‘O martírio não serve para nada’, diz brasilianista sobre decisão de Wyllys
Daniel Buarque
25/01/2019 07h58
Jean Wyllys precisa continuar vivo, defendeu James N. Green, brasilianista professor do departamento de história da universidade Brown, nos EUA, em entrevista ao blog Brasilianismo.
"Ele tem todo o direito de decidir sobre a vida dele, que está sendo ameaçada. Ele não se sente seguro e tem todo o direito de se proteger. Ele é um quadro importante e precisa continuar vivo. Se o governo não oferece proteção, é importante ele se proteger", disse Green.
A avaliação foi feita após o anúncio da decisão do deputado federal pelo PSOL do Rio de Janeiro de abrir mão do novo mandato e de não voltar ao Brasil por conta da intensificação das ameaças de morte contra ele.
"Ninguém deve ser mártir. O martírio não serve para nada. O importante é ter pessoas vivas seguindo a luta", disse. "Durante a ditadura, ninguém era cobrado por querer sair do país por causa da repressão", completou.
Eleito pela terceira vez consecutiva, Wyllys, está fora do país, de férias, e disse que não pretende voltar ao Brasil e que vai se dedicar à carreira acadêmica. Desde o assassinato da a vereadora Marielle Franco, Wyllys vive no Brasil sob escolta policial. Com a intensificação das ameaças de morte, o deputado tomou a decisão de abandonar a vida pública. O PSOL confirmou que a vaga de Wyllys deve ser ocupada pelo suplente David Miranda (PSOL-RJ).
A decisão ganhou grande repercussão na imprensa internacional. Publicações importantes como o jornal britânico The Guardian, o americano The New York Times e a rede NBC noticiaram o anúncio de Wyllys, destacando que ele foi o primeiro congressista abertamente gay do Brasil. A mídia estrangeira também ressaltou que o Brasil tem um alto índice de crimes contra a comunidade LGBT.
Green contou que vinha conversando com Wyllys, de quem é amigo, sobre as opções do deputado para se manter seguro, e que não chegou a ficar surpreso com a decisão, apesar de ser um momento triste. Segundo ele, o contexto atual do Brasil é de perigo para ativistas.
"A conjuntura é muito parecida com os piores momentos da ditadura militar, com ataques à imprensa e ameaças às pessoas. O Brasil tem uma conjuntura muito diferente desde a eleição. Por que pensaríamos que não vão matar ele. É possível. Não é uma fantasia", disse. "Vai ter muita impunidade no Brasil."
Green organizou nos EUA no início do ano a National Network for Democracy in Brazil (Rede Nacional pela Democracia no Brasil), reunindo centenas de acadêmicos e ativistas nos EUA a fim de educar o público norte-americano a respeito da situação política do Brasil e defender avanços progressistas e movimentos sociais do país. Ele também ajudou a criar na França uma rede internacional que visa ajudar brasileiros, estudantes e profissionais, que se sintam ameaçados por decisões ou atos do governo brasileiro.
Apesar da pressão elevada desde a eleição e da decisão de Wyllys, Green alega que o movimento LGBT no Brasil não vai se enfraquecer, e que a reação vai ser vista nas ruas.
"As forças conservadoras querem voltar para a Idade Média, mas não vamos voltar para a Idade Média", disse. "As pessoas estão em choque, mas o movimento LGBT não vai perder força."
"Vi grandes indicações de solidariedade, amor e carinho. Ele representa muito. Todo mundo que é consciente torce por ele. Ele é um produto do movimento LGBT, ganhou popularidade por ser uma pessoa especial, mas o movimento não é só ele, são milhões de pessoas que vão às paradas gays todos os anos festejando nossa sexualidade e lutando por um país diferente. Acho que que paradas em todo o país vão ser maiores do que todos os anos. Nós temos razão", defendeu.
Sobre o Autor
Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.
Sobre o Blog
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