Crises afetam percepção externa e não deixam se tornar uma potência global
Daniel Buarque
07/11/2017 07h58
A qualidade da percepção internacional sobre o Brasil desabou nos últimos anos. Todos os principais rankings que medem a imagem da nação no resto do mundo mostram que as crises política e econômica dentro do Brasil afetaram a forma como o resto do mundo vê o país.
Segundo o pesquisador de marketing de países David Reibstein, um dos principais especialistas do setor, "não há dúvida de que o Brasil tem os recursos e o potencial para ser uma das dez primeiras nações do mundo". O problema, segundo ele, é que o Brasil tem tantos conflitos internos, impeachment, instabilidade econômica, que tudo isso afeta a percepção externa.
Reibstein é professor de marketing da Wharton School, na Universidade da Pensilvânia. Especialista em desenvolvimento de métricas para análise de marcas, ele participou do desenvolvimento e análise de dados do ranking Best Countries.
Este índice mede a percepção internacional sobre vários países e indica que o Brasil tem a 28ª melhor imagem do mundo (uma queda de 8 posições em menos de dois anos), com excelente reputação como destino de turismo (quesito Aventura), mas com avaliação negativa quanto à qualidade de vida no país.
Em entrevista ao blog Brasilianismo, Reibstein diz que a melhor forma de mudar a percepção do mundo sobre o Brasil é corrigir os problemas internos, buscar a estabilidade e evitar novas reviravoltas. "Percepções são importantes, e vai demorar para que o Brasil consiga mudar as percepções internacionais sobre o país, pois este tem sido um problema constante no Brasil."
Brasilianismo – O índice Best Countries coloca o Brasil como o melhor país no quesito Aventura, mas avalia mal o país em termos mais sérios, como qualidade de vida e ambiente de negócios. O que isso diz sobre a percepção internacional do Brasil?
David Reibstein – Todas as imagens que são mostradas do Brasil incluem a foto do Cristo no Rio, ou de praias, ou do carnaval. Se você prestar um pouco mais de atenção, verá algo da Amazônia. Essas são as coisas que estão nos olhos das pessoas do mundo. Para pessoas que não conhecem o país, quando perguntam a elas qual seria o lugar mais empolgante para visitar, elas pensam no Brasil. É uma aventura. Isso não tem relação com negócios, mas pode estar relacionado com o turismo, e poderia ajudar a atrair visitantes ao Brasil.
Brasilianismo – Há uma frase muito conhecida no Brasil, atribuída erroneamente a Charles de Gaulle, de que o país não é sério. Simon Anholt, que criou o Nation Brands Index, costuma dizer que países como o Brasil são "decorativos", bons para visitar, para festas, mas não para negócios ou relações políticas. O que você acha disso?
David Reibstein – Não concordo. Acho que podemos pensar nesses dois lados do perfil como independentes. É certo que pode-se ir ao Brasil como um ótimo lugar para aventura, mas também se pode ir ao Brasil a negócios. O Brasil estava virando a curva, sua economia estava crescendo e parecia que negócios iam ser uma área de prosperidade no país, mas houve um retrocesso. Mesmo assim, acho que um país pode ser uma aventura e também ser um ótimo lugar para fazer negócios. Seria uma ótima combinação.
Brasilianismo – Mas, considerando a imagem internacional do país, o Brasil nunca conseguiu combinar os dois, não é?
David Reibstein – Cinco anos atrás o Brasil parecia ser o melhor lugar para se investir, mas os problemas políticos e a corrupção foram um grande retrocesso.
Não acho que o país ser percebido como um destino de aventura precise significar que vai ser um lugar com problemas na área de negócios. Quando olhamos para o ranking, Itália e Espanha são segundo e terceiro lugar no quesito aventura. Por mais que eles não sejam os melhores lugares do mundo para negócios, também não vão mal.
Acho que o Brasil não deveria fugir do rótulo e Aventura. A imagem de aventura é benéfica em termos de turismo, o que gera impactos significativos na economia.
Isso não significa, entretanto, que o país não deva se preocupar com as outras dimensões da sua percepção internacional, que também são importantes.
Quando olhamos para a questão de abertura aos negócios, ou empreendedorismo, o Brasil vai muito mal. Essas são dimensões críticas, que o Brasil deveria trabalhar para mudar, mas que não são necessariamente opostas à imagem de Aventura.
