Diplomacia de Bolsonaro inverte prioridades e cria risco à projeção do país
Daniel Buarque
29/11/2018 06h35
Na mesma semana em que o filho do presidente eleito confirmou que o próximo governo do Brasil de fato pretende mudar a embaixada do Brasil em Israel –o que equivale a comprar uma briga com importantes parceiros comerciais no Oriente Médio–, o próprio Jair Bolsonaro levou à decisão de não receber mais a COP-25, conferência do clima das Nações Unidas, no próximo ano.
Assim, antes mesmo de chegar ao poder, Bolsonaro indica que o Brasil abre mão de um papel de liderança em uma área em que o país já é uma referência internacional –a ambiental–, enquanto leva o Brasil a enfrentar desafios diplomáticos em uma área em que o Brasil não é considerado muito relevante –a segurança no Oriente Médio.
Parece uma aposta arriscada, da qual dificilmente se podem tirar benefícios para o país.
Isso mesmo sem discutir a questão ideológica, já que, se o país pretendesse mudar sua postura na questão ambiental, a melhor forma de fazer isso seria mantendo um papel de liderança, e não abrindo mão de ter uma posição importante na discussão global.
O principal trunfo do Brasil em política externa é o soft power, o poder de persuasão por meios diplomáticos e sociais, sem apelar à força militar ou econômica. Esta linha depende muito da percepção externa que se tem do Brasil. E enquanto o país já é reconhecido por sua atuação na questão climática, não costuma ser muito relevante na hora em que tenta se envolver em questões de segurança internacional.
Tanto é assim que o país é sempre lembrado como importante em conferências climáticas, e teria o potencial de sediar a terceira dessas reuniões internacionais, mas não costuma ser consultado em relação a decisões de segurança –e não foi muito respeitado quando tentou se envolver em negociações com o Irã, por exemplo.
O problema é que, segundo a comunidade global nos países mais poderosos do mundo, a melhor forma de o Brasil aumentar sua influência internacional seria apostar nas cartas mais fortes que já tem na mão, como a questão ambiental, ou as missões de paz, como no Haiti. Isso teria mais relevância na construção e desenvolvimento do soft power brasileiro do que a tentativa de se envolver em grandes questões de segurança nas quais o país não apita nada.
Em minha pesquisa de doutorado no King's College de Londres, tenho entrevistado dezenas de diplomatas e políticos estrangeiros sobre a percepção que eles têm do Brasil. Em todas as conversas, uma pergunta trata da influência real que o Brasil tem ou não no resto do mundo. Uma das respostas mais comuns tem sido que não existe uma resposta genérica sobre a influência global do Brasil, e que o país tem relevância em algumas questões, mas não em outras.
A melhor aposta para o país seria focar nas áreas em que o Brasil é de fato relevante, e deixar de lado aquelas em que o país não é ouvido. "O Brasil precisa definir suas prioridades e aproveitar o que já conquistou", ouvi mais de uma vez. O governo Bolsonaro parece pretender redefinir essas prioridades, abrindo mão do que o Brasil já tem de soft power para apostar em uma relevância que o país não possui.
A questão do Oriente Médio não costuma ser reconhecida como algo em que o Brasil tenha relevância, e talvez não possa virar prioridade. A decisão do presidente eleito parece um alinhamento automático com as decisões de Donald Trump, que podem não gerar resultados para o país.
Conforme analisou o professor de relações internacionais na FGV Matias Spektor, na Folha, em vez de fortalecer a mão de Bolsonaro em Washington, o primeiro movimento do governo terminou por enfraquecê-la. "Se esta missão der o tom da diplomacia dos próximos anos, os opositores podem descansar tranquilos. Não há risco de uma política externa desse tipo dar certo."
O ambiente, sim, era uma dessas prioridades. Brasil começou a se tornar uma referência em questões ambientais no começo dos anos 1990, com a conferência Rio 92. O papel importante do Brasil se reforçou ainda mais há seis anos, com a Rio+20. Os dois eventos sempre são mencionados por diplomatas internacionais quando questionados sobre a força política do Brasil no resto do mundo. Ao rejeitar ser sede da COP-25, o país parece abrir mão do poder diplomático e da projeção internacional que levou quase três décadas construindo.
Sobre o Autor
Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.
Sobre o Blog
O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.