Para brasilianistas, Moro em ministério reduz credibilidade da Lava Jato
Daniel Buarque
03/11/2018 06h45
A decisão do juiz federal Sergio Moro de aceitar o convite para se tornar ministro da Justiça do governo de Jair Bolsonaro pode abrir espaço para questionamentos sobre a legitimidade e a credibilidade da operação Lava Jato, segundo pesquisadores estrangeiros que estudam a realidade política e a questão da corrupção no Brasil. Para observadores externos, a ida de Moro para o governo ajuda a fortalecer a tese difundida pelo PT de que o combate à corrupção tinha viés partidário.
"A decisão de Moro enfraquece a credibilidade da Lava Jato. Agora é mais difícil dizer que é uma ação imparcial e não política. Moro insistiu em uma entrevista à 'Veja' há alguns anos que não aceitaria uma nomeação política porque isso colocaria em dúvida a integridade da Lava Jato. Evidentemente, sua ambição o levou a esquecer isso", disse o cientista político Anthony Pereira, diretor do Brazil Institute no King's College London, em entrevista ao blog Brasilianismo.
A opinião semelhante à de Timothy J. Power, especialista em Brasil e diretor da Oxford School of Global and Area Studies.
"Acredito que, depois de quatro anos de manchetes e avanços na investigação Lava Jato, ao aceitar esse cargo no Ministério da Justiça, o juiz coloca em risco alguns pontos de legitimidade dessas investigações. Então, me surpreende que ele tenha aceitado tão rapidamente esse convite. O PT vive dizendo, desde 2010, que a Justiça é parcial, que as investigações da Lava Jato tinham por objetivo de acabar com as chances eleitorais do partido em 2018", disse Power em entrevista à BBC News Brasil.
"Havia um obstáculo grande à eleição de Bolsonaro que era a figura do ex-presidente Lula. Ele foi preso e foi um obstáculo removido por ação direta do juiz Moro. E Bolsonaro venceu. Se Haddad perdeu a eleição por 10 pontos, com Lula teria sido mais competitivo. Agora, poucos dias após as eleições, Moro aceita o convite para ser superministro da Justiça. Isso reforça a narrativa do PT de vitimização pela Lava Jato. Então, coloca em risco a legitimidade das investigações e prejudica os juízes e promotores que vão continuar com as apurações", continuou Power.
Segundo Pereira, o que é especialmente surpreendente sobre a decisão "é que Moro poderia ter garantido a promessa de Bolsonaro de nomeá-lo para o STF em 2020. Nesse caminho, ele teria permanecido como juiz."
"No curto prazo, a indicação parece confirmar a narrativa do PT de que o sistema jurídico é enviesado contra o partido", disse. Além disso, segundo ele, o debate sobre o partidarismo da Lava Jato vai impedir o PT de refletir sobre seus erros e pensar sobre seu papel na política brasileira.
Comemorada pelos eleitores de Bolsonaro, a nomeação de Moro foi recebida com fortes críticas na imprensa internacional, e gerou muitos questionamentos à imparcialidade do próprio Moro e à credibilidade da operação Lava Jato. Para analistas, a ida de Moro ao governo soa problemática, passa a impressão é de que o juiz foi premiado por ajudar Bolsonaro a ser eleito, e parece comprovar acusações de partidarismo que antes poderiam ser vistas como teoria da conspiração.
"Parece um grande erro: são os promotores, não o governo, que deveriam combater a corrupção. E a condenação de Lula por Moro agora parece um ato político", comentou Michael Reid, da revista "The Economist", no Twitter.
Em um artigo publicado na revista "Americas Quarterly", o editor Brian Winter analisou a decisão de Moro, e diz que ela foi justificada por acreditar em um "bem maior" ao país através de reformas no sistema de combate à corrupção. Mesmo assim, o próprio Winter admite que a ida dele ao governo Bolsonaro representa problemas do ponto de vista de percepção da Lava Jato, e muda a operação para sempre.
"Independentemente das intenções reais de Moro, aceitar o cargo tem um custo grande. Ele reescreve irrecuperavelmente a história da Lava Jato, decepciona até mesmo muitos de seus apoiadores e dá munição aos críticos que insistem que a investigação tinha interesses políticos desde o começo. A história mostrará que Moro prendeu o principal rival político de Bolsonaro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e apenas meses depois aceitou um emprego no governo de Bolsonaro", diz.
"Sim, a sentença de Lula foi confirmada por unanimidade por um tribunal de recursos. Sim, várias outras cortes, incluindo o Supremo Tribunal Federal, rejeitaram moções que poderiam ter libertado Lula. Sim, a Lava Jato levou acusações criminais contra mais de uma dúzia de diferentes partidos políticos em todo o espectro ideológico, não apenas o Partido dos Trabalhadores. Mas as percepções importam, como o próprio Moro observou em entrevista à revista 'Veja' em 2017: 'Não seria apropriado da minha parte me apresentar para qualquer tipo de posição política, porque isso poderia, digamos, colocar em dúvida a integridade de o trabalho que fiz até agora'."
Apesar da análise crítica sobre o possível impacto da indicação na legitimidade do combate à corrupção no Brasil, os pesquisadores estrangeiros veem a decisão de Jair Bolsonaro de convidar Moro como um acerto político.
"Bolsonaro é um político. Ele diz que não é, mas qualquer político quer chamar para o gabinete os nomes mais aprovados pela população. Poucas personalidades gozam de muita popularidade e é inegável que Moro é um dos nomes mais conhecidos do Judiciário. É natural que seja feita essa sondagem. Então, o que me surpreende não é o convite, é a decisão de Moro de aceitar", avaliou Power.
Taylor vê a questão de forma parecida: "Moro dá prestígio ao presidente eleito e beneficia o governo de Bolsonaro. Durante a campanha ele divulgou poucas propostas para o combate à corrupção, mas a indicação mostra que esta deve ser uma prioridade", explicou. "Imagino que Moro tenha aceitado o cargo pela possibilidade de afetar positivamente a luta contra a corrupção."
Ainda assim, a indicação pode ter um impacto negativo para o próprio Moro, segundo Pereira, do King's College de Londres. "Bolsonaro marca uma grande vitória com isso, mas Moro corre mais risco de o processo todo dar errado para ele. Não está claro que ele será capaz de impedir, como ministro da Justiça, a realização de acordos que diluem as investigações da Lava Jato", avaliou.
Sobre o Autor
Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.
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