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Recorde de homicídios consolida marca do Brasil como um país da violência

Daniel Buarque

11/08/2018 05h48

O fato de o Brasil ter registrado 63.880 homicídios em um ano seria suficientemente "macabro", como diz o "New York Times", para afetar negativamente a percepção internacional do país. A forma como o alto número de assassinatos ganhou atenção no resto do mundo, entretanto, destacou a ideia de que o país conseguiu piorar o que já estava ruim, batendo o próprio recorde de mortes e consolidando a marca do Brasil como um dos lugares mais violentos do mundo.

Em quase todos os títulos de reportagens em publicações estrangeiras se repetiu o tema de "recorde batido", que deveria ser associado a coisas positivas, mas que reflete o quanto a violência criou no Brasil um "cenário de devastação", como diz o jornal inglês "The Guardian".

"São 175 mortes por dia", ressaltou o "NY Times" em sua reportagem sobre o dado. O jornal ainda comparou a situação à dos EUA, onde o número de homicídios caiu, e a outros lugares também comumente associados à ideia de violência: "Até o México, que também está sofrendo com uma alta de taxa de assassinatos, teve menos homicídios por 100 mil habitantes no último ano", diz.

O "Guardian" destaca que o problema é até maior do que apenas o número recorde de homicídios, destacando ainda que houve um aumento no número de estupros e o fato de que a polícia é responsável por 14 mortes por dia.

O jornal inglês ainda aponta a impunidade como uma das causas do aumento da violência. "Apenas 10% dos homicídios levam à prisão, e apenas 4% chegam a ser julgados", diz. Ressalta ainda que o país também registra altos índices de crimes contra mulheres, e menciona a morte da advogada Tatiane Spitzner pelo marido, que teve grande repercussão internacional.

Para a maior parte das análises internacionais, no entanto, o aumento da violência está ligado a problemas sociais e políticos, mas especialmente ao crime organizado. "A taxa de homicídios do Brasil explodiu enquanto quadrilhas rivais lutam por território em um país que tem fronteira com os três maiores produtores de cocaína do mundo. (…) Ao mesmo tempo, orçamentos de segurança pública foram cortados em meio à mais profunda recessão que o país já viu", diz o "NY Times".

Além do impacto social e internacional, a notícia recente sobre o novo recorde de assassinatos também está sendo analisada por seu possível impacto político em um ano de eleição presidencial.

A imprensa internacional destaca o fato de que o medo da violência deve ser um forte elemento na decisão dos eleitores brasileiros, e pode ajudar candidatos de extrema-direita, como Jair Bolsonaro. Segundo a rede Al Jazeera, a popularidade de Bolsonaro tem levado outros candidatos, como Geraldo Alckmin, a endurecer o discurso de combate à violência.

O medo da violência no Brasil recebeu também atenção internacional antes da divulgação dos dados quando o "Wall Street Journal" publicou na semana passada reportagem dizendo que milhares de brasileiros ricos estão "fugindo do país". A publicação diz que as notificações de emigração saltaram para 21.700 em 2017, três vezes mais que em 2011.

A violência associada ao recorde de homicídios tem sido um dos elementos que, desde o início das crises política e econômica, têm piorado a imagem internacional do Brasil. A reputação do país tem sofrido impacto tão grande que em 2017 o Brasil caiu em todos os índices que medem imagens internacionais de nações. Em muitos estudos globais de reputação, o Brasil chegou a sua pior marca em mais de uma década.

O estudo anual sobre número de homicídios no Brasil, e o recorde que se amplia a cada novo levantamento, dão um panorama geral para relatos que se repetem de forma quase cotidiana sobre violência no Brasil. Além de ser visto como o lugar com maior número de mortes, o Brasil também tem destaque frequente no resto do mundo em casos específicos, como a morte de crianças em favelas. Casos frequentes de violência ampliam a mancha que ela cria na imagem do país.

Mais recentemente, ganhou maior espaço também a violência por motivos políticos, especialmente com o noticiário sobre a morte da vereadora Marielle Franco.

Os dados sobre violência no Brasil têm sido acompanhados atentamente pela imprensa internacional nos últimos anos. Em 2016, o principal destaque do alto número de homicídios era o fato de que o país tinha uma mortalidade maior do que a da Síria, que dominava as manchetes por estar em guerra.

Desde então era bem evidente que a violência e a criminalidade estavam entre os principais estereótipos internacionais associados ao Brasil. A divulgação dos dados e a comparação com um país em guerra ajudavam a reforçar ainda mais a imagem de insegurança que o resto do mundo vê o país

Um ano depois, com a revelação de um número de homicídios ainda maior, a ideia de "recorde mundial" de mortes violentas começou a ser associada diretamente ao Brasil. "É como se o Brasil tivesse uma explosão de bomba atômica por ano", dizia um entrevistado citado pelo jornal argentino "Clarín".

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Sobre o Autor

Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.

Sobre o Blog

O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.

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