.

Para ela, apesar de "Democracia em Vertigem" de fato fazer uma "leitura pessoal e ligeiramente ambígua da história brasileira", muitas das críticas ao filme são infundadas. "Nem este nem um filme como 'O Processo' se propuseram a ser abrangentes em suas explicações da história recente do Brasil", disse.

Dennison avalia ainda que, além de ser uma representação forte do Brasil, o filme também pode oferecer chaves para entender a guinada à direita em outros países do mundo, como os Estados Unidos sob Trump e o debate sobre o Brexit no Reino Unido.

Brasilianismo – O que achou do filme 'Democracia em Vertigem'?
Stephanie Dennison – Achei muito assistível. Eu tinha lido muitas críticas do filme antes de assisti-lo, então estava preparada para o estilo comercial e emotivo do documentário, que realmente não está fora de lugar na Netflix. Eu estou familiarizada com o trabalho de Petra Costa, então a leitura pessoal e ligeiramente ambígua da história brasileira, como vista no filme, também não me surpreendeu.

Brasilianismo – 'Democracia em Vertigem' teve grande repercussão na grande mídia no Reino Unido e nos EUA. Você acha que o filme pode ajudar as pessoas de fora do Brasil a entenderem o que está acontecendo no país nos últimos anos?
Stephanie Dennison – Como qualquer jornada pessoal através da história brasileira (como 'No Intenso Agora', de João Moreira Salles, do qual o filme me recordou em muitos níveis), pode ser útil apenas em certa medida. Algumas das críticas dirigidas ao filme por parte dos observadores brasileiros (por exemplo, que o filme omite detalhes dos erros cometidos pelo PT, que evita a 'autocrítica', ou que o tom pessoal está fora de lugar na narrativa de uma história tão urgente) são injustas, dado que nem este nem um filme como 'O Processo' se propuseram a ser abrangentes em suas explicações da história recente do Brasil.

Pessoalmente, não acho que tenha havido imprecisões no relato que Costa faz da situação instável da democracia brasileira nos últimos anos. Isso não significa dizer, claro, que não há muito mais na história do que o que é representado no filme. 'Democracia em Vertigem' será útil como uma contrapartida para algo como 'O Mecanismo', de José Padilha, também disponível na Netflix, que por sua vez é cheio de imprecisões.

Brasilianismo – A guinada à direita da política brasileira tem sido descrita como parte de um movimento global, juntamente com Trump, Brexit e muitas outras mudanças políticas pelo mundo. De que forma filmes como 'Democracia em Vertigem' podem ajudar a entender as características brasileiras do que está acontecendo no país?
Stephanie Dennison – Sim, eu acredito que um filme como 'Democracia em Vertigem' pode ser lido como fornecendo algum tipo de chave universal para entender pelo menos parte da história dessa guinada para a direita. As manobras de bastidores por parte das elites (políticas e financeiras) e grupos religiosos conservadores para não perder uma oportunidade de se beneficiar de qualquer coisa que empurre o eleitorado a seu favor podem ser vistas em outros lugares. A política maquiavélica pode ser vista em jogo no atual parlamento britânico em relação ao Brexit, por exemplo.

Brasilianismo – 'Democracia em Vertigem' ganhou destaque pouco tempo depois de 'O Processo', sobre o impeachment de Dilma Rousseff. Você acha que é possível analisar os dois filmes juntos? Como você acha que filmes como esses podem moldar a maneira como o resto do mundo pensa sobre política no Brasil?
Stephanie Dennison – Sempre é difícil ter uma noção de quem está assistindo a filmes na Netflix e de onde essas pessoas são, já que a Netflix não compartilha informações sobre audiência. Mas posso imaginar que 'Democracia em Vertigem' se tornará o principal ponto de referência para os não-especialistas na história recente do Brasil, particularmente porque é um documentário e, portanto, carrega um certo grau de autenticidade.

Brasilianismo – Isso pode mudar a imagem do país? Pode afetar o soft power do Brasil?
Stephanie Dennison – Eu costumo pensar que a relação entre soft power e cinema tem mais a ver com a produção de filmes do que com o conteúdo dos próprios filmes. A maioria dos documentários (e muitos filmes de ficção) que saem do Brasil são críticos, de uma forma ou de outra, do status quo. O que poderia potencialmente impactar em termos de soft power é o reconhecimento de que o Brasil produz filmes emocionantes, instigantes, desafiadores e assistíveis. 'Democracia em Vertigem' foi criado por uma diretora de trinta e poucos anos que já está em posição de assumir um grande problema e negociar com a Netflix. Isso me impressiona.

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Sobre o Autor

Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.

Sobre o Blog

O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.

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