Por que a mídia internacional chama atenção no Brasil e por que ela importa
Daniel Buarque
18/03/2018 17h58
Os brasileiros em muitos momentos parecem obcecados com as descrições e comentários sobre o país na imprensa internacional. A forma como o país é retratado no resto do mundo tem importância na reputação do país, ela faz parte da consolidação da própria identidade nacional e influencia a situação política brasileira e suas relações com outras nações em uma arena global.
Este blog Brasilianismo completa três anos neste domingo (18), e esta é a postagem de número 1.001. Desde 2015, foram publicados comentários, análises e entrevistas quase diários sobre como o país é visto e analisado a partir de uma perspectiva externa. Este texto "comemorativo" resume de forma breve um seminário sobre o tema apresentado por seu autor no fim de fevereiro na Universidade de Oxford. A ideia era apresentar o interesse do Brasil pela forma como o país é retratado do exterior, e analisar a importância desse "espelho" da imagem do país.
O primeiro ponto é entender esta "obsessão" com a imagem internacional. Apesar de não haver uma explicação simples e direta para sua origem, o interesse pela forma como o país é visto no resto do mundo aparece com frequência em vários pontos da história. Desde o livro do alemão Hans Staden, que em 1557 ajudou a popularizar na Europa a imagem de selvagens canibais que viviam no Brasil, já se vê um líder indígena que é curioso sobre o que os portugueses falavam sobre ele. Mais tarde, a primeira "história" do Brasil foi amplamente construída a partir de relatos de viajantes europeus, o que criou uma dependência desse olhar externo para a própria formação do país.
Tanto foi assim que a vinda da família real portuguesa, em 1808, se deu acompanhada de uma missão de pesquisadores e artistas, que iam ajudar a desenhar a imagem do país. Depois disso, desde a Independência, no século XIX, o governo do país que se formava se preocupava com o que diziam jornais europeus, e trabalhava para melhorar a imagem do país no exterior. Isso se repetiu desde então, e até hoje volta a acontecer.
É desde este período de formação do Brasil que se consolida a frase "para inglês ver", que já diz muito sobre a preocupação brasileira com o que é visto, e pensado, pelos estrangeiros.
Em seu recente livro sobre a história da diplomacia brasileira, Rubens Ricupero explica como o Brasil trabalhava seu "soft power", o poder de persuasão em relações internacionais, desde o barão de Rio Branco, muito antes de a ideia de soft power existir na teoria. Segundo ele e outros historiadores, a busca por reconhecimento e prestígio foi uma das principais pautas do Brasil no cenário internacional desde o começo da sua história.
Com o tempo, a imprensa estrangeira virou o centro da atenção dos brasileiros quando buscam o reconhecimento internacional. A mídia se consolidou como "árbitro" do que acontece de relevante no país, como explica o pesquisador chileno César Jiménez-Martínez em sua tese de doutorado pela London School of Economics.
A ascensão dessa importância da repercussão internacional veio com críticas, naturalmente, e muitas pessoas acham que o interesse exagerado pelo que "deu no 'New York Times'", ou "disse a 'Economist'". Há quem fale até mesmo em "nostalgia do colonizador". A questão, entretanto, é que com exagero ou não, a imprensa estrangeira e a imagem internacional de fato são importantes para um país emergente que tenta conquistar mais espaço em relações comerciais e diplomáticas no exterior.
A imprensa é reconhecida como o principal meio condutor da imagem nacional de um país no resto do mundo, e é capaz de influenciar na forma como os outros países pensam sobre o Brasil, por exemplo. Além disso, muitos pesquisadores apontam para o fato de que a imprensa pode ser pensada como um "termômetro" do que se pensa sobre um país no resto do mundo. Ele ajuda a entender a opinião externa. Uma terceira forma de pensar a relevância da mídia internacional é como se ela desse voz ao que o mundo pensa sobre o país. A imprensa seria como um "porta-voz" do que outras nações pensam sobre o que acontece no Brasil.
Curiosamente, apesar da importância da imagem internacional na imprensa estrangeira e do interesse dos brasileiros por ela, alguns estudos indicam que o próprio Brasil é responsável por grande parte do que sai nos jornais do resto do mundo. A imprensa internacional se alimenta da mídia nacional, explica Antonio Brasil, por exemplo. Os brasileiros oferecem a base do que essa imprensa de fora diz, e a projeção de estereótipos pode até ser pensada como um resultado da auto-imagem dos brasileiros, que também se desenvolve com altas doses de clichês.
A imprensa internacional pode ser vista como um bom termômetro para analisar o impacto de grandes eventos globais sediados pelo Brasil recentemente, por exemplo. Estudos mostram como a mídia reforçou estereótipos sobre o país na Copa e na Olimpíada, reforçando a imagem do país como "decorativo", um lugar de festas sem tanta relevância em assuntos sérios. Os eventos não chegaram a piorar a imagem do país, mas colocaram o Brasil sobre holofotes em um momento de crise, o que fez com que a força da reputação do país se deteriorasse um pouco.
A pesquisa do chileno Jiménez-Martínez aponta especificamente para as jornadas de Junho como o ponto de virada, momento em que a imagem do país passou de positiva a negativa. Ali, ele explica, houve uma disputa pela imagem que se construiria do Brasil, e manifestantes chegaram a levar cartazes em inglês para protestos nas ruas. Apesar de um otimismo inicial, em que estrangeiros viam nas manifestações um sinal de democracia, o que se construiu ali foi a cascata de notícias negativas que mostravam, pela direita e pela esquerda, que a política brasileira não funcionava muito bem.
A imagem negativa da política na imprensa estrangeira revelou um país em que o sistema tem muitos problemas em sua raiz, favorecendo a manipulação e o populismo. A análise internacional do impeachment de Dilma Rousseff, por exemplo, foi muito negativa. Por mais que no geral não tenha se consolidado o discurso de que houve um golpe de Estado, a avaliação mais forte foi de que não foi um processo equilibrado, justo e positivo para o Brasil.
Este é um ponto central da cobertura feita pela mídia estrangeira a respeito do Brasil. Ao tratar das notícias brasileiras sob um ponto de vista externo, apresentando os fatos a um público também estrangeiro, os jornalistas do resto do mundo precisam ter uma atenção muito maior a contextos e explicações. Há uma constante tentativa de resumir e explicar para leigos, o que gera uma cobertura por vezes aprofundada e interessante.
A imprensa estrangeira se comporta, portanto, como uma "floresta". Ela dá uma visão mais distante e contextualizada do que acontece no país, enquanto a mídia nacional se ocupa de "árvores", pequenas pílulas de noticiário apresentadas para quem está dentro da floresta. Enquanto a imprensa nacional pode noticiar a cada dia o que acontece de novo no processo contra Lula, por exemplo, a imprensa estrangeira cuida de uma cobertura mais genérica, menos atenta a cada detalhe, e sempre preocupada em contextualizar e explicar até mesmo quem é este tal de "Lula".
É este Brasil cheio de estereótipos e simplificado, mas construído em parte com base no que os próprios brasileiros pensam e falam, que se forma no "espelho" da imprensa internacional. O país é contextualizado e explicado para quem não o conhece, e acaba ajudando a consolidar a imagem geral que o resto do mundo tem a respeito do Brasil.
Sobre o Autor
Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.
Sobre o Blog
O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.