Brasilianismo – Trabalhos de marca de países normalmente estão associados a questões de turismo e negócios, mas o Brasil também se preocupa com sua imagem em termos de relações internacionais. A diplomacia brasileira trabalha há anos para tentar promover a imagem do país como uma potência global, mas o ranking Best Countries coloca o país em 29º lugar em termos de Poder. Isso significa que a percepção internacional pode afetar a busca pelos objetivos diplomáticos do país?
David Reibstein – Em termos de relações internacionais e influência internacional, a questão do Poder é muito importante. A questão de poder avalia o poder militar, mas também a influência econômica, entre outras características. O Brasil tem influência econômica no mundo. O Poder pode ser algo que diz algo sobre a influência econômica do país.
Brasilianismo – Harold Trinkunas and David Mares dizem que o Brasil sempre teve a ambição de ser uma potência global. Ao ver o país em 29º no índice de Poder do ranking Best Countries, parece que o Brasil está distante de alcançar esta ambição, não?
David Reibstein – Sim. Tenho ido ao Brasil há muitos anos. Sempre houve essa esperança, mas o Brasil de alguma forma acaba atrapalhando a si mesmo. Parte do problema é a questão da segurança, que se vê atualmente no Rio. Parte vem da instabilidade política, que sempre é algo que atrapalha a ascensão do Brasil ao topo.
Brasilianismo – Pensando na questão da marca do Brasil e na situação em que o país está agora, qual seria o caminho ideal para tentar promover a imagem do país? É melhor se concentrar apenas em problemas internos, ou é preciso pensar também na promoção internacional?
David Reibstein – A questão interna é mais importante. É difícil criar uma marca sem ter substância por trás dela. Não faz sentido tentar promover o Rio como um lugar seguro enquanto o Rio não é seguro. É preciso trabalhar na questão da segurança antes de tentar promover está imagem. Primeiro é importante resolver as questões internas, para depois tentar comunicar isso ao resto do mundo.
Brasilianismo – Em um artigo sobre imagem de países, você diz que os rankings não refletem fatos, mas percepções. Qual a importância dessa percepção internacional?
David Reibstein – Percepção é tudo. Assim como acontece com produtos, se não se tem uma percepção positiva dele, ele não vai ser comprado. A percepção é tudo, mas a sua parte mais importante vem da realidade.
Percepções são importantes, e vai demorar para que o Brasil consiga mudar as percepções internacionais sobre o país, pois este tem sido um problema constante no Brasil.
Brasilianismo – Apesar da importância da percepção e do conteúdo real do país, parece existir uma lacuna entre a realidade e a imagem do país, não? Dada a força econômica, o tamanho e a população do Brasil, parece estranho o país ser apenas o 28º no ranking Best Country.
David Reibstein – Há alguns países em que isso acontece. Israel, por exemplo, é um país inovador, mas as pessoas não percebem isso no resto do mundo. A Índia está progredindo, mas o resto do mundo não vê isso. Ninguém via os Emirados Árabes como um lugar interessante para visitar e fazer negócios.
Como o Brasil tem tantos conflitos internos, impeachment, instabilidade econômica, tudo isso afeta a percepção. Não há dúvida de que o Brasil tem os recursos e o potencial para ser uma das dez primeiras nações do mundo. Mas essas questões que continuam aparecendo na política e na economia atrapalham.
Brasilianismo – Foram estes problemas, impeachment, conflito e recessão, que fizeram o Brasil cair 8 posições no ranking Best Countries?
David Reibstein – É uma parte fundamental desse problema. As pessoas estão tomando mais conhecimento sobre os problemas do Brasil, como a pobreza. Em certa medida, a Olimpíada, que deveria ter sido uma oportunidade excelente para promover o Brasil no ranking, mas acabou destacando os problemas internos do país. Quando a China sediou uma Olimpíada, isso melhorou a imagem da China.
Brasilianismo – Você desenvolveu um trabalho para medir o impacto da marca de um país na economia. Analisando a imagem do Reino Unido, indicou que o ganho de 1 ponto em uma métrica de força de marca de um país significaria um ganho anual de até 6,5% no Produto Interno Bruto do país. Isso valeria para o caso do Brasil também, ou seria necessária uma métrica diferente?
David Reibstein – Seria a mesma métrica para o caso do Brasil.
Sobre o Autor
Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.
Sobre o Blog
O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.